Nos últimos 100 anos, a sociedade moderna passou da Revolução Industrial para uma espécie de refino, permitindo que uma empresa de tecnologia que produz basicamente conceitos intangíveis valesse mais do que produtoras de commodities como petróleo, minérios, alimentos ou qualquer outro bem de consumo. Neste processo, países de destaque foram capazes de se adaptar para receber investimentos de grandes empresas e grupos econômicos que nortearam muito do que conhecemos como geopolítica, a dança das cadeiras do capitalismo mundial. O movimento de recepção de capital ocorre na promoção de condições vantajosas para sediar empresas consideradas interessantes para um país, concorrer pela chance de receber seus investimentos. Vimos isso na indústria de automóveis, de aviação, vimos isso em cada grande ramo de atividade produtiva e estamos vendo isso recentemente na indústria de montagem de eletrônicos. São modelos simples de entender, nos quais vantagens econômicas dançam harmoniosamente com o mercado de capitais. Os limites geopolíticos raramente são contestados nesse processo.
Com a tendência de pulverização produtiva liderada pelas gigantes de tecnologia, formaram-se não só canais e metodologias de trabalho à distância, como incentivou-se também a adesão de seus próprios colaboradores, os quais passaram a estabelecer independência geográfica — uma revolução que permite e incentiva a queda de fronteiras e a unificação de culturas.
Desenvolvedores de aplicativos, jogos, veículos de comunicação, acessórios, produções de peças para montagem… cada elemento busca viabilidade dando vazão de sua produção até qualquer parte do globo. A Airbus, por exemplo, mantém fornecedores de peças em virtualmente todos os países europeus. A Apple fabrica peças primárias na maioria dos países asiáticos, com montagem na China — e, num futuro próximo, no Brasil —, de uma forma tão mágica quanto seus próprios produtos (como se Tianjin e Santo André fossem vizinhas). A isso se somam ações que beiram a comédia, quando empresas como o Google propõem ao hilário Principado de Sealand a transferência de seus servidores aproveitando não só a geração de energia pelas marés, mas principalmente escapando das garras dos impostos unânimes, buscando caminho ao que poderia ser a criação da primeira nação industrial do planeta. Planos mirabolantes à parte, desenvolvedores de qualquer parte podem hoje mesmo escolher sua nação-sede, de acordo com as melhores condições para seus negócios — uma tendência que criou o movimento Appsterdam, que já multiplica sua iniciativa muito além de sua cidade-sede. Isso está ao alcance não de grandes corporações, mas de iniciativas de microempresários de visão.
Hoje um desenvolvedor brasileiro é plenamente capaz de produzir um aplicativo, distribuí-lo para 200 países, em 12 idiomas, através das 3 maiores plataformas móveis. Se o governo brasileiro acha que qualquer empresário com tal alcance se sujeitará a abrir mão de 27,5% do seu próprio bolso para pagar Imposto de Renda (sem contar todos os demais impostos, contribuições, taxas, etc.), garanto que isso se juntará às centenas de piadas institucionalizadas sobre a imperícia, amadorismo e absoluto despreparo das autoridades públicas deste país, indigno de se ver livre do sobrenome de “Terceiro Mundo”. Nos próximos anos, veremos países se preparando — a exemplo da Holanda — para receber os benefícios provenientes da riqueza e do desenvolvimento econômico sustentado de suas indústrias, não da extorsão asfixiante dos impostos.
O mundo presencia um novo arranjo estratégico, uma nova competição para receber não só grandes indústrias, mas pequenas iniciativas de enorme potencial, trazendo para sua tutela faturamentos oriundos de todo o globo. Mais uma vez — infelizmente — nosso país ignora, parece fingir não enxergar o que está acontecendo ao seu redor. E isso não é novidade, é simplesmente uma das faces de um assunto muito ouvido e debatido: *globalização*.
Até quando o Brasil achará ser conveniente chegar atrasado no jogo econômico mundial? Afinal, o que esperar de um país que nem mesmo consegue construir estádios de futebol?
Acorda, Brasil.