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"The Changeling", nova série do Apple TV+

“The Changeling” brilha com mistura improvável de paternidade, contos de fadas e redes sociais

A ideia não é nem um pouco nova, mas ao longo da última década, Hollywood parece ter abraçado a tendência de narrativas que usam elementos do horror para falar de problemas sociais e angústias existenciais. 

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Neste subgênero, que alguns chamarão de “elevated horror”, já temos alguns exemplos de clássicos contemporâneos: “Corra!” usa uma história de paranoia e perseguição para falar do racismo mais sutil (porém não menos danoso) dos brancos liberais, enquanto “Hereditário” evoca espíritos e irmandades de bruxas para tratar de traumas e tragédias familiares. “Corrente do Mal” emprega os códigos e convenções do slasher para fazer um comentário sobre repressão sexual, ao mesmo tempo em que “O Babadook” é uma história de monstros que, na verdade, é uma história sobre luto. 

Neste sentido, “The Changeling – Sombras de Nova York”, série que chegou na última sexta-feira ao Apple TV+, é indubitavelmente sobre paternidade. Ou, mais precisamente, sobre a infinidade de angústias, dores, devoções, sacrifícios e maravilhas que se acumulam quando se é pai. Mas a narrativa traça a sua história sobre paternidade com elementos, digamos, não tão esperados (e, apesar de este texto não conter spoilers em si, pare de ler por aqui se você quiser adentrar o universo da série sem nenhuma ideia do que esperar, o que pode ser algo positivo).

O grande mérito da série é manter o foco numa história que facilmente poderia se transformar numa grande bagunça. Façamos uma breve lista mental do que temos por aqui, além dos supracitados comentários sobre paternidade: duas linhas temporais, depressão pós-parto, pinceladas sobre o papel dos gêneros nos jogos de paquera e conquista, terrores existenciais, rituais com bruxas amazônicas, forças misteriosas oferecendo três desejos aos personagens, grupos de mães sinistros no Facebook, viagens ao Brasil, maldições nórdicas, odisseias noturnas pelos becos mais sombrios de Nova York, odisseias noturnas por florestas na Amazônia, flashbacks, veteranos da Guerra do Iraque, cenas de violências indizíveis e muito mais. E isso é só a primeira temporada! 😅

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Mas vamos organizar este carnaval aleatório. Em sua essência, “The Changeling” é uma história sobre Apollo Kagwa (Lakeith Stanfield), um vendedor de livros usados que se apaixona pela bibliotecária Emma Valentine (Clark Backo). Após uma série de investidas malsucedidas, Emma revela que está de viagem marcada para o Brasil e esta é a razão das repetidas rejeições a Apollo. Eventualmente, após uma jornada espiritual um tanto sinistra, Emma retorna e finalmente vive a sua história de amor com o protagonista, dando luz ao bebê Brian.

A chegada da criança é difícil para o casal: Emma começa a receber mensagens estranhas no celular e se envolve em um grupo de maternidade online com membros, digamos, um tanto esquisitos. O pequeno Brian tem dificuldade para dormir e a relação entre os protagonistas começa a se desgastar. A situação chega a um ponto crítico quando Emma comete um ato terrível de violência e simplesmente some sem deixar rastros — um ato impensável, que leva Apollo a uma jornada por um submundo sobrenatural de Nova York e pode ou não ter a ver com três desejos oferecidos a Emma por uma xamã amazônica.

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O que segura essa salada de frutas temática em uma unidade coesa é, sem dúvidas, o roteiro afiado da criadora Kelly Marcel e a direção segura de Melina Matsoukas. A cineasta, que construiu seu nome no universo dos videoclipes (seu único longa-metragem até o momento, “Queen & Slim”, é fortemente influenciado por essa linguagem), abandona aqui os cacoetes dos vídeos musicais em prol de um estilo muito mais lírico, mais comovente, que dá o tom da série de maneira magistral já no primeiro episódio. 

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Vale lembrar que “The Changeling” é baseada no livro homônimo de Victor LaValle e o autor também participa da série — não apenas como produtor executivo, mas como uma espécie de narrador onisciente que guia (e, ao mesmo tempo, confunde) os espectadores em meio à viagem cada vez mais estranha de Apollo em busca de respostas sobre a sua esposa. 

Se o romance escrito já tinha um tom extremamente pessoal, quase confessional sobre a experiência do autor enquanto pai pela primeira vez, a decisão de colocá-lo como a voz-guia dos acontecimentos da série é muito acertada ao fortalecer esse laço emocional e ancorar a narrativa como uma espécie de fábula macabra, um conto de fadas no sentido mais radical da palavra (não pense nas adaptações sanitizadas da Disney e sim nas histórias macabras e medonhas dos Irmãos Grimm, por exemplo).

O grande trunfo da produção, entretanto, é a escalação de Lakeith Stanfield. Não é preciso ir muito longe para conhecer o talento do ator — basta conferir a performance dele em “Judas e o Messias Negro” (que lhe garantiu uma indicação ao Oscar) ou sua presença impreterível em “Atlanta” —, mas aqui Stanfield mostra um lado que raramente exibe: saem de cena os personagens usualmente soturnos e contidos, e entra em seu lugar um protagonista exuberante, expressivo, até engraçado em certos momentos. 

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O elenco coadjuvante também ajuda a enriquecer a série, especialmente Samuel T. Herring (músico da banda Future Islands, que faz aqui sua estreia em frente às câmeras) como Wheeler (um homem misterioso que se une a Apollo em sua jornada) e Adina Porter como Lillian (a mãe do protagonista). 

Aliás, muito acertada a decisão da série de manter os paralelos entre o casamento de Apollo e Emma com a relação de Brian e Lillian, pais do protagonista, décadas antes. Esse é um ponto crucial do livro que, em mãos menos talentosas, seria rapidamente descartado na adaptação para as telas por razões de “ritmo” ou de “economia de elenco”; Marcel, por outro lado, sabe que a ideia de ciclos e de repetição é um tema central de “The Changeling” e, em vez de descartar esse elemento narrativo, o reforça — e não são poucas as vezes que a edição inventiva da série usa os flashbacks e os saltos temporais para criar um efeito desorientante, totalmente em linha com o que vemos em tela.

Alia-se a tudo isso um design de produção interessantíssimo, muito acima da média do que temos visto em produções televisivas recentes — o dinheiro infinito da Maçã certamente operou maravilhas aqui — e temos em “The Changeling” uma das estreias mais intrigantes do Apple TV+ em bastante tempo. Seu caldeirão de elementos sobrenaturais e mistérios por vezes mal resolvidos pode não agradar a todo mundo, mas fãs do tal do “elevated horror” certamente encontrarão aqui um prato cheio para discussões, teorias ou simplesmente uma boa e velha reflexão. Vale a pena conferir.

O primeiro episódio de “The Changeling” já está disponível no Apple TV+, e os capítulos seguintes da primeira temporada — serão oito, no total — serão disponibilizados semanalmente, a cada sexta-feira.

O Apple TV+ está disponível no app Apple TV em mais de 100 países e regiões, seja em iPhones, iPads, Apple TVs, Macs, smart TVs ou online — além também estar em aparelhos como Roku, Amazon Fire TV, Chromecast com Google TV, consoles PlayStation e Xbox. O serviço custa R$21,90 por mês, com um período de teste gratuito de sete dias. Por tempo limitado, quem comprar e ativar um novo iPhone, iPad, Apple TV, Mac ou iPod touch ganha três meses de Apple TV+. Ele também faz parte do pacote de assinaturas da empresa, o Apple One.


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