Enquanto a Apple se preparava para lançar o iPhone 7 e todas as atenções estavam voltadas para os seus novos produtos, uma bomba estourou e acabou pondo em dúvida a conduta da empresa. Melanie Ehrenkranz, escrevendo para o Mic.com, expôs em uma matéria diversos emails com histórias de opressão de antigos e atuais empregados da Apple que consideraram o ambiente de trabalho “tóxico”.
Abrindo o leque de histórias, Melanie primeiro contou sobre Danielle (nome fictício), que reclamou de uma piada sobre estupro no chat de sua equipe. O tal comentário, que foi divulgado integralmente pelo Gizmodo, pareceu ser algo inofensivo. Um dos meninos no chat solta a frase “eu sou o único a lembrar da música do ‘Bed Intruder’ quando (fulano) avisa que tem alguém não-autorizado no prédio?”. Ele se refere a uma reportagem sobre um homem que entrou no quarto de uma menina e o vídeo acabou virando meme depois de YouTubers transformarem a fala do irmão da vítima em música (com auto-tune). Para quem se lembra, a música ficou tão engraçada que me arrisco a dizer que muitos nem lembram mais que a reportagem era sobre uma tentativa de estupro.
Danielle, entretanto, não esqueceu a história da reportagem; na verdade, o comentário a afetou pois ela mesma já tinha sido agredida sexualmente e, talvez, a ideia de alguém não-autorizado no prédio a tenha deixado ainda mais insegura. Para os envolvidos (e quem a criticou em seções de comentário de vários sites), aquilo não passou de exagero dela. A verdade é que esta não tinha sido a primeira vez ela tinha ouvido de sua equipe coisas do tipo, relatado à gerência e nada havia sido feito. Portanto, a situação foi apenas a gota d’água para que ela escrevesse um email a Tim Cook, relatando o ocorrido. O CEO da Apple, no entanto, não respondeu, mas Danielle foi afastada do trabalho por um mês por Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Depois de sua volta, ela continuou afirmando que tudo continuou da mesma maneira e não mais se sentia segura trabalhando lá.
Outras mulheres, que também sentiram-se ameaçadas, compartilharam suas histórias. Uma ex-empregada da Apple contou em um email que se sentiu extremamente desconfortável depois de participar de uma reunião em que ela era a única mulher entre muitos homens.
A conversa acabou com todos os homens depreciando suas esposas ou parceiras. Me senti muito desconfortável por notar que eu era a única mulher em um ambiente no qual os colegas homens estavam estereotipando mulheres como sendo chatas e o gerente não considerou isso inapropriado.
Quando ela trabalhava no turno da noite, quase todas as luzes do escritório se apagavam por serem sensíveis ao movimento. A pessoa mais próxima a ela estava a seis cubículos de distância — o restante era escuridão. Sentindo-se insegura por ser a única mulher no andar, pediu à gerência que pelo menos a colocasse mais próxima de outra pessoa e o pedido foi recusado. Ela se demitiu de uma das empresas mais requisitadas do mundo para trabalhar andando de bicicleta.
Em outra situação, Claire (nome fictício) relatou à Apple que sofria retaliações de seus colegas homens. Depois de investigar, a empresa reconheceu que ela estava em um ambiente hostil mas, em vez de chamar a atenção de quem a assediou, ofereceram-na duas opções: permanecia naquele cargo ou iria para um que pagava menos. Ela preferiu a segunda opção, prejudicando sua carreira, mas pelo menos se afastaria daquela situação.
A lista segue, tendo diversas mulheres dizendo que foram assediadas e/ou tiveram suas aptidões profissionais questionadas; todas ou a maioria tentou relatar à gerência mas nada nunca foi feito e muitas chegaram a se demitir.
Além disso, não foram somente mulheres que integraram a lista de assédio moral. Um ex-empregado relatou que recorrentemente seus colegas se referiam a ele como tendo “qualidades de mulheres”, dizendo às vezes que estava de “TPM”.
Qualquer homem pode afirmar que ser comparado a uma mulher significa que você não é forte ou estável o suficiente para lidar com as dificuldades da vida ou do trabalho da mesma maneira que um homem o faz.
Essa afirmação em particular me lembrou o maravilhoso documentário “The Mask You Live In” (“A Máscara Em Que Você Vive”), o qual conta como os meninos estão sendo criados para se tornarem seres que não podem expor seus sentimentos e são constantemente cobrados pela sociedade — o que acaba influenciando muito no modo como eles lidam com as mulheres. Ele está disponível no Netflix, então todos que puderem dar uma olhada, tenho certeza de que não vão se arrepender.
Depois de a matéria ir ao ar, a representante dos Recursos Humanos da Apple, Denise Young Smith, contou ao Recode que eles levam esses casos não só à sério como também para o lado pessoal. Diz ela que a empresa “tomou medidas proporcionais”, mas não pôde especificar o que foi feito exatamente, por privacidade. Segundo ela, Cook também esteve envolvido nas discussões sobre os casos mesmo estando em semana de lançamento dos produtos. Sobre isso, ela diz: “Eu acho que isso mostra que essa situação é tão importante quanto nossos produtos.” Apesar de a intenção ter sido boa, concordo com este tweet da autora do artigo do Mic.com no qual ela lembra que alegações de assédio e discriminação deveriam ser mais importante do que os produtos. #reflita
E se você acha que a “coisa está feia” para a Apple, você ainda não viu nada. Depois de todo esse “bafafá”, outros empregados apareceram em outra publicação do Mic.com com alegações muito severas sobre problemas psicológicos tendo sido desenvolvidos no ambiente de trabalho. Ben (nome fictício) presenciou seu nome virar sinônimo de problema psicológico na equipe (incluindo gerentes) depois que ele tentou se matar em 2011. Segundo ele, antes de trabalhar na Apple, sua saúde psicológica era intacta; depois de dez anos trabalhando lá, já tentou se matar duas vezes e disse que sempre que ia parar na enfermaria ou no hospital psiquiátrico, havia algum empregado da Apple por lá.
Marcus (nome fictício), que é latino, disse que enquanto trabalhava na Apple ficou depressivo a ponto de virar morador de rua somente para “se livrar” de toda a pressão. Uma mulher contou que se sentiu incomodada com os olhares de um colega e relatou ao RH, mas nada foi feito. Depois, o colega foi promovido e ela teve seu cargo rebaixado por criarem um outro acima do seu. Ao falar pela segunda vez com o RH, ela ouviu: “Você só tem que entrar na dança ou talvez aqui não seja o seu lugar.”
Já Chris (nome fictício) ficou tão abalado que se demitiu e, em seu último dia de trabalho, escreveu um “manifesto” de seis páginas e o distribuiu pelas mesas, servidores e sites. No manifesto, ele despejou toda a sua indignidade com frases bem fortes.
Não deveria existir raça, idade ou gênero superior no ambiente de trabalho; portanto, declarações que podem geram esse sentimento devem ser tratadas visivelmente.
Este departamento deveria adotar uma cultura de inclusão na qual todos os indivíduos são valorizados.
Injustiça no local de trabalho deveria ser vista como uma ameaça tanto para os negócios quanto para um ambiente de trabalho seguro.
Relatar racismo e atividades racistas ao RH não deveria resultar em prevenção de promoção.
Quando declarações racistas são feitas, um pedido de desculpas deve ser feito se referindo às declarações, não à possibilidade de um mal-entendido. Desculpar-se por um mal-entendido não é a mesma coisa de um pedido de desculpas.
Além dessas tiveram muitas outras alegações, e um empregado relatou que a “piada da vez” é que a “Foxconn não tem nada para incriminar a Apple”, se referindo às terríveis condições de trabalho na China.
Em abril, a notícia de um suicídio na sede da Apple, em Cupertino, aterrorizou a todos. Mas, segundo muitos empregados, eles são cercados por um ambiente muito tóxico, com injustiças e todo tipo de preconceito.
· · ·
Nós, seres humanos. O que nos faz diferentes uns dos outros? O que nos faz iguais? O que nos faz achar que merecemos mais do que a pessoa que está ao nosso lado? Quem colocou em nós a noção de que podemos ser livres para acharmos e falarmos o que bem quisermos, sem pensarmos em como isso pode afetar o outro? Quem somos nós para sabermos o que o outro sente? E quem pode saber o que nós sentimos, pelo que passamos?
Li muitas coisas de cortar o coração enquanto escrevia este post e até tive medo do que eu poderia ler nesta seção de comentários. Para essas pessoas que fazem graça às custas dos outros, por que preferem alguns segundos de risadas ao sofrimento duradouro que muitas pessoas acabam enfrentando? Não é politicamente correto, é empatia — e a falta disso pode ser extremamente destrutivo.
A Apple se gaba de sua diversidade, sempre divulgando vários números. Mas de que adiantam números e discursos para o mundo se na gestão interna ninguém parece se preocupar com o comportamento destrutivo e sem empatia em seus escritórios? Ninguém está pedindo perfeição, só um ambiente de trabalho melhor para pessoas ótimas poderem se desenvolver profissionalmente e ajudar a empresa como um todo.
Infelizmente, isso não acontece somente na Apple ou em ambientes de trabalho. As casas, as escolas, as ruas estão gritando por mais empatia. A internet? Nem se fala. Como canta Michael Jackson: “If you wanna make the world a better place, take a look at yourself and then make the change” (“Se você quer fazer do mundo um lugar melhor, olhe para si mesmo e faça essa mudança”).