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Artigo de leitor: uma análise jurídica sobre jailbreak

iPhone pirata (jailbreak)

por Raphael Chaia [@RaphaelChaia]

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Há algum tempo participo de discussões em fóruns especializados sobre produtos da Apple, e um dos assuntos que volta e meia aparecem na pauta diz respeito ao “jailbreak”. Claro que o tema voltou a ganhar destaque na imprensa mais uma vez, depois do sucesso que a ferramenta disponibilizada pelo grupo intitulado evasi0n alcançou: foram mais de 7 milhões de aparelhos desbloqueados em pouco mais de dois dias — uma marca de fato impressionante.

Para quem não está familiarizado com o termo, “jailbreak” nada mais é do que o processo que permite desbloquear seu iDevice (iPod touch, iPhone ou iPad) para que ele possa receber personalizações, instalar aplicativos não-autorizados pela Apple ou ainda habilitar funções que, de fábrica, vêm bloqueadas (como acontecia com a limitação de utilização do FaceTime apenas via Wi-Fi), ou recursos extras — como por exemplo bloqueio de chamadas, barras de atalhos para configurações na Central de Notificações, etc.

Muita gente torce o nariz quanto à prática do jailbreak: uns dizem que isso permite a pirataria de aplicativos, outros afirmam que isso é desrespeitar o contrato estabelecido com a Apple quando da compra do aparelho. No outro lado desse embate estão os que defendem que podem dispor livremente do aparelho que possuem e que o jailbreak não representa pirataria. A discussão é longa, recheada de verdades e equívocos.

Afinal, é *legal* fazer jailbreak no seu iDevice?

iPhone pirata (jailbreak)A primeira situação que todo mundo levanta quando o assunto é jailbreak, como falamos, é a questão da pirataria. Afinal, com o repositório “certo”, é possível instalar todos os aplicativos da App Store oficial de graça, sejam eles pagos ou não.

É preciso começar diferenciando de forma bem clara jailbreak de pirataria, para que não haja confusão entre os termos: apesar de o primeiro possibilitar o segundo, o desbloqueio não representa pirataria em si — até porque, para ter acesso aos aplicativos piratas, o *usuário* é quem precisa acrescentar novos repositórios manualmente, ou seja, novas fontes de pesquisa e download de aplicativos no Cydia. O jailbreak se limita a fornecer os “tweaks” (aplicativos que alteram configurações) desenvolvido por programadores que não são autorizados pela Apple, e nada mais. Não há nenhuma ilegalidade nisso que represente uma violação de direito autoral.

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Por outro lado, há algo que precisa ser considerado aqui: o jailbreak altera o software da Apple sem autorização da empresa, e isso representa uma violação aos termos de uso que são impostos ao usuário final. Os termos podem ser consultados aqui [PDF], mas buscamos por conta o trecho que nos interessa, na seção 2 do contrato:

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(c) Você não deve e concorda que não ou possibilitará que outros (exceto se expressamente permitido por esta Licença), descompilem, revertam a engenharia, desmontem, tentem derivar o código fonte, decriptem, modifiquem ou criem obras derivadas do Software do iOS ou de quaisquer serviços fornecidos pelo Software do iOS, ou de qualquer parte aqui (exceto se e somente na extensão, qualquer restrição precedente está proibida pela lei aplicável ou na extensão que pode ser permitida pelos termos de licença que regem o uso de componentes de código aberto incluídos com o Software do iOS). Qualquer tentativa de fazer o que foi citado anteriormente constitui uma violação dos direitos da Apple e seus licenciadores do Software do iOS.

Um contrato de licença de uso de software não é uma figura relativamente nova no Direito Brasileiro. Basicamente você não adquire o produto, mas a autorização para utilizá-lo, dentro das condições impostas pelo fabricante/desenvolvedor. Você de fato compra o telefone, mas dentro dele está um software, um sistema operacional, que é regido por um contrato à parte, com o qual você concorda — ou não — na primeira vez em que inicia seu telefone.

Essa foi a base da defesa da Apple, numa ação movida em 2010 contra ela pela Electronic Frontier Foundation (EFF) e outros 18 interessados, em que defendiam o jailbreak nos aparelhos da empresa como sendo legal. A decisão, datada de 26 de julho de 2010, deu ganho de causa aos favoráveis pelo desbloqueio, com base no benefício da dúvida.

“Apple further contended that modifying Apple’s operating system constituted the creation of an infringing derivative work,” the Copyright Office said. “Specifically, Apple argued that because purchases of an iPhone are licensees, not owners, of the computer programs contained on the iPhone … the Copyright Act is inapplicable as an exemption to the adaptation right.” Billington was not convinced. He acknowledged that the contract between Apple and its customers does not specifically authorize modification of the iPhone, but said that the contractual language is “unclear” as to whether users are buying or licensing a copy of the computer program contained on the iPhone. “Apple unquestionably has retained ownership of the intangible works, but the ownership of the particular copies of those works is unclear,” he concluded.

Segundo a decisão, não ficava claro no contrato se o usuário adquiria um produto ou uma licença, e, por isso, a Digital Millenium Copyright Act (DMCA), a lei antipirataria americana, não seria aplicável ao caso. A decisão, porém, deveria ser revista em dois anos — e essa questão, antes dúbia, agora está clara nos contratos da empresa. Não deu outra: o jailbreak passou a ser ilegal nos Estados Unidos, enquadrando-se no DMCA. Porém, a decisão trouxe um aspecto curioso: cobre tão somente tablets e consoles de videogame, e não aparelhos celulares. Ou seja, o jailbreak no iPhone, mesmo com o iOS 6.0, é liberado nos EUA, mas no iPad, não!

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Outro ponto engraçado: é possível fazer o jailbreak no iPhone, mas não desbloqueá-lo para usar com qualquer operadora, algo no mínimo inexequível para nós, brasileiros, já que, por lei, as operadoras são obrigadas a fazê-lo.

Ok, e no Brasil, como fica? Quais os efeitos para quem faz o desbloqueio hoje em dia?

*Criminalmente* não há fato típico, principalmente no Brasil. Não temos nenhum crime que preveja a conduta de desbloqueio de dispositivo informático ou de telefonia. Porém, *civilmente*, estamos diante de uma quebra de contrato. Não que a Apple vá processar civilmente quem desbloquear seu aparelho; porém, se qualquer dano ocorrer a ele e ficar demonstrado que o dano decorreu da prática de jailbreak, a Apple se reserva ao direito de revogar sua garantia sobre o produto. Funciona como aqueles velhos lacres adesivos que você encontra atrás do PC ou debaixo do seu notebook: se você os removesse, adeus garantia. Nada mais que justo: direitos implicam em deveres e, se você quer ter direito a essa garantia, não deve violar os termos de uso da empresa.

Claro que sempre é possível restaurar o sistema usando o iTunes e, assim, conseguir o suporte que se precisa quando houver algum problema. No final, a prática do jailbreak acaba sendo uma opção pessoal do próprio proprietário do iDevice: destarte ele representar uma quebra de contrato, ele não pode ser classificado como ilegal — ou seja, um ato ilícito contratual não pode ser classificado como um ato ilícito legal, e suas implicações são tão somente aquelas previstas no próprio contrato, e nada mais.

Toda a polêmica gira em torno do conceito de licença de uso. A figura do contrato, como disse, pode não ser relativamente nova para o Direito Brasileiro; essa licença existe há anos, nascida quase que juntamente à informática moderna. Todo programa de computador se baseia nesse tipo de contrato: sistemas operacionais, editores de imagens, produtores de texto, todos, sem exceção, são adquiridos por licença de uso, não por compra tradicional. Entender a mecânica desses contratos é essencial para entender a polêmica em torno do desbloqueio de iGadgets nos dias de hoje e, assim, quem sabe, dirimir, de uma vez por todas, as dúvidas que nascem da polêmica de sua prática por quem quiser assumir esse risco.


Raphael Rios Chaia Jacob é advogado militante nas áreas de Direito Ambiental e Eletrônico, e professor mestre de Direito na Universidade Católica Dom Bosco, em Campo Grande (MS).

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