Conforme noticiamos ontem, Tim Cook (CEO da Apple), Peter Oppenheimer (CFO) e Phillip A. Bullock (chefe das operações de impostos) foram hoje a Washington conversar com alguns senadores numa audiência na Subcomissão Permanente de Investigações do Senado a respeito do montante de dinheiro que a empresa tem fora dos Estados Unidos.
Terminado o encontro, podemos dizer que a Apple saiu de lá ilesa, como bem colocou Philip Elmer-Dewitt, do Fotune Tech. Apesar de muitos políticos contestarem as manobras legais da Apple para pagar menos impostos, alguns ficaram ao lado da firma de Cupertino, como o senador Rand Paul. Logo no começo da audiência, quando o espaço fica aberto para declarações, Paul disse:
Me diga um político que esteja aqui que não tenta minimizar os seus impostos… me diga que o que a Apple fez é ilegal. Estou ofendido com o Governo… que convoca uma audiência para intimidar uma das maiores histórias de sucesso da América… se alguém deve ser julgado aqui, deveria ser o Congresso. Eu francamente acho que a comissão deveria pedir desculpas à Apple.
Em vez de executivos da Apple, deveríamos ter trazido um espelho gigante. Este problema é única e totalmente causado pelo nosso código tributário. Este comitê deveria se olhar no espelho. Acho isso abominável.
Precisamos pedir desculpas à Apple, elogiá-la pela criação de empregos e continuar com o nosso trabalho, refazendo o código tributário.
Como esperado, Cook e Oppenheimer não perderam a chance de falar sobre os quase 600.000 empregos gerados pela Apple no país e confirmaram os planos de fabricação de Macs nos EUA (mais precisamente no Texas), com peças vindo de diversos outros Estados.
Segundo o MacRumors, grande parte da audiência foi focada na questão das subsidiárias da Apple na Irlanda as quais, segundo alguns, servem apenas para evitar o pagamento do imposto de renda nos EUA com receitas geradas no exterior. Cook tratou de cortar o barato deles, dizendo: “A Apple tem operações reais, em lugares reais, com empregados vendendo produtos reais para clientes reais. Nós não só apenas cumprimos as leis como cumprimos com o espírito das leis. Nós não movemos propriedades intelectuais para fora do país e as utilizamos para vender produtos de volta aos EUA. Nossas subsidiárias estrangeiras usam 70% do nosso dinheiro por causa do rápido crescimento do nosso negócio internacional. Nós usamos esse dinheiro para financiar a construção de lojas da Apple ao redor do mundo e para a produção de produtos. Seria muito caro trazer esse dinheiro de volta para os Estados Unidos. Infelizmente o código tributário não se manteve [em dia] com a era digital. Nós estamos em desvantagem em relação aos nossos concorrentes estrangeiros que não têm tais restrições à livre circulação de capitais.”
Apesar de também não concordar com a taxa de 35% cobrada para a repatriação de dinheiro, o senador John McCain questionou se essa “tática” não seria uma vantagem para a Apple frente à concorrência interna — de empresas que não contam com subsidiárias fora do país e que, portanto, não possuem as mesmas “facilidades”. Cook também foi certeiro ao dizer que a Apple ganha esse dinheiro fora dos EUA e que, por lei, isso não pode ser tributado no país. E completou, dizendo que as subsidiárias investem esse dinheiro no exterior e que os juros disso são tributados em solo americano.
Eu vejo isso como um tema muito complexo e estou contente que estamos tendo essa discussão. Honestamente, não vejo isso como sendo injusto. Eu não sou uma pessoa injusta. Nós não somos assim como empresa e eu não sou assim como pessoa. Eu não vejo dessa forma.
—Tim Cook, CEO da Apple.
Durante o dia, Jim Dalrymple, do The Loop (que acompanha os passos da Apple há muito tempo e tem fontes quentes dentro da empresa), soltou uma brincadeira no Twitter dizendo que, se ele fosse Cook, mudaria a sede da Apple para Dublin, na Irlanda.
A questão acabou fazendo mesmo parte da audiência, quando a senadora Claire McCaskill — que elogiou bastante a empresa — perguntou quanto custaria à Apple mudar sua sede para Irlanda — ou até mesmo para a China — e, levando em consideração os números (impostos) mais favoráveis, o que segura a empresa nos EUA. Cook disse que a Apple é uma empresa americana e que eles se orgulham disso. “Grande parte do nosso R&D [Pesquisa & Desenvolvimento] está na Califórnia. Adoramos lá.” McCaskill insistiu na ideia, mas Cook afirmou que, independentemente do local, a Apple é uma empresa americana. “Nunca passou pela minha cabeça mudarmos para outro país. É além da minha imaginação, e olha tenho uma imaginação fértil. É além disso.”
Além de defender a sua empresa, Cook foi a Washington para sugerir como poderia ser essa “reforma tributária”. Ele disse que os impostos deveriam ser na casa dos 20%, enquanto que uma repatriação (hoje na casa dos 35%) deveria ser, no máximo, de 9% (um dígito). E foi além, dizendo que o Congresso deveria se inspirar na simplicidade da Apple:
A Apple sempre acreditou no simples, não no complexo. Você pode ver isso em nossos produtos e na maneira como nos conduzimos. É nesse espírito que nós recomendamos uma simplificação dramática do código tributário corporativo. Fazemos essa recomendação com os nossos olhos bem abertos, reconhecendo plenamente que isso provavelmente resultaria num aumento de impostos para a Apple nos Estados Unidos. Nós acreditamos fortemente que essa reforma seria justa para todos os contribuintes e manteria os EUA competitivos.
O senador Carl Levin, um dos mais duros e que mais confrontou a empresa, terminou a audiência argumentando que a Apple pode não estar violando a lei, mas está violando o espírito dela ao encaminhar ganhos estrangeiros para subsidiárias que, segundo ele, não existem e que servem apenas para livrar a companhia do pagamento de impostos nos EUA — o que seria um desserviço ao público americano.
É claro que temos que mudar esse sistema. Porém, para mudá-lo, nós temos que entender o que está acontecendo. O que está acontecendo é uma enorme perda de receita para os Estados Unidos. Nós temos essas empresas que são capazes de transferir lucros para lugares onde você não paga impostos de renda sobre eles. Nós precisamos entender isso melhor se quisermos corrigí-lo. E esse é o nosso objetivo aqui, hoje.
—Carl Levin, senador americano.
Apenas para elucidar melhor a situação, os lucros da Apple nas Américas (Estados Unidos, México, Canadá, Brasil e alguns outros países) voltam aos país natal da empresa e são taxados. Contudo, grande parte dos outros países onde a Apple opera direcionam seus lucros para essas subsidiárias na Irlanda.
Em seu post no AllThingsD, John Paczkowski explica que tais subsidiárias são autorizadas por leis americanas. Essas empresas estão em conformidade com todos os regulamentos fiscais e são inclusive auditadas pela IRS (Internal Revenue Service, agência do governo responsável pela coleta de impostos e aplicação da lei fiscal).
Fica claro então que não há o que entender; apenas o que corrigir. Se o sistema é falho, a solução é mudá-lo. Antes de Levin e outros políticos jogarem a culpa na Apple — e em outras empresas que se beneficiam das leis de suas próprias nações —, seria bom seguir o conselho do senador Paul: se olhar no espelho e começar a trabalhar na reforma, em vez de perder tempo com audiências que não levam a nada.
Porém, mesmo com o clima sério, deu tempo de McCain fazer uma gracinha. No meio da audiência ele perguntou a Cook por que precisa ficar atualizando apps em seu iPhone a todo momento. Cook riu e respondeu que a Apple sempre quer fazer o melhor. 😛
O artigo já está demasiadamente grande mas, se você se interessou pelo assunto, confira as declarações de Cook [PDF] e de Oppenheimer [PDF], as quais antecederam a audiência.