O melhor pedaço da Maçã.
Logo do Apple TV+ e bandeira do Brasil

O que falta para o Apple TV+ investir no Brasil?

Spoiler: dinheiro não é o problema — nem falta de talento

Na semana passada, noticiamos que a Maçã abriu uma nova vaga com título, digamos, auspicioso: Video Business Lead (isto é, líder de negócios de vídeo) para o Apple TV+ no Brasil.

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A descrição do cargo não é lá muito reveladora, mas sabe-se que a futura contratação da Maçã terá como responsabilidade “expandir os negócios de vídeo da Apple” na nossa estimada república. Mais precisamente, traduzo abaixo a descrição da vaga conforme postada na página de Carreiras da Apple:

Estamos procurando por um(a) Líder de Negócios de Vídeo para seguir expandindo nosso negócio audiovisual no Brasil. A pessoa deve ter excelentes habilidades de trabalho em equipe e experiência como gerente, com um currículo sólido no universo da mídia administrando serviços de vídeo, além de uma compreensão aprofundada do cenário de conteúdo, parcerias e mercado.

[…]
  • [A pessoa contratada irá] Liderar uma equipe de gerentes de negócios e editores com um objetivo em comum: apresentar aos nossos clientes os filmes e séries de TV mais envolventes, tanto em modelo transacional (sob demanda ou venda avulsa) quanto de assinatura.
  • Adotar uma abordagem apoiada em dados para otimizar o desempenho e o crescimento de todas as iniciativas de Vídeo da Apple, incluindo o Apple TV+, Canais, serviços de aplicativos de terceiros e conteúdo transacional.
  • Dividir seu foco entre análises de mercado, análises de desempenho, iniciativas comerciais, gerenciamento de parcerias e iniciativas editoriais.
  • Trabalhar de forma colaborativa com múltiplas funções para construir e desenvolver oportunidades para a área de Vídeo no ecossistema geral da Apple.
  • Construir, manter e expandir relações comerciais com parceiros novos e já existentes, gerando mais conhecimento e engajamento das nossas iniciativas de Vídeo no Brasil.
  • Cultivar o estilo de negócios, o estilo comunicativo e a marca da Apple em todas as iniciativas de Vídeo da empresa no Brasil, com ênfase em particularidades culturais da atualidade e lançamentos locais. Estimular e desenvolver a melhor experiência possível para o consumidor e as melhores ofertas de Vídeo no aplicativo Apple TV, criando uma programação que atraia e engaja os consumidores.

Os destaques feitos por mim no trecho servem para mostrar, acima de tudo, que a vaga envolve um aspecto de criação — isto é, o texto dá a entender que a futura contratação da Apple não trabalhará apenas com o conteúdo já existente do Apple TV+, e sim atuará também na atração de talentos e conteúdos que fortaleçam o apelo do serviço aos olhos do público brasileiro.

Isso significa que a Apple está finalmente pronta para investir em filmes e séries originais no Brasil? Bom… vamos com calma.

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Os mais pessimistas dirão que tal prospecto é absurdo, pois o Brasil nunca sequer chegou perto de ser um mercado prioritário para a Apple em nenhum setor. E é verdade — basta vermos o descaso da empresa em manter uma política de preços minimamente competitiva por aqui, o desinteresse em expandir sua presença de varejo para além das duas maiores cidades do país ou a eterna demora para a chegada de alguns produtos e serviços da Maçã por aqui (embora esse último aspecto, sejamos justos, esteja mudando de uns tempos para cá).

Por outro lado, sabemos muito bem que o modelo de negócios de um Apple TV+ opera de maneira muito diferente dos Macs e iPhones da vida. Enquanto no caso do hardware a Apple pode manter sua presença no Brasil vendendo uma quantidade pequena de aparelhos a valores astronômicos, não é assim que a banda toca no universo do streaming.

Até por isso, os R$15 mensais do Apple TV+ o transformam em uma das plataformas mais baratas do seu segmento no Brasil — porque no mundo do audiovisual, você precisa ser visto (e, mais que isso, precisa estar na boca do povo) se quiser se manter relevante. E, para isso, você precisa de assinantes, de audiência, de uma imprensa falando sobre o seu conteúdo, de influenciadores nas redes sociais e todos os suspeitos de sempre.

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A própria Apple tem plena consciência disso. Se não tivesse, não teria aberto o acesso ao Apple TV+ em uma série de plataformas fora do seu ecossistema, como smart TVs, consoles de videogame e até mesmo caixinhas e sticks de streaming da concorrência. Resumindo, a guerra no mundo do cinema e da TV é cultural, e a Maçã está comendo poeira no Brasil (e em boa parte do mundo, francamente).

Em outros países, é possível notar os esforços do Apple TV+ em expandir o seu conteúdo para abrigar produções locais e oferecer opções além do tradicional cardápio estadunidense-britânico. Dá para citar, por exemplo, produções como “Now and Then” e “Acapulco” (México), “Pachinko” e “Dr. Brain” (Coreia do Sul), “Liaison” (França), “Tehran” e “Losing Alice” (Israel), entre outras.

Claro que, num mundo extremamente globalizado, raramente uma produção pode ser considerada como totalmente de um país só: várias das séries que eu citei acima, aliás, são coproduções dos Estados Unidos. Mais do que o local de produção do conteúdo, entretanto, pretendo referir-me à identificação com um país, um idioma e uma cultura — coisas que facilitam a assimilação do público e permitem que tal série ou tal filme ressoem de maneira mais forte em um determinado lugar.

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Claro que os países supracitados não foram escolhidos pela Apple por acaso: o México tem uma aproximação cultural fortíssima com os EUA, e mexicanos-americanos representam 11,3% da população do país natal da Maçã. A França, por sua vez, literalmente inventou o cinema e ainda é um dos principais pólos audiovisuais do mundo. A Coreia do Sul tem investido bilhões para expandir sua cultura local globalmente como uma forma de soft power (vide “Parasita”, “Round 6” e a invasão dos grupos de K-Pop). Israel é um mercado estratégico para a Apple por sua posição no Oriente Médio, suas relações amigáveis com os EUA e sua longa tradição no ramo audiovisual.

E nós?

O Brasil não pode se gabar de nada disso — muito pelo contrário. Após um renascimento nos anos 1990, a produção audiovisual brasileira (e o nosso cenário cultural como um todo) viveu anos sombrios de uma década para cá, vítima de fatores como uma crise econômica oscilante, uma pandemia (global, mas com muitas consequências locais) e uma sequência de governos com visões tacanhas, pseudomoralistas, do próprio fazer artístico. Resumindo, neste momento não estamos em um terreno que dê muito ânimo para uma empresa fincar os pés e começar a investir em conteúdo local, por assim dizer.

Ainda assim, outras plataformas de streaming sabem do nosso potencial: a Netflixinvestiu mais de R$1,5 bilhão em conteúdo nacional, entre filmes, séries e reality shows, enquanto o Amazon Prime Video segue o mesmo caminho. Disney+ e Star+ também já têm suas séries originais brasileiras, enquanto a HBO Max (ou melhor, Max), depois de anos de promessas, finalmente vai desafiar a Globo e entrar no ramo das telenovelas.

Também não dá para dizer que o problema do Brasil é falta de talentos. Se formos falar de prêmios internacionais, só nos últimos anos (sim, nesses mesmos anos de dificuldades extremas para o setor audiovisual) faturamos um Prêmio do Júri e o prêmio principal da mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes — por “Bacurau” e “A Vida Invisível”, respectivamente. Também temos um Urso de Ouro em Berlim (“Tropa de Elite”) e um bom punhado de Emmys Internacionais. Aliás, o Brasil é unanimemente considerado o maior produtor de telenovelas (um gênero narrativo seriado que, para além dos preconceitos de sempre, é extremamente desafiador e particularmente rico) do planeta.

E, para os críticos de absolutamente tudo que gostam de apontar que o cinema nacional só trata dos mesmos assuntos, vale lembrar que nossa produção vai muito além da Globo Filmes. Basta pesquisar um pouquinho e encontrar pérolas que podem passar despercebidas, como “As Boas Maneiras”, “Carvão”, “Arábia”, “O Homem do Futuro”, “Aquarius”, “O Lobo Atrás da Porta”, “Marte Um” e “Mate-me Por Favor”, só para citar alguns lançamentos dos últimos anos — todos radicalmente diferentes entre si e passando de gêneros que vão desde o drama realista até o suspense, a comédia romântica e a fantasia musical.

Seja lá quem for a pessoa escolhida pela Apple para ocupar o cargo de Video Business Lead no Brasil, certamente sabe de tudo isso acima. E, com um pouco de sorte, esses conhecimentos serão utilizados para dar um pontapé inicial na presença do Apple TV+ no país — afinal, talento nós temos de sobra, e mercado consumidor também. E, já que estamos sonhando, não custa fantasiar também com um cenário no qual a empresa vai além de Rio e São Paulo e investe em produções de outros locais do Brasil, com potencial igualmente rico e definitivamente menos explorado.

De qualquer forma, um investimento da Maçã na produção nacional seria uma ótima equação para os dois lados: tanto para a Apple quanto para os artistas e para o público brasileiro. Respondendo à pergunta do título, portanto… bom, só falta querer. Pena que, talvez, isso já seja pedir demais da Apple.

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