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“Fingernails” é uma comédia romântica para os nossos tempos — mas poderia ser muito mais

Ah, o amor. Essa eterna peça teatral divina com protagonistas perpetuamente caminhando a corda-bamba entre a promessa da doce paixão e a realidade amarga das expectativas não correspondidas. O conflito entre devoção e individualidade, a crença de que estamos no controle quando, na verdade, estamos sempre à beira do abismo — seja do arrebatamento ou da indiferença… dito isso, vamos arrancar uma unha para verificar essas coisas, certo?

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O parágrafo acima é basicamente um resumo de “Fingernails” (ou, no título brasileiro, “Na Ponta dos Dedos”), filme do diretor grego Christos Nikou que chegou ao Apple TV+ na última sexta-feira (3/11). E se nada do que eu escrevi acima parece fazer sentido para você, aí vai uma sinopse um pouco mais centrada da comédia romântica de ficção científica.

No universo do filme, uma descoberta científica revolucionou os relacionamentos: casais podem fazer “testes de compatibilidade” — que são feitos, como você possivelmente já percebeu, arrancando uma unha de cada um deles e depositando os dois materiais em uma máquina — para verificar se estão realmente apaixonados ou se tudo não passa de uma ilusão.

A máquina causou efeitos profundos no mundo inteiro, provocando inicialmente uma onda de separações e divórcios e, posteriormente, criando uma indústria de “clínicas do amor”, locais onde casais fazem exercícios para fortalecer o vínculo antes de se submeter ao teste (e, com isso, aumentar as chances de receber um resultado positivo).

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Nesse contexto, acompanhamos a história de Anna (Jessie Buckley), professora que está há alguns anos em uma relação estável, porém monótona, com Ryan (Jeremy Allen White); anos atrás, o casal deu positivo no teste de compatibilidade. Tudo começa a mudar, entretanto, quando Anna — motivada por uma vontade de reacender a chama do seu relacionamento — consegue um emprego como aprendiz em uma das clínicas do amor e conhece Amir (Riz Ahmed), seu instrutor e um dos especialistas no treinamento de casais.

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O maior triunfo de “Fingernails” é justamente a sua premissa, que pega uma ideia intrigante e consegue combiná-la com um leque de ansiedades muito comum aos nossos tempos: relações líquidas (alô, Bauman!), os efeitos da tecnologia nos nossos afetos, o medo da rejeição e da solidão, a falsa sensação de segurança de um relacionamento que caiu na mesmice, o frio na barriga ao se jogar em uma nova paixão e tantas outras dores e delícias inerentes ao jogo do amor.

Nesse sentido, Nikou — cineasta grego responsável por “Apples” (heh) e fazendo aqui sua estreia na língua inglesa — consegue capturar bem a atmosfera de estranheza, quase de absurdo, que envolve todas essas sensações que circulam o amor e a paixão. No maior estilo que tem consagrado o cinema grego contemporâneo (e do qual Yorgos Lanthimos é o maior expoente), o diretor consegue um equilíbrio delicado entre a sinceridade com que retrata as relações da história e a ironia que perpassa a própria ideia da narrativa: a ironia de que, de alguma forma, o amor pode ser quantificado cientificamente (e, mais ainda, de que essa quantificação seja realizada por meio de um dos mais conhecidos métodos de tortura existentes na humanidade).

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Alguns aspectos técnicos, como a fotografia, os figurinos e o design de produção, contribuem para essa sensação de estranheza — ou, mais especificamente, para não situar o espectador. “Fingernails” tem a textura e o visual de um filme da década de 1970, com sua fotografia analógica que chega a exibir algumas imperfeições de uma película ligeiramente suja; os ambientes pelos quais os personagens circulam têm uma estética sutilmente retrofuturista, enquanto elementos anacrônicos (uma vitrola, um carro contemporâneo, uma citação às Spice Girls) convivem em perfeita harmonia. Essa é uma história que poderia ocorrer em qualquer tempo, então que nenhum tempo seja especificado.

De fato, o filme merece crédito por ser muito mais engraçado do que poderia ser, especialmente considerando que suas três estrelas não são exatamente conhecidas por suas veias cômicas (talvez apenas White, mas do trio aqui ele é o que menos se aventura em situações de riso).

Como de costume, quem mais ilumina “Fingernails” é Jessie Buckley, atriz já acostumada a ser a melhor parte de filmes maravilhosos (como “Estou Pensando em Acabar com Tudo”) ou ruins (como “Men: Faces do Medo”). Sua Anna encontra um aprumo raro entre a humanidade e a sátira, e se conseguimos comprar algumas das situações menos verossímeis trazidas pelo roteiro, especialmente a partir da segunda metade da história, é por conta da segurança da atriz em cena. Ahmed, por sua vez, surpreende com um papel diferente de tudo o que já fez, abandonando sua persona sisuda para viver um personagem vulnerável, divertido e até ligeiramente galanteador.

Todos esses elementos, combinados, teriam o potencial de transformar “Fingernails” em um pequeno clássico moderno do (francamente subexplorado) subgênero das comédias românticas com ares de ficção científica. Entretanto, um ponto muito específico impede que o filme alce voos maiores: seu roteiro.

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Se acima eu comentei que o grande triunfo de “Fingernails” era a sua premissa, seu grande tropeço é justamente no momento em que ele transpõe essa premissa em conflitos, diálogos, situações e uma estrutura narrativa coerente. O problema, basicamente, é que Nikou (e os seus corroteiristas Sam Steiner e Stavros Raptis) não consegue — ou não quer, quem sabe — levar o conceito estabelecido às últimas consequências, preferindo se contentar com a formação de um triângulo amoroso que nunca é particularmente envolvente ou destrinchado o suficiente.

Esses problemas tornam-se mais evidentes na segunda metade do filme, quando algumas situações começam a se repetir sem um aprofundamento de fato do conflito central: afinal, até que ponto a mecanização dos afetos pode suprir a nossa necessidade genuína de amar e ser amado(a), e como a construção social desses amores influencia na nossa forma de agir e de ver nossas próprias relações? É óbvio que o bom cinema — assim como qualquer boa arte — tem muito mais o papel de fazer perguntas do que dar respostas, mas é necessário dar alguma instrumentação para que o público faça essas perguntas, e “Fingernails” falha justamente nesse sentido.

Existe, em algum lugar entre a escrita do roteiro e a edição, uma versão muito mais subversiva, irônica e até mesmo encantadora de “Fingernails”. Uma versão que não tenha o pudor de incorporar mais elementos do body horror de David Cronenberg, explorando a linha fina entre a dor e a paixão, e consiga se afastar mais de outros filmes de cineastas gregos que falam sobre as pressões dos relacionamentos — sim, “O Lagosta”, estou olhando para você.

Para o bem e para o mal, entretanto, este é o “Fingernails” que temos, e ele tem méritos, também. Só é uma pena que eles não sejam tão impressionantes como poderiam ser.

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