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“AppleGPT”: o fim da Siri como a conhecemos

Adrian Tusar / Shutterstock.com
Ícones do AppleGPT e do ChatGPT em um iPhone

Quando o assunto é o ChatGPT, todo mundo que entende de inteligência artifical fala a mesma coisa: a verdadeira inovação não foi a IA propriamente dita, mas sim a sua interface.

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E faz sentido. O GPT1Generative pre-trained transformer, ou transformador pré-treinado generativo. existe desde 2018, apoiado na arquitetura Transformer, proposta em 2014. Desde lá até o lançamento do ChatGPT, em 2022, era necessário basicamente instalar e rodar o modelo no computador, e treiná-lo repetidas vezes em cima de um mesmo corpo de texto para que ele pudesse começar a gerar respostas que fizessem sentido.

Era um processo demorado, e que envolvia coisas como git, Python, CUDA, Lambda, TensorFlow, choro e ranger de dentes. O ChatGPT acabou com isso. Ele eliminou toda a parte técnica que limitava a utilidade do então GPT-3 a apenas uma fração da humanidade e o aplicou em uma interface familiar para todos: uma simples janela de conversa, já pré-treinada, com praticamente todo o conhecimento do universo.

Para os otimistas, o ChatGPT é um oráculo. Para os cínicos, é um autocompletar com esteroides. Mas fato é que, apesar de ainda parecer mágico, as poucos, estamos aprendendo como o ChatGPT funciona e, principalmente, quais são as suas limitações. O próprio Sam Altman, CEO2Chief executive officer, ou diretor executivo. da OpenAI, disse sobre o GPT-4 que à primeira vista ele “parece ser mais impressionante do que ele realmente é”. Ainda assim, aquela sensação inicial de perplexidade persiste e lembra um pouco o que sentimos quando a Apple mostrou a Siri pela primeira vez. Já viu aonde eu quero chegar, né?

Pois bem. Se você nunca viu o anúncio original da Siri, vale assistir. Mais do que isso, vale assistir sob o ponto de vista de 2023 e observar que muito o qual a Apple prometia com a Siri em 2011 é justamente o que o nos deixa estupefatos com o ChatGPT em 2023.

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Na última semana, uma reportagem de Mark Gurman reverberou por todo o mercado de tecnologia e chegou a fazer a Apple valorizar 30 bilhões de dólares em um intervalo de 10 minutos: alguns funcionários da empresa vêm usando internamente uma ferramenta apelidada extra-oficialmente de “AppleGPT” e a companhia pode anunciar algo relacionado a IA no próximo ano.

Gráfico mostra salto nas ações da Apple após a divulgação da matéria de Mark Gurman.
Gráfico mostra salto nas ações da Apple após a divulgação da matéria de Mark Gurman

Apesar de encher os olhos, 90% dessa notícia não é exatamente uma novidade. Isso, inclusive, pode explicar o fato das ações da Apple não terem valorizado mais do que 2% após a divulgação da notícia, enquanto o BuzzFeed, por exemplo, valorizou 300% após divulgar que adotaria IAs para escrever alguns dos seus conteúdos.

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Além disso, as ações da Maçã voltaram logo em seguida à tendência de leve alta, praticamente apagando os ganhos dos dez minutos anteriores. Isso provavelmente aconteceu porque, passado o susto inicial, o mercado lembrou que o The Information já havia noticiado em abril que a Apple vinha investigando tecnologias ligadas a inteligência artificial e o TechCrunch já havia coberto em maio sobre a abertura de quase 100 vagas de emprego na companhia para profissionais da área. Essa última, inclusive, derrubou as ações da Apple porque confirmou que ela de fato havia perdido a largada na corrida do mercado de IAs generativas.

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Na semana passada, eu mencionei a frigidez da Apple em relação ao mundo das IAs. Especialmente depois do lançamento do ChatGPT, quando todos passaram a olhar para a empresa e dizer “E aí? Cadê?”, ela passou a falar de forma vaga sobre investimentos em aprendizado de máquina (ela nunca diz IA, mas sim machine learning, que tecnicamente é o termo mais correto para essas tecnologias), sobre cautela, a Detecção de Queda do Apple Watch, a Detecção de Acidentes do iPhone e a até mesmo a bem-vinda adoção da arquitetura Transformer no autocorretor do iOS 17 (em inglês, por ora).

É claro que a Apple sabe que, apesar de serem úteis, esses não são os recursos que a gente quer quando fala sobre IA. Todos sabemos que a interface existente mais óbvia e potencialmente mais útil para isso seria a Siri.

Siri no iPhone 4S (by MacMagazine)

Há, é claro, desafios enormes pelo caminho, começando com os explicados pelo The Information em abril: falta de precisão ou confiabilidade nas respostas, alta probabilidade de a Siri dizer absurdos potencialmente ofensivos, hesitação da Apple de lançar uma tecnologia que ela não possa controlar do inicio ao fim (motivo pelo qual, inclusive, até hoje a Siri funciona sob um esquema de respostas pré-redigidas, a despeito do que Phil Schiller explicou no palco em 2011), entre outras coisas.

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Esses são os desafios enfrentados por todo o mercado que lida com IAs generativas e, talvez, a Apple seja a empresa que mais teria a ganhar ao desenvolver uma solução confiável e privada para as deficiências desse modelo. Fato é: até que a Apple tenha algo verdadeiramente significativo para mostrar, é claro que ela seguirá apontando para esses pequenos (e úteis, claro) recursos relacionados a aprendizado de máquina e dizendo “Tá aí, ó! Machine learning! Foi o que vocês me pediram!”.

Dito tudo isso, nada tira a magnitude de uma informação verdadeiramente nova trazida por Gurman: a Apple já tem um chatbot conversacional funcional, ainda que apenas para uso interno. Isso indica que ela já está mais avançada nesse processo do que nós pensávamos. Curiosamente, o “AppleGPT” roda com base em uma tecnologia do Google, apesar da alergia da Apple em depender de tecnologias proprietárias de terceiros (e concorrentes!) para qualquer coisa.

Ela provavelmente optou por fazer isso justamente por ter sido pega de surpresa com a corrida das IAs e porque seria impossível ela recuperar em alguns meses o tempo perdido nos últimos anos. Ironicamente, isso me faz lembrar de quando Steve Jobs disse orgulhosamente, no anúncio do iPhone em 2008, que o então chamado iPhone OS estava “pelo menos cinco anos à frente da concorrência”. Mas deixemos o homem descansar.

A reportagem de Gurman trouxe uma boa notícia, mas também uma grande incógnita: segundo fontes dele, a liderança da Apple ainda não sabe exatamente o que quer fazer neste mercado, ainda que a sua intenção seja a de lançar algo no ano que vem. Isso quer dizer que, mesmo com a óbvia demanda por algo como um “SiriGPT”, talvez a Apple já tenha decidido rejeitar essa ideia. Talvez ela esteja em busca de algo que seja apenas próximo o suficiente do “SiriGPT”, a ponto de nos darmos por satisfeitos. Algo sem os riscos inerentes às IAs generativas, mas com o potencial de não ser igualmente útil.

Foi essa mesma estratégia que a Apple adotou com o Stage Manager em vez de ceder às demandas por janelas no iPadOS, foi o que ela tentou com as GPUs3Graphics processing units, ou unidades de processamento gráfico. integradas do Apple Silicon em vez de GPUs expansíveis no novo Mac Pro e é o que ela entrega há mais de uma década com uma Siri cada vez mais inútil.

Seja como for, Gurman nesta semana pode ter trazido, talvez, uma das notícias mais relevantes da sua carreira: a Siri, como a conhecemos, pode estar com os dias contados. Resta saber se isso significa um novo capítulo empolgante na história da assistente ou se é a confirmação de que a Apple já desistiu da Siri há muito tempo e só não contou para ninguém.

Notas de rodapé

  • 1
    Generative pre-trained transformer, ou transformador pré-treinado generativo.
  • 2
    Chief executive officer, ou diretor executivo.
  • 3
    Graphics processing units, ou unidades de processamento gráfico.

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