Em meados de agosto falamos bastante sobre a confusão gerada por John Browett (chefão de varejo da Apple) e sua tentativa de mudar alguns pontos na estratégia das Retail Stores da Maçã.
Relatórios apontaram demissões e cortes de carga horária em diversas lojas ao redor do mundo, mesmo com a proximidade do lançamento de um novo iPhone e da ainda ativa promoção de volta às aulas. Logo depois, através de Kristin Huguet (porta-voz da empresa), a Apple negou as demissões, dizendo ainda que a tentativa de mudança foi um erro e que as alterações estavam sendo revertidas.
A grande questão nessa história toda teria sido a motivação de Browett. Segundo relatos, o executivo achou que a estrutura estava muito inchada, e, mesmo aconselhado a não fazer mudanças, teria dito que a cadeia precisa aprender a funcionar de forma enxuta em todas as áreas, mesmo que a experiência do cliente seja comprometida — o que vai de encontro com toda a cultura empresarial da Maçã.
Agora, alguns dias depois, o ifoAppleStore.com afirma que a confusão continua. Novos relatos indicam que o foco das lojas mudaram para receitas e lucros, em vez de satisfação do consumidor.
Fontes dizem que os padrões de desempenho de empregados mudaram, a fim de enfatizar o lado comercial dos funcionários, que mais produtos pequenos serão estocados nas lojas, e que várias categorias do orçamento foram cortadas, inclusive para manutenções da loja.
De acordo com o site, após a declaração de Browett, alguns empregados demitidos foram de fato recontratados, e as transferências entre lojas aprovadas novamente. No entanto, o número de workshops teria sido reduzido, as horas extras continuam limitadas, rebaixamentos não foram revertidos, entre outras coisas — um informante disse que a Apple parou de imprimir a agenda mensal de workshops, disponível em várias lojas tops da empresa por anos.
Quer mais? Vendedores disseram que agora precisam fazer clientes comprar acessórios usando o sistema EasyPay, cuja receita é creditada à loja, e não ao histórico do vendedor, afetando seu relatório de desempenho — o relatório é utilizado por gerentes de loja para justificar aumentos, transferências e benefícios. Algumas áreas, como a Family Room, poderão ser sacrificadas para dar lugar a mais acessórios, aumentando a receita das lojas.
A curto prazo, o plano de Browett sem dúvidas dará certo. Agora, a longo prazo, a coisa é bem diferente. As lojas da Apple hoje são o que são justamente por esses detalhes. Não estou dizendo que a Maçã não visa ao lucro. Claro que os executivos (e os acionistas) estão sempre ansiosos para pôr as mãos nas verdinhas. Só que isso é consequência, e não uma meta direta.
John D. Rockefeller, um dos primeiros bilionários americanos, disse: “Se o seu único objetivo é ficar rico, você nunca vai conseguir.” Muita gente falou mal da declaração de Jony Ive (vice-presidente sênior de design industrial), quando ele afirmou que o objetivo da Apple não é ganhar dinheiro. Esses mesmos que falaram mal não pararam para pensar que é exatamente assim que se ganha dinheiro! Foi assim que a Apple ganhou dinheiro! Ela hoje é o que é (a empresa mais valiosa do mundo) pois o foco, a cultura imposta por Steve Jobs durante anos, sempre foi uma só: fazer os melhores produtos do mundo. O dinheiro, o lucro? Consequência disso, afinal, você só consegue uma margem de lucro como a da Apple quando vende o melhor produto, aquele que as pessoas estão dispostas a pagar mais caro para tê-lo.
As lojas da Maçã são as vitrines para o que a empresa considera “os melhores produtos do mundo”. E, se você confia em seu produto — como a Apple confiou até hoje —, não precisa “empurrá-lo” para o cliente, como parece ser a nova estratégia de Browett. Uma Apple Retail Store é famosa não só pelos produtos “exibidos”, mas pelo seu design impecável, sua escadaria e fachada de vidro, seu staff atencioso e prestativo, entre outras coisas.
Mudar essa estratégia é loucura. Cortar custos de limpeza da loja (manutenção) é loucura! A empresa nunca lucrou tanto em sua história, e com mais de US$110 bilhões em caixa — acumulados por uma cultura que não queria ganhar dinheiro acima de tudo —, me recurso a acreditar em economias/receitas porcas como reduzir a compra de produtos de limpeza ou “empurrar” acessórios para consumidores. Se isso tudo for verdade, parece que Browett realmente não pegou o espírito do coisa.
Mas o que me chamou mais atenção mesmo é isso tudo estar acontecendo debaixo do nariz de Tim Cook. Contudo, existe uma explicação: os mesmos relatos dizem que, durante a licença médica de Jobs, quando Cook assumiu o cargo de CEO temporariamente, o executivo colocou Ron Johnson (ex-chefe de varejo da Apple) contra a parede, argumentando que outros canais estavam vendendo mais Macs do que as lojas da empresa. Sem o apoio de Jobs, Johnson viu que seria complicado manter o objetivo principal da cadeia, que sempre visou a experiência em prol de receita.
Para uma pessoa que se diz “apaixonado” pela Apple, e que conviveu mais de dez anos ao lado de Jobs, parece que Cook não aprendeu tudo o que deveria. Sim, ele é um cara muito mais operacional e orientado a negócios do que Jobs, mas isso não o impedia de absorver alguns ensinamentos valiosos do ex-CEO e confundador da Apple.
Sem querer entrar na velha discussão de “ah, que saudade de Jobs”, a figura do cofundador da Apple era muito importante justamente para equilibrar as coisas. A ausência dele deixa claro que a presença de um executivo top mais “criativo”, e menos orientado a negócios se faz necessária, justamente para dar o contraponto a esse tipo de coisa. Se essa pessoa é Jonathan Ive, Scott Forstall ou algum outro, eu não sei — mas ela precisa começar a falar. E já!