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Entrevista: Mike Lee, fundador do movimento Appsterdam

Mike Lee, do Appsterdam

por Marcos Gurgel, da Tapush

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Appsterdam é um projeto em constante transformação. O que começou há pouco mais de três meses como uma proposta para deslocar programadores do eixo americano para a cidade de Amsterdã, logo se tornou uma marca de peso, um selo de qualidade aplicado a diversos eventos de tecnologia na Europa. Um exemplo é o Apps For The Planet, uma maratona de palestras e workshops sobre ecologia e sustentabilidade que ocorreu nos dias 17 e 18 de agosto com o apoio da Greenpeace.

Além de conferências e atividades ocasionais como esta, a organização promove ao menos uma palestra e um encontro informal toda semana, quando programadores e designers se reúnem tanto para jogar conversa fora quanto para trocar experiências e discutir novos projetos. “Nosso principal objetivo é promover a união entre criadores de apps”, explica Mike Lee, fundador do movimento. Entre um evento e outro, Lee tirou uma hora para falar ao MacMagazine sobre a criação de Appsterdam, diferenças culturais, a expansão do movimento para outras cidades e a polêmica das patentes de software.

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MACMAGAZINE: Como você define um app hoje? O que os diferencia dos aplicativos convencionais?

Mike Lee, do AppsterdamMIKE LEE: Nas minhas palestras, costumo definir apps como um tipo de software que transforma o hardware para criar uma experiência de produto completa. Em nenhum momento eu cito a Apple ou dispositivos móveis, mas os dois tendem a se enquadrar nessa definição. Afinal, é muito mais fácil usar software para transformar uma aparelho fino e leve que um computador grande e pesado. A diferença está em como você pensa no software. Se você olha para um laptop e pensa “eu vou escrever um programa para rodar nesse ambiente de janelas e área de trabalho”, você está criando um aplicativo convencional. Mas se você olha para ele e pensa “eu vou transformar isso num livro ou num piano”, você está criando um app.

Tanto é assim que, se você está escrevendo um aplicativo comum, o seu ambiente é o computador de mesa, e é nesse ambiente que você realiza os testes. Agora, quando você está criando um app, o seu ambiente pode ser o sofá, então para testar o app você tem que sentar no sofá, botar os pés para cima e o iPad no colo, e só então poderá reproduzir a experiência de usar o app.

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MM: Como surgiu a ideia de criar Appsterdam?

ML: Eu estive em Amsterdã há uns dois anos, como palestrante em uma conferência durante a qual o secretário municipal para assuntos econômicos lançou o app I amsterdam e anunciou que a cidade queria se tornar o Vale do Silício da Europa. A partir daí eu comecei a pensar no que seria necessário para tornar isso uma realidade. Na época, eu estava começando meu trabalho na Apple, onde fiquei por um ano, primeiro trabalhando no relacionamento com desenvolvedores, depois no aplicativo da loja online. Quando o app ficou pronto, em vez de partir para outro projeto dentro da Apple, eu decidi passar um ano viajando pelo mundo, dando palestras, conhecendo outros desenvolvedores e escrevendo um livro sobre as minhas experiências nessa indústria nos últimos oito anos.

Durante esse ano que passei viajando, eu me dei conta de que a maioria de nós raramente escolhe o lugar em que vai viver. Embora seja uma das decisões mais importantes da vida, o lugar onde moramos é geralmente determinado por outras pessoas — seus pais ou seu empregador, por exemplo. A cada lugar novo que eu visitava, eu passei a me perguntar como seria morar lá. Até em cima de uma geleira em Ushuaia, na ponta da América do Sul, eu me perguntava: como seria morar aqui?

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À medida que conversava com outros programadores, eu percebia que essa vontade de viver em outro lugar era comum a vários deles. Muitos americanos queriam sair dos EUA por vários motivos, enquanto outros, da Ásia, América Latina e Europa, queriam ir para os EUA. Assim como um garoto do interior do Kansas que quer ser uma estrela de cinema e sonha em ir para Hollywood, a maioria das pessoas que queria trabalhar com software sonhava em ir para o Vale do Silício, mas encontrava muitas dificuldades para entrar nos Estados Unidos. Foi então que eu percebi que a nossa indústria estava precisando de um centro de gravidade, e se todos estão dispostos a se mudar para algum lugar, talvez nós devêssemos todos ir para o mesmo lugar e criar a nossa própria Hollywood: uma cidade dos apps. Em vez de aderir à massa e ir para o Vale do Silício só porque lá é a capital de tudo que é relacionado a tecnologia, nós precisávamos criar uma capital só para nós, só para criadores de apps. Eu tenho bastante experiência criando apps no Vale do Silício e posso afirmar que não é um encaixe perfeito; há uma interseção entre as necessidades de criadores de apps e o que o Vale do Silício oferece, mas não é o ideal. O Vale do Silício é completamente voltado para startups, mas quando eu falo de apps, me refiro a estudantes, programadores independentes e todo tipo de gente que não participa do circuito das startups. O que nós precisávamos era de um local fora dos EUA, um local que todo mundo pudesse visitar, mostrar seu trabalho, fazer suas contribuições, compartilhar conhecimento e depois levar tudo de volta para casa, e Amsterdã tem sido esse tipo de lugar há séculos.

MM: Qual foi sua maior surpresa ao se estabelecer aqui?

ML: Eu tinha a impressão de que não estava acontecendo muita coisa relacionada a tecnologia aqui em Amsterdã, porque era isso o que me diziam. Todo mundo com quem eu conversava dizia que não havia uma cultura de desenvolvedores aqui, e ainda assim todo dia eu ia a um encontro diferente, a uma conferência diferente, com um grupo diferente de programadores me dizendo que aqui não estava acontecendo nada. Nós começamos a criar essa infraestrutura com a ideia de que “se construirmos, eles virão”, mas não demorou muito para percebermos que eles já estavam aqui, e essa foi a grande surpresa. De repente, todo esse pessoal — não apenas desenvolvedores, mas também designers, marketeiros e administradores — começou a aparecer, a participar dos eventos e a colaborar na construção dessa infra toda, de modo que a ideia inicial tomou forma e progrediu muito mais rapidamente do que poderíamos imaginar.

MM: De que maneira programadores da América Latina, da Ásia e de outras partes do mundo podem participar do movimento?

ML: Para começar, temos um site que cataloga todos os membros de Appsterdam, estejam eles aqui ou não. Esse é o ponto de partida para conhecer outros colegas e até trabalhar como voluntário, ajudando a aprimorar o site ou contribuindo com nossos projetos. Mas a nossa visão é a de que Amsterdã é o laboratório onde realizamos experiências que podem ser levadas para o resto do mundo. A nossa primeira expansão, na cidade holandesa de Delft, teve início assim: um grupo entrou em contato conosco se dizendo interessado em abrir uma “filial” lá, e nós começamos a orientá-los em como reproduzir esse modelo.

Se você quer criar uma Appsterdam na sua cidade, o primeiro passo é falar com a gente para garantir que não há outras pessoas planejando o mesmo — e, se houver, nós colocaremos vocês em contato. Feito isso, você organiza o primeiro Meeten en Drinken, um evento semanal onde todos os nerds possam se reunir num bar para conversar sobre algo além de futebol. Você escolhe um local e toda quarta-feira, às sete da noite, seu grupo se encontra lá. Depois que vocês começam a se reunir e trocar ideias, tudo flui mais naturalmente. A partir daí você pode olhar o que está sendo feito em Appsterdam e escolher, como em um cardápio, o que quer para a sua sucursal. Você diz para a gente: “Nós queremos as palestras semanais, os espaços de trabalho e as reuniões familiares” e assim por diante, e nós os orientaremos com base na nossa experiência e nas dificuldades que tivemos. Mais do que participar ativamente do planejamento, nós compartilhamos as informações que acumulamos até aqui e você cuida do resto.

A partir de então, você começa a realizar e divulgar seus próprios eventos e a procurar parcerias, e nos mantém informados, mandando fotos para o nosso grupo no Flickr e notícias para o site. Seu grupo pode ficar grande a ponto de você precisar de uma área só sua no site, então você reúne alguns dos seus programadores e se prontifica a desenvolver essa área, e é assim que o movimento vai crescendo. Eu vejo Appsterdam como uma metaorganização, uma espécie de autoridade que centraliza todas essas iniciativas. Nós somos facilitadores, e tudo o que fizemos até agora tem como principal objetivo unir as pessoas em torno de um interesse comum — no nosso caso, apps — estejam elas onde estiverem.

MM: Que diferenças você percebe entre a mentalidade americana e a europeia na hora de realizar um projeto desse tipo?

ML: Se eu fosse resumir as diferenças entre as duas culturas, eu diria que os americanos precisam sossegar um pouco e os europeus precisam de mais estímulo. Americanos são empreendedores natos, otimistas e focados no futuro, um pouco demais, às vezes. Esse excesso de otimismo pode ocasionar problemas como a recente crise imobiliária, por exemplo. Já o europeu, se você disser para ele “sabe o que seria uma boa ideia?”, ele lhe dirá que não é possível por causa disso e daquilo, e que alguém já tentou fazer isso antes e fracassou. Acho que o meio-termo é o ideal: é sempre bom ter uma pessoa dizendo “vamos, vamos” e outra dizendo “não sei, vamos analisar a viabilidade disso”.

Também percebi que, para haver criatividade e empreendedorismo, não se pode depender só de esforços individuais. A cultura local e as políticas governamentais também são fundamentais. Você pode ter uma inclinação — como, por exemplo, abrir seu próprio negócio —, mas se a sua cultura e o seu governo não são receptivos a isso, essa sua inclinação vai sumir num instante. Empreendedores já são considerados malucos por natureza, mas eles são considerados ainda mais loucos em certas culturas, o que torna ser empreendedor ainda mais difícil. Nos EUA, se você quer abrir seu próprio negócio, será considerado só um pouco louco, mas em certos lugares da Ásia você seria considerado muito louco, a ponto de ser tabu. Foi por isso que escolhemos vir para a Europa, porque aqui essa cultura já está estabelecida. Ainda mais na Holanda, um país fundado e construído por comerciantes — que não são a mesma coisa que empreendedores, mas certamente estão relacionados.

MM: No lançamento do Appsterdam Legal Defense Team, você citou a possibilidade de criar um sistema de isenção para patentes de software. Como isso funcionaria?

Antes de mais nada, é preciso esclarecer (sobre os processos movidos pela Lodsys contra desenvolvedores de iOS) que não se trata de um problema de patentes. Isso é uma grande mentira. As pessoas que têm a ganhar com isso estão usando propriedade intelectual como uma fachada para que o público os enxergue como negociantes honestos e não os criminosos que na verdade são. Isso é extorsão, pura e simples. Não há nenhum inventor cujas invenções estão sendo roubadas, o que existe são patentes descritas numa linguagem propositadamente vaga, registradas com o único propósito de ameaçar trabalhadores honestos com processos que podem levá-los à falência. É como o mafioso que entra na lojinha de rua e diz “Puxa, você tem uma loja muito bonita. Seria uma pena se ela pegasse fogo de repente.”

Software é um dos poucos setores que estão tendo um bom desempenho hoje em dia. Há muitas vagas nesse setor e há esperança de que esse tipo de mão-de-obra especializada contribua para a recuperação da economia. Afinal, é algo que pode ser produzido localmente e por pequenas empresas. Fazer um app é quase como cultivar produtos orgânicos no seu quintal; é algo respeitável, algo que não só gera lucro para quem faz como contribui para a economia local. Só que com o sistema de patentes do jeito que está, esse setor não vai sobreviver. E a troco de quê? Só para forrar os bolsos de umas poucas pessoas já muito ricas? Eles tentam fazer disso uma história sobre os pobres inventores que estão sendo prejudicados, mas é mentira. A Intellectual Ventures (empresa que detém o quinto maior portfólio de patentes nos EUA e é acusada de usar a Lodsys como fachada) representa inventores tanto quanto o George Bush representa o caubói texano.

Eu acredito que patentes de software são, em geral, inúteis, e olha que eu trabalho com software. Eu acredito que você cria um produto, compete com outros e, se ele for o melhor, você vence. Tentar fazer uma lei que se oponha a isso é burrice. Software é algo tão complexo e cheio de interseções que se torna praticamente impossível registrar uma patente sem ferir 5 mil outras, e é por isso que o sistema americano está quebrado.

Antigamente, se você quisesse patentear software nos EUA, tinha que provar que a patente era válida e merecida. De uns tempos para cá, por causa de um precedente judicial, isso mudou. Patentes de software quase não sofrem regulamentação, e o público precisa saber que isso não foi decidido por voto, que nunca houve um grupo disposto a se reunir para discutir e legislar sobre o assunto. O que era um mecanismo para proteger a inovação se tornou uma oportunidade de enriquecimento rápido para um monte de investidores gananciosos.

Pensando nisso, imaginei que poderia haver uma “zona franca” de patentes. Não é uma ideia tão absurda quanto parece — Wall Street já tem um sistema parecido em vigor há algum tempo. Empresas de até 30 funcionários, digamos, estariam enquadradas nessa zona de isenção e não poderiam ser indiciadas por quebra de patente, mas também não poderiam registrar suas próprias patentes. Sabemos que tais empresas não têm um impacto significativo no mercado de patentes — a Adobe e Microsoft não estão afundando porque empresas de 30 funcionários infringiram a propriedade intelectual delas.

O que me incomoda é quando dizem que essa é uma ideia idiota, que não vale a pena nem tentar discutir uma lei assim. Sim, nós devemos lutar contra esses mafiosos nos tribunais e qualificar claramente o que eles estão fazendo como extorsão. Nós devemos nos unir e nos defender, mas também devemos preparar o terreno para que isso não aconteça mais. Devemos nos concentrar em colocar no papel alguma forma de prevenir esses processos judiciais absurdos, para que a gente não precise arregimentar um exército toda vez que um de nós for processado. A zona de isenção era apenas uma entre muitas ideias para conseguir isso.

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Aos interessados, eis a keynote de abertura de Appsterdam:

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Em breve, tem mais. 🙂

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