por Pedro Góes
Recentemente, uma escola em Brasília (DF) decidiu substituir todos seus livros didáticos por iPads (por enquanto, somente a primeira série do Ensino Médio faz parte do projeto-piloto). A medida começa a valer já para o ano letivo de 2012, sendo possivelmente expandida para outras séries caso os resultados se mostrarem positivos.
Foto: Brad Flickinger, via Flickr.
Muito embora eu seja fanático por computadores, vejo mais pontos negativos nessa adoção do que positivos. Estudei nesta escola por mais de dez anos, prestigio enormemente meus professores mas infelizmente tenho que ver essa mudança como uma bola fora.
Antes de mais nada, vale observar que o Ensino Médio, nos dias de hoje, se tornou simplesmente um instrumento para passar no vestibular. Pais matriculam seus filhos na escola A, B ou C exclusivamente pelo número de alunos que ela aprovou nas universidades públicas no último ano. Com isso, praticamente todo o conteúdo é voltado para aquilo que é cobrado nas provas do vestibular, tornando as aulas muito rígidas e desinteressantes.
Dentro desse cenário, introduzimos a imagem do iPad, um gadget desejado por muitos e cheio de recursos (apps, mensagens, email, internet…). Esses recursos, quando em posse de adolescentes, são usados quase que exclusivamente com o intuito social. Ou seja, temos uma sala de aula cheia de adolescentes (a faixa etária do Ensino Médio é de 16 a 18 anos), totalmente desapropriados de livros e com um computador (podendo ter inclusive conectividade 3G) na mão. É preciso muita força de vontade para se concentrar na aula e não entrar no Facebook, né?
Além desse ponto (que eu considero o mais relevante de todos), podemos enumerar mais alguns:
- Muitos alunos vão para a escola andando e, com eles, levam seu material escolar do dia. Quando vira conhecimento público que um número considerável dos que estudam ali agora só tem um iPad como material escolar, os alunos passam a ser muito visados pelos bandidos. Ainda mais que a região em torno da escola supracitada sofre de um grave problema de segurança (eu mesmo fui roubado duas vezes, só no último ano).
- Retirando o material escolar, todo o conteúdo dado pelos professores nas aulas será através do iPad. A capacitação deles é um ponto essencial, já que, se não forem íntimos com a tecnologia ali disponível, os alunos podem se perder facilmente — ou virarem, eles mesmos, os professores.
- Diferentemente do Kindle, o iPad tem uma tela retroiluminada, o que após algum tempo costuma provocar a conhecida canseira nos olhos. A carga diária de estudos para um aluno do Ensino Médio é de, no mínimo, oito horas, consequência da grande quantidade de conteúdo. Seria então adequado substituir todos os livros pelo iPad? Não teria sido melhor tê-lo colocado como um recurso a mais, em vez de passar a ser o único?
- Como sabemos, a tablet da Apple é bem sensível a quedas. Dependendo do impacto, a rachadura pode tomar as mais variadas (e temidas) formas possíveis. Se já é difícil colocar todos os materiais naquelas carteiras de escola sem deixar cair (que sempre acabam caindo), imagine deixar o pobre do iPad lá. Mas esse problema é fácil de resolver: é só colocar uma verdadeira armadura ao redor dele.
É interessante ver como um pequeno detalhe influencia toda uma cadeia de eventos. Se os livros não tivessem sido removidos e o iPad tivesse sido introduzido como um acessório (como já foi feito em diversas outras instituições de ensino), a ideia seria louvável — ainda que com alguns problemas.
Espero que esteja errado, que o projeto seja um sucesso e que no futuro todos os estudantes possam ter um iPad em suas carteiras (apesar de eu ainda achar altamente duvidoso).