O melhor pedaço da Maçã.
Henry Cavill e Dua Lipa em "Argylle"

“Argylle” falha em (quase) todas as frentes ao tentar criar um pseudo-meta-James Bond

A falta de personalidade e os efeitos bizarros são apenas o início dos problemas desta tentativa de iniciar uma franquia de espionagem

“Argylle” começa com uma cena de dança entre duas das pessoas mais atraentes do mundo, Henry Cavill e Dua Lipa. Ou melhor, com a promessa de uma cena de dança: os dois se olham, se provocam, a música sobe, a expectativa é criada… pode ser um início arrebatador. Mas não é.

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Em vez disso, o que temos é um número de dança chocho, sem personalidade, um mero exercício de estilo que em nada acrescenta ao filme e nem sequer anima pela coreografia caprichada ou pelo sex appeal dos seus dois participantes. Sim, esse número de dança (ou melhor, um elemento específico dele) será resgatado posteriormente na narrativa, mas sua inconsequência é tamanha que é impossível registrá-lo como algo mais do que uma burocracia, um recurso de roteiro forçado.

Este início é representativo de “Argylle” como um todo. O filme, que é produzido pela Universal Pictures e pela Apple Original Films, estreou nos cinemas na última quinta-feira (1º de fevereiro) e chegará ao Apple TV+ em data ainda não divulgada com uma missão e tanto: ser o abre-alas de uma franquia de espionagem, nos moldes de James Bond e “Missão Impossível”, mas com uma pitada de humor e metalinguagem. Uma pena, entretanto, que o diretor Matthew Vaughn e o roteirista Jason Fuchs tenham se esquecido de um fator fundamental para o sucesso dessas histórias: o carisma.

Hollywood tem um histórico excelente de obras que pedem ao espectador nada além de desligar a cabeça por duas horas e se divertir com tramas despretensiosas, cenas de ação bem coreografadas e personagens envolventes. “Star Wars” e “Indiana Jones” já estavam aperfeiçoando esta fórmula lá nos anos 1970/80 e, de alguns anos para cá, Tom Cruise tem sido o grande herói do cinemão pipoca — basta ver “Missão Impossível: Efeito Fallout” ou “Top Gun: Maverick” para entender do que eu estou falando. É cinema de verdade, de qualidade, mesmo que não apele para lugares mais profundos da mente humana ou para emoções mais complexas.

Sam Rockwell e Bryce Dallas Howard em "Argylle"
Sam Rockwell e Bryce Dallas Howard em “Argylle”.

O que faz um filme desse tipo ser bem-sucedido geralmente está no encontro de dois fatores: o primeiro é o carisma dos personagens e a relação emocional estabelecida com a audiência, que faz com que nos importemos com eles e tenhamos reações genuínas quando eles estão em perigo. O segundo é o virtuosismo das suas set pieces e das suas sequências de ação: nós precisamos sentir na pele o impacto de um soco, a vertigem de um personagem à beira de um precipício ou a velocidade intensa de uma perseguição automobilística, por exemplo. Isso só se consegue com boa direção, boa montagem, bons efeitos (de preferência práticos), bons dublês e boa fotografia.

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“Argylle” não tem quase nenhuma das coisas que eu citei em todo o parágrafo anterior. Mas, antes de analisarmos mais a fundo como um projeto tão importante para a Apple pode ter dado tão errado, vamos a uma breve explicação da sua rocambolesca história: o foco aqui é a autora de livros de espionagem Ellie Conway (Bryce Dallas Howard), criadora do célebre agente secreto ficcional Argylle (Henry Cavill). As coisas começam a ficar estranhas, entretanto, quando vários pontos — inclusive segredos de pessoas perigosas — dos livros de Ellie começam a aparecer no mundo real. Perseguida por uma organização maligna liderada por Ritter (Bryan Cranston), Ellie é interceptada pelo agente secreto Aidan Wilde (Sam Rockwell), que fará de tudo para protegê-la enquanto ela desvenda o mistério da sua vida.

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Escrevendo o parágrafo acima, percebo que o problema de “Argylle” não está em seu argumento — não sei vocês, mas se eu lesse apenas a descrição acima sobre o filme, correria para vê-lo no cinema o quanto antes. Este conceito básico tem um enorme potencial, podendo dar à clássica história de espionagem uma camada de metalinguagem cômica que seria um bem-vindo sopro de ar fresco. O problema é que o filme prefere encher essa história com uma sucessão de plot twists a cada cinco minutos — alguns bem-sucedidos, outros não —, o que esvazia toda a força que a ideia inicial poderia oferecer.

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O roteiro de Jason Fuchs peca por não parar para respirar e por confundir complexidade com complicação: a sequência de acontecimento não é instigante ou convidativa, e sim exaustiva. Para piorar, quase todas as tentativas de humor falham completamente, já que — falaremos mais sobre isso em breve — quase ninguém do elenco está particularmente interessado em fazer dancinhas, piadinhas irônicas ou caras e bocas, que basicamente são todas as armas que Fuchs tem para (tentar) fazer as pessoas rirem.

Isso nos traz a outro problema grave de “Argylle”, que é ser um filme de ação que peca terrivelmente nas cenas de ação. Matthew Vaughn é um diretor que sempre prezou pelo estilo acima da substância, mas quando ele acerta no estilo, ele acerta com força — vide “X-Men: Primeira Classe”, um dos melhores filmes de super-herói da última década, com suas deliciosas texturas sessentistas e sua aura de paranoia inspirada na Guerra Fria. Aqui, entretanto, nem seu estilo Vaughn consegue imprimir: seu mais novo filme é cinza, frio, desinteressado até mesmo naquilo que o diretor prima, que são as coreografias de violência.

O cineasta, aliás, parece ter ficado preso na antológica cena da igreja em “Kingsman” (que é realmente fantástica), porque eu devo ter contado umas quatro vezes em que os personagens de “Argylle” caem na pancadaria ao som de alguma música dançante. A questão é que, ao contrário de “Kingsman”, em “Argylle” essas cenas são pálidas e sonolentas — primeiro porque não há uma construção anterior dos personagens para vibrarmos com o que está acontecendo ali, e segundo porque a própria direção e a montagem não permitem que a violência tenha o impacto necessário.

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Parte disso se deve ao fato de o filme ter classificação indicativa mais branda e, com isso, não possa mostrar quase nada de sangue ou impactos gráficos no corpo humano. E não há problema nenhum em tentar fazer um filme menos violento, mas esse é o problema: “Argylle” é violento, mas fica no limbo por não poder se aprofundar nesta violência e o resultado acaba sendo um meio-termo repetitivo e sem graça.

Henry Cavill, Dua Lipa e John Cena em “Argylle”.

Também não ajuda em nada o fato de “Argylle” ter efeitos visuais, digamos, constrangedores para um filme com esse orçamento. A cena de ação inicial, entre os personagens de Henry Cavill, Dua Lipa e John Cena, chama atenção negativamente pelo efeito “plástico”, como num videogame da década passada, mas poderia se imaginar que a estética é proposital — afinal, estamos falando da “história dentro da história”, a metaficção que é, por natureza, não realista.

Mas não: ao fazermos a transição para o “mundo real”, os mesmos defeitos também estão lá, com uso indiscriminado (e imperfeito) de chroma-key, explosões nada convincentes e movimentos de câmera completamente inverossímeis, indicando o uso pouco capacitado da computação gráfica. Efeitos deficientes não costumam entrar nas minhas listas de defeitos de um filme, mas aqui eles realmente interferem na experiência — e, devo lembrar, “Argylle” custou 200 milhões de dólares. Sugiro que você dê uma olhada em “Godzilla Minus One”, que custou 5% desse valor, quando ele sair em alguma plataforma de streaming, e me diga suas impressões. A diferença é inacreditável — e incompreensível.

No campo das atuações, as performances variam entre o mais absoluto piloto automático (Bryan Cranston, Samuel L. Jackson, John Cena) e o constrangimento de estar ali, presente em todas as expressões de Sam Rockwell (no geral um ator excelente) ao longo do filme. O carisma de Bryce Dallas Howard consegue segurar sua onda como protagonista, mas os momentos de heroína de ação da sua personagem não se sustentam, mais uma vez, pela deficiência nas áreas de direção, montagem e efeitos. No fim das contas, quem tenta fazer algo a mais com o pouco que tem é Catherine O’Hara, que deita e rola com uma personagem histriônica, feita sob medida para a maravilhosa (e subestimada) atriz que ela é.

Ainda sobre atores, atuações e personagens, tem mais um ponto que eu gostaria de discutir, mas a partir daqui teremos de entrar, de certa forma, no terreno dos spoilers — não, não chegarei a entregar nenhum plot twist ou contar o final do filme, mas considere este o vosso aviso caso queira entrar na sala de cinema totalmente no escuro.

Atenção: a partir daqui, o texto contém (semi-)spoilers de “Argylle”!

Precisamos falar sobre Henry Cavill. Ele é a maior estrela do elenco de “Argylle”, é o primeiro nome creditado em todos os materiais de divulgação, está no centro de todos os pôsteres e protagoniza todos os trailers. Desde que começamos a falar sobre a produção desse filme, anos atrás, falávamos sobre uma nova franquia de espionagem estrelada por Cavill. E aí é que está: Cavill não é o protagonista do filme, nem sequer um coadjuvante — ele é, no máximo, uma figuração de luxo.

É bem verdade que “Argylle” vem tentando, desde muito antes do seu lançamento, brincar com as expectativas do público: lembremos que o filme foi anunciado como a adaptação de um livro, ainda não lançado, da “autora desconhecida” Ellie Conway, coisa que logo descobrimos que era mentira, pois Ellie Conway também não existe — ou seja, apenas mais uma camada da metalinguagem do próprio filme. Acontece que há uma diferença enorme entre subverter as expectativas do público e enganá-lo — e me parece que, no caso de Cavill, estamos lidando com a segunda opção.

Sim, tem muita gente que irá ao cinema apenas para ver o que o ex-Super-Homem anda fazendo, e todas essas pessoas sairão extremamente frustradas da sessão. Essa é uma aposta perigosa de Matthew Vaughn e da própria Apple.

É até difícil entender como um projeto com tantos talentos envolvidos (e tanto dinheiro, também) pode ter dado tão errado, mas o fato é que “Argylle” é, sem meias palavras, um desastre a olhos vistos. Fica a dúvida se a ideia de transformá-lo em franquia, evidenciada tanto na cena final quanto na sequência pós-créditos, renderá algum fruto depois deste pontapé inicial tão torto.

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