O melhor pedaço da Maçã.
Rabbit r1

O rabbit r1 não é o futuro, mas é parte do caminho

Se você conhece o Playdate, deve ter sido impossível olhar para o recém-anunciado rabbit r1 e não se lembrar do divertido dispositivo gamer da Panic, velha conhecida de usuários de Macs.

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Pudera: ambos foram feitos em parceria com o interessante estúdio sueco de design Teenage Engineering, que conta com um portfólio de hardwares que unem um espírito retrô e uma sensibilidade minimalista que só os escandinavos sabem empregar.

O Playdate, para quem não conhece, é um dos produtos mais interessantes e divertidos dos últimos anos. Sua pequena manivela abre caminho para jogos com mecânicas bastante criativas, e os desenvolvedores e estúdios não decepcionaram na exploração de gameplays curiosos (e meio malucos) para valer-se dessa possibilidade.

Em um mar de jogos para smartphones e de poderosos consoles portáteis, o Playdate foi na contramão e apresentou um hardware intencionalmente limitado, mas inegavelmente criativo.

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Ele não tomou o mundo de assalto, é claro, mas seu objetivo nunca foi esse. Assim como muitos projetos paralelos da Panic, empresa que também fez o inusitado Untitled Goose Game, o Playdate foi um grande exercício criativo feito por uma equipe apaixonada por jogos e design — e que, segundo ela própria, queria ver algo divertido assim no mundo.

rabbit r1

Em novembro, eu abri o texto “O inútil Humane Ai Pin é o melhor produto de 2023” com a seguinte frase:

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Eu tenho uma queda por produtos de tecnologia que tentam sair do comum.

Por isso, não é nenhuma grande surpresa que eu tenha assistido ao vídeo do rabbit r1 com bastante interesse.

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Equipado com uma diminuta tela sensível ao toque, uma câmera que gira 360 graus munida de visão computacional e uma roda mecânica, o r1 traz um sistema operacional chamado rabbit OS. Este, por sua vez, é apoiado em uma tecnologia chamada LAM1Large action model, ou grande modelo de ação., que é uma inteligência artificial feita especificamente para automatizar tarefas dentro de aplicativos.

A chave da utilidade do r1 está no que a comunidade de IA chama de agentes, que são basicamente programas independentes os quais aprendem a interagir com o ambiente que os cerca de forma autônoma.

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Existe um estudo interessantíssimo feito pela Universidade de Stanford, em parceria com o Google, que criou uma cidade virtual populada por agentes de IA generativa. Eles foram programados para simular o comportamento humano, incluindo ter horários para acordar e para ir dormir, fazer café da manhã, trabalhar (cada agente com uma profissão diferente), se relacionar, etc. Era basicamente “um The Sims habitado por inúmeros ChatGPTs”.

A grande sacada desse estudo foi um método que eles desenvolveram para dar memórias aos agentes. Portanto, conforme eles iam interagindo entre si, acumulavam experiências que podiam resgatar posteriormente para mudar e informar o próprio comportamento. Este é um dos ensaios mais legais envolvendo agentes que foram publicados no último ano e eu recomendo fortemente que você dê uma espiada, caso se interesse pelo assunto.

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Tudo isso para dizer o quê? É para dizer que agentes são um método poderosíssimo de interagir com sistemas e até mesmo entre si. Eles basicamente aprendem por observação, mas adaptam-se e evoluem por conta própria. No caso do r1, o sistema usa agentes para interagir com plataformas como o Spotify — ou então com múltiplas plataformas de uma vez só — de forma encadeada para cumprir uma solicitação mais complexa.

Interface de treinamento de um agente para a criação de imagens via Midjourney.

O problema é que, assim como acontece com o Humane Ai Pin (e com o Apple Vision Pro), o rabbit r1 cai na tentação de resolver problemas que não existem, graças às possibilidades abertas por um novo tipo de tecnologia. Aliás, também como o Ai Pin, ele depende 100% de interação por voz, o que não é exatamente algo ideal para uso em público. Mas já falei sobre isso na coluna anterior.

A velha falácia do espantalho

Existe um recurso argumentativo bastante comum que é o seguinte: alguém distorce uma opinião ou inventa uma situação apenas para poder criticá-las em seguida. Isso é bem frequente em áreas de comentários de muitos sites, inclusive. O vídeo de apresentação do r1 abre de uma forma bastante parecida.

Nos primeiros minutos, Jesse Lyu, fundador e CEO2Chief executive officer, ou diretor executivo. da rabbit inc., diz que “o iPhone e os telefones Android estão conosco há anos, e nós já estamos cansados deles”. Em seguida, ele postula que hoje em dia há aplicativos demais e eles se tornaram muito complicados de usar.

Prova disso, segundo Lyu, é o fato de que “se você olhar para os rankings das lojas de aplicativos hoje em dia, verá que a maior parte é de entretenimento. Nossos smartphones se tornaram o melhor dispositivo para perder tempo, ao invés de ganhar”.

Aqui, Lyu cai na mesma armadilha que a Humane caiu ao apresentar o Ai Pin: “Nós viemos para salvar vocês das correntes dos smartphones, afinal, todos nós podemos concordar que não queremos mais usá-los, certo?”

Não.

Para ser justo, no final do vídeo, Lyu contradiz a premissa inicial do produto e fala que seu o objetivo não é substituir o smartphone. Ele afirma que o r1 faz parte de uma nova geração de dispositivos com base em IA e que isso é apenas diferente dos dispositivos com base em apps.

Por fim, ele também diz que a nova geração de dispositivos com IA está apenas começando — e com isso eu concordo quase 100%.

IA não é produto

Há dois momentos importantes no vídeo do r1, que são bastante representativos de um problema frequente em apresentações de hardwares centrados em IA: uma possibilidade tecnicamente impressionante, mas totalmente fora da realidade.

No primeiro, o r1 planeja e reserva uma viagem inteira para Lyu e sua família em questão de segundos, incluindo passagens, hotel, carro, museus e outros passeios. No segundo, Lyu usa o r1 para fotografar uma planilha que está aberta em seu laptop e, em seguida, troca… emails com o sistema do r1 para fazer ajustes.

Veja bem, se você costuma fazer viagens internacionais nas suas férias sem se preocupar com os preços de passagens semelhantes, com os horários de saída e de chegada dos voos, localização do hotel, custo da diária, horários de check-in e de check-out, políticas de cancelamento, condições da reserva, retirada e devolução do carro, autonomia para escolher e visitar lugares turísticos (ou não), bares, lojas e restaurantes nas suas férias… talvez não tenha visto nada de errado no primeiro exemplo.

E para ser justo, o dispositivo diz que encontrou “alternativas” para a viagem de Lyu, antes de ele apenas dizer “confirmar, confirmar, confirmar” sem mostrar o que está sendo exibido na tela. Mas, pensando apenas na análise das opções de voos, me parece que seria mais eficiente fazer isso em uma tela maior do que algo próximo ao tamanho de um Apple Watch, por mais inteligente que possa ser o agente de IA do outro lado tomando as decisões.

Já no caso da planilha… bem, eu não os culpo. Talvez eles tenham desenvolvido esse fluxo antes de o Excel e o ChatGPT ganharem funcionalidades semelhantes nativas, sem a necessidade de comprar um dispositivo extra, usar uma foto, e trocar emails com anexos e múltiplas versões de um mesmo documento para adicionar uma coluna.

E não digo tudo isso para defender que o r1 seja inútil. Inclusive, ele já está esgotado (um lote inicial de 10.000 unidades), o que indica que há interesse. Mas assim como foi o caso de múltiplos exemplos do Ai Pin, o uso da vida real difere da simplicidade proposta pelos criadores do dispositivo.

Eu não tenho dúvidas de que o r1 seja mesmo capaz de planejar uma viagem inteira ou de ajustar um documento corretamente. Mas se um dia você souber de alguém realmente fazendo essas coisas corriqueiramente da forma que elas são propostas no vídeo, com um hardware separado do telefone ou do computador, por favor me avise3Talvez para a planilha, um óculos ou headset com IA possam emplacar. Mas esse papo fica para outro dia..

O primeiro grande produto com IA ainda está a caminho

O rabbit r1 é o produto com a alma mais otimista e divertida desde o lançamento do Playdate, e isso deve ser enaltecido4Talvez um segundo colocado seja o recém-anunciado teclado físico Clicks.. Ele provavelmente irá fracassar, mas assim como no caso do Ai Pin, também dará mais um passo à frente no caminho da união entre as novas inteligências artificiais e os nossos dispositivos móveis.

Especialmente ao longo do próximo ano, nós provavelmente veremos dezenas de outras empresas, novas ou tradicionais, anunciando seus próprios Ai Pins e r1s. Até mesmo a OpenAI vem trabalhando em algo assim, junto à LoveFrom, empresa de Jony Ive e Marc Newson.

Cada uma investigará um formato diferente, aplicações diferentes e formas diferentes de explorar a infinidade de possibilidades que a nova geração das IAs vem e seguirá nos proporcionando. E felizmente, todas essas ideias estão tentando explorar algo que vai além dos nossos telefones.

Não porque eu ache que nós precisemos nos livrar das amarras dos smartphones, mas sim porque eu prefiro acreditar que ainda haja mais criatividade no mundo da tecnologia do que ter as mesmas empresas refazendo anualmente os mesmos retângulos de metal e vidro por mais uma década.

Não que eu esteja cansado do meu retângulo de metal e vidro. Não estou. Mas convenhamos que seria um pouco anticlimático esse ser o formato final do ápice tecnológico da nossa geração.

Notas de rodapé

  • 1
    Large action model, ou grande modelo de ação.
  • 2
    Chief executive officer, ou diretor executivo.
  • 3
    Talvez para a planilha, um óculos ou headset com IA possam emplacar. Mas esse papo fica para outro dia.
  • 4
    Talvez um segundo colocado seja o recém-anunciado teclado físico Clicks.

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