Insatisfação e dúvidas sobre os motivos que levaram a Apple a migrar de PowerPC para Intel há quatro anos voltaram a dar o que falar nos últimos meses, desde que vimos pela primeira vez um build do Mac OS X 10.6 Snow Leopard incompatível com Macs PowerPC. E no início deste mês, com o anúncio oficial de que o novo sistema da Maçã será oferecido apenas para seus computadores Intel, a discussão ganhou ainda mais força e, com uma ajuda de um funcionário da IBM envolvido nas suas negociações da Apple no passado, a CNET News levantou algumas hipóteses sobre essa transição que nunca foram trazidas à tona.
O funcionário, que não quis se identificar na entrevista, expôs três propósitos fundamentais que fizeram a firma de Cupertino ir para o lado da Intel, porém nenhum deles é confirmado por qualquer das partes. O primeiro é o mais óbvio e foi até tema de comentários de Steve Jobs no passado: sua empresa estava preocupada com o estado dos chips para notebooks que a IBM produzia.
É estranho pensar que essa tenha sido a única coisa que a fez mover desenvolvedores do mundo todo a portar seus aplicativos para uma arquitetura de hardware que tem gosto de qualquer PC convencional. Não estou dizendo que esse motivo é uma besteira dispensável: o envelope térmico dos PowerBooks G4 realmente deixava a desejar e fez a Apple chegar ao ponto de afirmar oficialmente que não era possível enfiar um processador G5 (o último PowerPC a embarcar nos Macs desktop) em um portátil, mas, se voltarmos a 2003, quando a Apple assumiu um compromisso com a IBM de fazer esses mesmos processadores chegarem a 3GHz de frequência, o que fica claro é que talvez ela não tenha buscado alternativas para honrar esse compromisso enquanto ainda podia.
Para deixar a coisa mais clara, nunca um G5 chegou a 3GHz para desktops — talvez, se tivesse conseguido, poderia ser utilizado nos PowerBooks em uma frequência menor —, devido a limitações técnicas da própria IBM e da Apple. E, levando em conta que isso foi prometido em 2003, dá para imaginar que ela ficou investindo em tentativas de chegar a esse objetivo por mais tempo do que imaginava enquanto a Intel começou a trabalhar em roadmaps de processadores com múltiplos núcleos. Imagino que, em um período de poucos meses a um ano, ela caiu em seu próprio “Mito dos Megahertz” e não buscou um design melhor para processadores PowerPC. Quando viu a possibilidade de mudar de arquitetura, a Intel já estava na metade do caminho a ser seguido.
Ligado nesse assunto, está o segundo propósito, que trata de uma relação do investimento feito pelas duas empresas até 2004 com o retorno obtido em termos de lucros e market share. Simplificando: Apple e IBM gastavam mais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) do que teoricamente era preciso para vender o que vendiam. Pelo trabalho pesado e caro da IBM, a Apple também pagava alto, e o design dos processadores que saíam dessa parceria, comparado com os da Intel para o futuro, era bastante inferior. Um fato curioso abordado na entrevista é que a IBM, quando viu que o PowerPC não estava mais sendo o que a Apple queria, tentou oferecer a arquitetura Cell para a ela — de mesmo design, usada em alguns dos seus servidores e no PlayStation 3 —, que tinha potencial para ser mais competitiva, mas nesse ponto já era tarde para repensar modelos de negócio em relação ao avanço da Intel.
A terceira foi colocada em apenas uma linha no artigo da CNET, mas é um tanto curiosa: a Apple, em uma iniciativa de tornar os Macs mais compatíveis com diversos ambientes empresariais, cobiçava a possibilidade de produzir Macs capazes de rodar Windows. Aqui entra uma questão corporativa curiosa: a Apple é uma empresa de hardware, e não faria Steve Jobs enfiar a mão no fogo falando que seus computadores são 100% compatíveis com qualquer empresa, já que falar com esse tipo de cliente é bem mais complexo do que falar com um designer ou um usuário doméstico. Aqui, alternativas em software fazem toda a diferença, e seja com uma solução própria integrada ao Mac OS X ou com softwares de virtualização, a Apple também queria sanar essa deficiência para alguns clientes, e talvez tenha encontrado a solução quando considerou migrar para Intel.
Quatro anos se passaram e milhões de pessoas entraram para o Mac OS X, por que surpreender todos e largar o PowerPC de vez exatamente agora?
Bom, a intenção da Apple com o Snow Leopard é “tornar o Leopard melhor”. Entre os refinamentos e tecnologias propostos por ela para se chegar a esse objetivo, podemos imaginar que há muita coisa pensada exclusivamente em favorecer a base de computadores formada nos últimos três anos e meio. Os 6GB de espaço em HD eliminados em relação ao sistema atual não são apenas compressão de arquivos: incluem todos os binários e executáveis necessários para que tudo rode com compatibilidade para PowerPC, o que deve ter ajudado a tirar muito peso do sistema operacional. Além disso, multi-core e computação paralela também são recursos que muitas das máquinas de legado não suportam simplesmente por não terem sido projetadas para isso na época, dentro de um sistema totalmente 64 bits.
O que a Apple está fazendo com o Snow Leopard é mais que solidificar o Leopard, é determinar uma fundação sólida para o futuro do Mac OS X. Ele está sendo planejado priorizando recursos que apenas Macs mais modernos têm condições de explorar, além de a transição de PowerPC para Intel há quatro anos ter acabado coincidindo com a grande adoção dos computadores que no futuro seriam prioridade para a Maçã. O ruim desse caso é pensar que muitos Macs com processadores G5 são capazes de fazer parte dele, mas não o farão simplesmente por terem marcado toda a mudança que presenciamos nos últimos anos. Infelizmente, é uma pena que ela não tenha chance de mudar isso hoje.