As idas e vindas da relação da indústria fonográfica com os serviços de streaming são um tópico frequente na comunidade tecnológica, mas raramente temos a oportunidade dar uma olhada tão esclarecedora nestas dinâmicas ocultas. Hoje é o dia de uma destas chances (sem trocadilhos, por favor), graças a uma série de tweets do músico Chance the Rapper que revelam as maquinações por trás de um acordo feito com o Apple Music pela exclusividade temporária da sua mixtape mais recente.
Chance, músico em plena ascensão que conquistou o Grammy de “Melhor Artista Revelação” neste ano, é conhecido por sua independência, rejeitando contratos milionários de gravadoras e lançando suas produções por conta própria na internet, geralmente de graça.
Considerando este fato, muitos fãs ficaram surpresos quando a sua mixtape1No jargão do hip-hop, um tipo de álbum geralmente auto-produzido e lançado de graça para ganhar público e/ou evitar problemas de infração de copyright com os samples. mais recente, chamada Coloring Book, foi anunciado como exclusiva do Apple Music — com direito a um comercial estrelando o rapper — por duas semanas antes da disponibilidade ampla. Teria mais uma alma livre rendido-se às garras do grande capital? Em que acreditar agora?
Por conta da inquietação e dos questionamentos da base de fãs, Chance foi ao Twitter prestar alguns esclarecimentos — e é aí que nós começamos a entender a relação da Apple com artistas independentes, novos e com potencial.
I wanna clear things up. @apple gave me half a mil and a commercial to post Coloring Book exclusively on applemusic for 2 weeks https://t.co/dMWwptrHHH
— Lil Chano From 79th (@chancetherapper) 17 de março de 2017
Eu quero esclarecer as coisas. A
@Apple
me deu meio milhão [de dólares] e um comercial para que eu publicasse Coloring Book exclusivamente no Apple Music por duas semanas.
That was the extent of my deal, after 2 weeks it was on SoundCloud for free. I needed the money and they're all good people over there https://t.co/5kIhv0YaKS
— Lil Chano From 79th (@chancetherapper) 17 de março de 2017
Esta foi a extensão do meu contrato; depois de duas semanas ele já estava no SoundCloud de graça. Eu precisava do dinheiro e eles lá [Apple] são todos boas pessoas.
I think artist can gain a lot from the streaming wars as long as they remain in control of their own product. https://t.co/6agVO3uIdf
— Lil Chano From 79th (@chancetherapper) 17 de março de 2017
A meu ver, os artistas podem ganhar muito com a guerra dos serviços de streaming, contanto que eles/elas permaneçam com o controle do seu produto.
If you come across oprtunities to work with good people, pick up cash and keep your integrity I say Do It https://t.co/yF0gBPkLhY
— Lil Chano From 79th (@chancetherapper) 17 de março de 2017
Se você tem a oportunidade de trabalhar com boas pessoas, ganhar dinheiro e manter a sua integridade, eu digo: vá em frente.
A justificativa de Chance é perfeitamente justa, compreensível e, na minha opinião, de forma alguma abala o seu status de artista ultra-independente. Isso sem falar que o acordo com o Apple Music ajudou o músico a obter uma notável distinção: Coloring Book tornou-se o primeiro álbum disponível somente em streaming na história a figurar nas paradas da Billboard 200, onde alcançou um impressionante oitavo lugar.
Do lado da Apple, o acordo também parece ter sido bastante positivo, atraindo um nome outrora considerado impossível para o seu serviço de músicas e agregando respeito à sua estatura entre os jogadores do disputado segmento de streaming. Como disse o chefe do Apple Music, Jimmy Iovine, numa entrevista ao The New York Times:
Não foi por nossa causa que Chance the Rapper decidiu não assinar com uma gravadora — ele decidiu isso há muito tempo. Nós somos somente uma plataforma de distribuição e ele nos escolheu, agradecidamente, em vez de todos os outros. […] Eu acho que Chance sente que nós atendemos as expectativas dele e faremos melhor ainda da próxima vez.
Além disso, os US$500 mil gastos com Chance the Rapper parecem um troco se comparados com os US$20 milhões supostamente pagos por Cupertino por um contrato de exclusividade com Drake — que, aliás, já pode ser chamado de “o cara oficial” do Apple Music.
[via Engadget]
Notas de rodapé
- 1No jargão do hip-hop, um tipo de álbum geralmente auto-produzido e lançado de graça para ganhar público e/ou evitar problemas de infração de copyright com os samples.