Até aonde vai o direito à liberdade de expressão? Em um ano de Eleições essa pergunta frequentemente entra em pauta, mas quando um aplicativo no qual, em teoria, você pode falar o que quiser em anonimato se populariza rapidamente, essa questão deixa de ser apenas uma conversa e chega em massa aos tribunais.
O Secret não é um aplicativo novo, mas apenas há algumas semanas se popularizou no Brasil e, como uma doença viral, do dia para a noite todos o tinham instalado em seus smartphones. Seu objetivo? Uma rede social na qual podemos postar dizeres ou fotos, curtir e ainda comentar — tudo de forma anônima. Me desculpem, mas acho que seria bastante ingenuidade acreditar que 100% dos usuários usariam-no apenas como algo positivo.
Pessoas compartilhavam segredos, pensamentos, desabafos, etc. de uma forma mais espontânea, já que ninguém tinha como saber quem era o autor da postagem. No entanto, não demorou muito para que começassem a divulgar “informações” sobre aquela pessoa de que você não gosta — algumas verdades e outras nem tanto. E não parou por aí: começaram a divulgar fotos, muitas delas íntimas ou reveladoras.
Apesar de não ter tido uma restrição etária ou espacial, os adolescentes, inspirados em séries como Gossip Girl e Pretty Little Liars, foram os principais usuários e, consequentemente, as maiores vítimas. Escolas tiveram que se mobilizar para conscientizar do que estava sendo feito, porque sim, expor uma pessoa sem a sua devida autorização é crime.
No meu caso, um colégio que conta com quase 11.000 alunos, o corpo docente e administrativo teve de montar uma força-tarefa para evitar problemas mais graves entre seus alunos. Em uma das palestras conscientizadoras, o professor Vicente Delorme lembrou que expor uma foto de alguém, independentemente da natureza ou da intenção, é ferir um direito personalíssimo, ou seja, não é só crime, é um crime que por si só já é qualificado.
Quando um aplicativo torna tão fácil a execução de um crime qualificado, não é difícil de imaginar aonde isso vai parar. E parou. Não menos que algumas semanas após a popularização do aplicativo, e centenas de processos abertos pelo Brasil inteiro contra calúnia, difamação, exposição sem autorização, entre outros diversos crimes, um juiz do Espírito Santo determinou que o aplicativo saísse das lojas da Apple, do Google e da Microsoft em até dez dias — exigindo ainda que ele fosse removido dos celulares dos usuários.
A primeira parte já foi feita: o Secret não pode ser baixado mais na App Store, mas removê-lo remotamente dos aparelhos acho que será um tanto quanto complicado. Se essa foi a medida certa? Diria que não. O aplicativo não pode ser punido pelo mau uso dos usuários — quem deveria ter sido punido deviam ser os próprios usuários. Se eu fosse o desenvolvedor, abria uma forma mais eficiente da identificação de quem publicasse algo comprovadamente calunioso.
Não é o primeiro e não será o último país onde o Secret passa causando polêmica, e duvido que essa história acabe sem direito a uma réplica da empresa, até porque é muito mais cômodo “matar” o problema de forma generalizada, sem buscar efetivamente os culpados pelo crime. Mas quem sou eu para pôr em questão a ordem de uma autoridade judiciária? Não podemos correr o risco de que ele também ordene a nossa saída do ar.
Aonde foi parar a liberdade que, como dito, é um direito personalíssimo? Houve pessoas criminosas no meio? Certamente. Mas quem de fato foi punido, deveria ter sido? Então quem de verdade infringiu o direito do próximo, ainda não podemos definir.
via Olhar Digital, Tecnoblog
Atualização 22/08/2014 às 11:00
Como lembrado por alguns leitores, de acordo com o Artigo 5 item IV da Constituição Brasileira, “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” — o que nos leva a crer que, enquanto não houver uma forma eficaz de identificar quem está por trás das postagens reclamadas, o uso do aplicativo se torna inviável no Brasil.
Atualização II, por Eduardo Marques 13/09/2014 às 16:26
A justiça do Espírito Santo derrubou a liminar que suspendia o app Secret no Brasil. Mais informações neste artigo.