O melhor pedaço da Maçã.
Base de recarga AirPower com iPhone X Plus, o Apple Watch Series 3 e o AirPods

O que realmente deu errado com o AirPower?

Na última sexta-feira, fomos surpreendidos com a bomba de que, um ano e meio após o seu anúncio original na keynote do iPhone X, o AirPower nunca verá a luz do dia. A Apple desistiu oficialmente do projeto.

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A notícia foi dada primeiro ao TechCrunch, por meio de uma breve declaração de Dan Riccio, vice-presidente sênior de engenharia de hardware da Apple:

Após muito esforço, concluímos que o AirPower não atingirá nossos altos padrões e cancelamos o projeto. Nós pedimos desculpas aos clientes que estavam empolgados por esse lançamento. Continuamos acreditando que o futuro é sem fio e estamos comprometidos em estimular a experiência wireless.

Se Riccio assinou, é ele quem assumiu a culpa pela falha na Apple. Foi ele, provavelmente, quem deu sinal verde para Phil Schiller anunciar o produto em setembro de 2017, antes de a coisa estar realmente pronta para chegar ao mercado.

E esse foi, basicamente, o único e maior erro da Apple nessa história toda: anunciar ao mundo, e ainda numa de keynote de novos iPhones, um produto inacabado. Até porque, se pararmos para pensar, não há necessidade nenhuma de a empresa anunciar algo com tamanha antecedência; ela pode sempre escolher o melhor momento para fazer isso, de acordo com o andamento interno de cada projeto.

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Em certos momentos, pode ser estratégica ou comercialmente bom para a Apple (ou outras empresas) anunciar algo de forma antecipada. O serviço Apple TV+, por exemplo, não corre risco nenhum; ele não depende de nenhuma tecnologia especial, contratos foram firmados e várias daquelas produções próprias que vimos na keynote inclusive já foram filmadas e estão agora em fase de pós-produção.

Mas o que realmente deu errado com o AirPower, afinal?

O produto

Dizer que o AirPower seria simplesmente uma base de recarga sem fio capaz de alimentar três dispositivos, como várias que já existem hoje no mercado, é muito raso.

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Sim, na prática, grosso modo, era isso: o AirPower seria uma base branquinha com formato ovalado capaz de recarregar um iPhone, um Apple Watch e o estojo de recarga dos AirPods simultaneamente. Mas, para colocar a sua marca nesse produto, a Apple quis — como de praxe — fazer algo diferente e, acima de tudo, melhor.

Todas as bases de recarga existentes hoje no mercado possuem uma, duas ou até três bobinas eletromagnéticas para recarga sem fio usando o padrão Qi. Isso significa que cada dispositivo colocado sobre elas precisa ser posicionado certinho no centro de cada bobina para que a comunicação se estabeleça.

Dentro do AirPower, a Apple queria colocar mais de 20(!) dessas bobinas — numa disposição mais ou menos como mostra o desenho dessa patente:

Pedido de patente do AirPower
Crédito: Patently Apple

De forma inteligente, a base então detectaria a bobina mais bem posicionada do dispositivo e ativaria só ela. Com isso, o usuário não teria mais que se preocupar com a posição exata e nem com a ordem que “jogaria” seu iPhone, Apple Watch e/ou AirPods em cima do AirPower; o lema seria o clássico da Maçã, “just works”.

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Como cereja do bolo, a Apple também iria implementar um sistema de comunicação entre os dispositivos colocados sobre o AirPower, de forma que a tela do iPhone conseguisse mostrar o nível de carga de cada um deles. Muito simpático.

Obviamente, vale notar aqui também que o Apple Watch usa um sistema de recarga por indução proprietário (e não Qi, como o iPhone e os novos AirPods). Ou seja, a grande maioria dessas bases de recarga genéricas no mercado não é capaz de alimentá-lo.

Hipóteses do que deu errado

A declaração de Riccio, obviamente, foi bastante vaga. Um produto não ter atingido os “altos padrões” impostos pela Apple pode significar uma série de coisas.

Eis as hipóteses mais óbvias, como base no que vínhamos ouvido nos últimos meses:

  • Mesmo com toda a engenharia e gerenciamento inteligente de ativação das bobinas, o produto esquentava demais. Eletrônicos esquentarem é normal, principalmente os que lidam com energia, mas só até um certo ponto; e, no caso de um produto como esses, o calor poderia inclusive interferir negativamente na performance da recarga em si.
  • A ideia das 21-24 bobinas internas poderia ser fantástica para resolver o problema de às vezes dispositivos não recarregarem por estarem mal posicionados, mas isso acarretava bastante interferência interna no AirPower — mais uma vez, prejudicando a sua performance.
  • O tal recurso de comunicação entre os dispositivos posicionados sobre a base era bastante “bugado”, mostrando na tela do iPhone valores inconsistentes do nível de recarga deles sem um nível de precisão satisfatório.

Dos três pontos acima, certamente o primeiro seria o de maior gravidade. Muitas pessoas deixam essas bases de recarga em criados-mudo ao lado de suas camas, e não dá nem para cogitar a possibilidade de um dispositivo desses quem sabe pegar fogo e incendiar uma casa. A lição do Galaxy Note7 não foi dada apenas para a Samsung.

Até aí, estamos falando de dificuldades técnicas que em tese deveriam ser superadas pela Apple, mais cedo ou mais tarde. Aparentemente, se o motivo foi um ou vários desses, as leis da Física ainda têm sua força. Alguns produtos às vezes são concebidos “antes do tempo”.

Mas essas não são as únicas hipóteses. O pessoal da iFixit, por exemplo, analisou todo o caso e tem quase certeza de que a Apple conseguiu, sim, fabricar unidades completamente funcionais do AirPower em seus laboratórios. O problema, segundo eles, teria a ver com interferência eletromagnética e as várias regulamentações impostas por órgãos americanos e europeus.

William Lumpkins, vice-presidente de engenharia da O & S Services, explica que os campos eletromagnéticos emitidos pelas múltiplas bobinas dentro do AirPower poderiam atuar como ondas quando se chocam, gerando o que eles chamam de “frequências harmônicas” — cujo desafio cresce proporcionalmente ao número de bobinas intercaladas.

Com o tempo, essas harmônicas se somam e se tornam sinais realmente poderosos no ar. E isso pode ser ruim — pode até desativar o marca-passo de alguém, se o nível estiver alto demais. Ou pode causar curto-circuito em aparelhos auditivos.

Houve, também, quem tivesse apostado que o custo do AirPower seria alto demais e que a Apple desistiu por isso. Rumores variavam entre US$150 e US$200, mas na minha opinião mesmo se a Apple tivesse que vendê-lo a US$250 (o que seria um absurdo), isso não seria motivo suficiente para ela cancelar o projeto.

E agora?

Pois bem. Como vocês puderam notar, eu não consigo lhes cravar uma resposta exata para a perguntar feita no título deste artigo; só a Apple poderia responder isso com certeza, e ela dificilmente o fará.

O cancelamento do AirPower é um marco na história da Apple porque não há nenhum outro caso recente de um produto dela, especialmente um hardware como esse, ter sido anunciado e depois abortado. O único exemplo semelhante que consigo me recordar agora foi uma promessa feita por Steve Jobs em 2010, de tornar o FaceTime um padrão aberto (o que não se concretizou até hoje, provavelmente por questões judiciais); mas, sem dúvida nenhuma, é algo bem diferente.

Por outro lado, boa parte da mídia e toda a massa de haters da Apple quer e tentará fazer desse caso algo maior do que realmente é. O maior erro da Apple nessa história toda, como falei lá no início do artigo, foi ter anunciado o produto antes da hora. Cancelar um projeto, seja lá por que motivo for, não é nada incomum em grandes empresas como a Apple. Desde o anúncio do AirPower, isso deve ter acontecido algumas vezes lá dentro sem que sequer tomemos conhecimento de tais projetos. E é assim que tem que ser.

Ademais, mesmo que eu, você e muitos por aí estivéssemos ansiosos pela chegada do AirPower, o produto em si não deixaria de ser simplesmente uma base de recarga sem fio com algumas melhorias e diferenciais em relação ao que já temos hoje no mercado. Não seria, definitivamente, um produto que mexeria alguma agulha dentre os bilhões que a Apple fatura todos os anos. O prejuízo para ela aqui é totalmente intangível, e não financeiro.

Que isso tudo sirva de lição para a empresa e que não volte a ocorrer um vexame desses tão cedo. Fica a torcida, também, para quem sabe daqui a um tempo ela surpreender com o lançamento de um “AirPower 2” repensado e até melhor do que seria esse produto que nunca chegará às nossas mãos. Os trabalhos continuam.

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