O melhor pedaço da Maçã.
"Sugar", do Apple TV+

“Sugar” é uma carta de amor à Hollywood do passado com todos os problemas da Hollywood do presente

Desde o primeiro frame, é muito evidente que “Sugar” é um produto de pessoas muito apaixonadas pela tradição hollywoodiana do film noir. Suas primeiras sequências, capturadas com uma fotografia em preto-e-branco em alto contraste e com um roteiro deveras econômico nos diálogos, já nos dão um belo cartão de visitas do que esperar dos minutos seguintes: um exercício de estilo impecável, um banho de referências a obras amadas da década de 1950 e… bem, muito possivelmente, nada muito além disso.

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A série, que chegou ao Apple TV+ na última sexta-feira (5/4) com dois dos seus oito episódios já disponíveis, tem no comando ninguém menos que Fernando Meirelles, que voltou à cadeira de direção após uma longa temporada no teatro (ele interrompeu as “férias” apenas para dirigir “Dois Papas”, em 2019). E, honrando seu nome como um dos grandes do cinema saídos do Brasil — vale lembrar que ele é o único brasileiro indicado ao Oscar de Melhor Direção, por “Cidade de Deus” —, Meirelles abraça a estética e a vibe de “Sugar” com a naturalidade de quem coloca a mão no bolso e sai perambulando pelas ruas, esbanjando total domínio da câmera, das atuações e da decupagem da série.

A contratação de Meirelles para o comando da produção não é por acaso: sabemos que o cineasta tem um talento, muito comum numa Hollywood de outrora mas cada vez mais raro, de se adaptar àquilo que está filmando mas sem jamais deixar de imprimir seu próprio estilo. Ele pode ir do estilo frenético e sincopado de “Cidade de Deus” à letargia sinistra (e extremamente proposital) de “Ensaio Sobre a Cegueira” e à meditação silenciosa, confortável pero no mucho, de “Dois Papas”, e ainda assim, deixar claro que todos esses projetos — por mais absurdamente diferentes que sejam entre si — são dirigidos por Meirelles. 

Hoje em dia, é difícil encontrar um meio-termo entre um autor hiperestilizado (estou falando dos Tarantinos e Nolans da vida) e um operário que faz aquilo que uma mesa de produtores lhe ordena (estou falando das dezenas de diretores contratados pela Netflix para produzir “conteúdo” e que poderiam ser — e provavelmente serão algum dia — substituídos por uma inteligência artificial). Meirelles está justamente nesse meio-termo, seguindo os passos de cineastas como Norman Jewison, Robert Wise e Rob Reiner. É provável que algum desses nomes algum dia seja citado ao lado de gigantes como Martin Scorsese, Ingmar Bergman ou Akira Kurosawa? Não, não é, mas é bom e importante que Meirelles siga carregando essa tocha de maneira basicamente solitária.

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A esse ponto, você pode se perguntar a razão de eu estar confabulando sobre influência autoral em Hollywood numa suposta crítica de uma série do Apple TV+. E eu lhe respondo, caro Padawan: o problema é que “Sugar”, com todas às suas referências a “O Terceiro Homem”, “O Perigoso Adeus”, “A Marca da Maldade”, à Cahiers du Cinéma e ao velho studio system hollywoodiano, é inevitavelmente, dolorosamente um produto da contemporaneidade — e eu digo isso no pior dos sentidos, infelizmente.

Antes de entrar no x da questão, vamos apenas lembrar sobre o que estamos lidando. Na superfície, “Sugar” é uma história de detetive centrada em John Sugar (Colin Farrell), um detetive particular vagando por uma Los Angeles levemente surreal, um degrau acima da realidade, em busca das pistas para solucionar seu mais novo caso: ele foi contratado por Jonathan Siegel (James Cromwell), um lendário produtor de Hollywood, para encontrar sua neta Olivia (Sydney Chandler), que sumiu sem deixar rastros. A partir daí, inicia-se uma trama complicada sobre disputas de poder, vícios em drogas e jogo, estrelas do passado tentando reviver os tempos de glória e vários outros elementos típicos do noir.

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No entanto, desde a primeira cena de “Sugar”, fica claro que essa não é a história que a série realmente pretende contar. Aliás, o mistério de Olivia sequer é particularmente interessante — ao menos ao longo dos dois primeiros episódios, a trama anda sem muita direção nem muita vontade de ser algo além de um dispositivo de roteiro para que a narrativa chegue ao ponto que de fato interessa.

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Nestes dois primeiros episódios, a parte mais interessante acaba sendo a performance contida, porém cheia de personalidade de Farrell e suas diversas piscadelas em direção à grande revelação que ainda está por vir — como o fato de que John Sugar processa álcool 50 vezes mais rápido do que um ser humano comum, sua constante tremedeira e sua predileção por cinema (e, coincidentemente ou não, pelos próprios filmes que “Sugar” não se cansa de referenciar, às vezes de forma deveras literal).

Bônus também para a presença de Amy Ryan, uma atriz talentosíssima frequentemente subutilizada e que, aqui, tem espaço para deitar e rolar como Melanie, ex-estrela do rock e ex-madrasta de Olivia, uma figura dúbia que forma uma dobradinha instigante com o protagonista.

"Sugar", do Apple TV+
Amy Ryan em “Sugar”.

E qual o problema, então? Bom… o problema é que, até chegar ao ponto que realmente interessa, “Sugar” já está lá no final da sua leva de oito episódios. Isto é: o próprio cerne da série, aquilo que ela realmente quer ser e pretende ser, simplesmente é tratado como um segredo, como um spoiler que não pode ser revelado, muito menos discutido. E, até que se chegue lá, a série fica andando em círculos em um lenga-lenga não muito envolvente, o que é fatal para qualquer tipo de narrativa. Parafraseando uma belíssima canção do Radiohead, “now that you found it, it’s gone” (“agora que você encontrou, já desapareceu”). Até chegar onde quer, “Sugar” já está no seu fim.

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E isso é um enorme problema contemporâneo de Hollywood, que eu particularmente coloco na conta de J.J. Abrams (que não tem absolutamente nada a ver com “Sugar”, para que fique claro). Com “Lost”, Abrams meio que revolucionou a forma de a indústria contar histórias com o seu conceito da Caixa de Mistérios, mas — como toda tendência — a sua fórmula acabou sendo utilizada demais, explorada demais, repetida demais, ao ponto da desnaturação. “Sugar” é uma das vítimas desse fenômeno: histórias que giram tanto em torno de um mistério, de uma reviravolta surpreendente, que acabam se tornando dependentes disso a ponto de se esquecerem que o importante é a jornada, não o lugar onde ela quer chegar.

Em uma nota relacionada, me parece que o Apple TV+ está particularmente suscetível a esse tipo de problema: “Argylle” foi um filme que, por girar em torno de uma reviravolta completamente sem sentido, precisou ser divulgado como algo completamente diferente do que realmente era para que o bendito segredo não fosse revelado. A diferença é que, ao contrário do filme de Matthew Vaughn, “Sugar” felizmente tem algo aproveitável nesta camada superficial antes de se revelar.

O Apple TV+ está disponível no app Apple TV em mais de 100 países e regiões, seja em iPhones, iPads, Apple TVs, Macs, smart TVs ou online — além também estar em aparelhos como Roku, Amazon Fire TV, Chromecast com Google TV, consoles PlayStation e Xbox. O serviço custa R$21,90 por mês, com um período de teste gratuito de sete dias. Por tempo limitado, quem comprar e ativar um novo iPhone, iPad, Apple TV, Mac ou iPod touch ganha três meses de Apple TV+. Ele também faz parte do pacote de assinaturas da empresa, o Apple One.


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