O melhor pedaço da Maçã.
The New York Times
Funcionários da Foxconn na China

Ex-Foxconn relata crise na maior fábrica de iPhones do mundo

Como acompanhamos no fim do ano passado, a China enfrentou múltiplos problemas relacionados à pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), cujos efeitos foram agravados pela política do país (“COVID-zero”) de cortar o mais rápido possível a transmissão a partir dos chamados lockdowns, os quais afetaram fortemente as fábricas que produzem dispositivos da Apple — em especial, iPhones.

Publicidade

Apesar dos diversos relatos sobre a situação das fábricas chinesas durante os lockdowns — os quais culminaram até mesmo em uma grande rebelião dos trabalhadores —, muito ainda não se sabe sobre o que aconteceu dentro desses grandes complexos fabris, muito por conta da censura chinesa.

Fato é que, hoje, a Rest of World, uma organização global sem fins lucrativos que cobre o impacto da tecnologia além do ocidente, publicou uma extensa matéria detalhando vários aspectos dos meses em que as fábricas chinesas enfrentaram os sucessivos surtos de COVID-19 — e, mais do que isso, como é a linha de produção da Apple dentro de uma das maiores fábricas de iPhones do mundo, comandada pela Foxconn.

O complexo da Foxconn em Zhengzhou produz cerca de metade dos iPhones do mundo. Apelidada de “Cidade do iPhone”, a fábrica cobre uma área de 5,6 milhões de metros quadrados e emprega cerca de 200 mil trabalhadores em plena capacidade. A Apple depende da fabricação just-in-time, o que significa que não acumula um grande estoque de produtos, mas fabrica iPhones conforme os pedidos dos consumidores.

Publicidade

Como resultado, o período mais movimentado da megafábrica começa por volta de setembro ou outubro, quando a Apple lança novos modelos de iPhone, e continua durante as festas de fim de ano até o Ano Novo Lunar, que geralmente ocorre entre janeiro e fevereiro.

No entanto, a situação foi particularmente complicada na última alta temporada. Os surtos de COVID-19 que interromperam as linhas de produção e os protestos de trabalhadores fizeram com que a fábrica atrasasse os pedidos dos iPhones 14 Pro/14 Pro Max, o que foi inclusive confirmado pela Apple.

A série de problemas atraiu atenção para a vida precária dos trabalhadores industriais chineses. Para a Apple, a situação também destacou os riscos econômicos e de reputação por ter a maior parte de seu produto mais lucrativo fabricado por uma instalação chinesa.

Situação nas fábricas

Acompanhando a história de um trabalhador identificado como Hunter, um funcionário de longa data da Foxconn, a Rest of World testemunhou a turbulência dentro da cidade do iPhone.

Publicidade

Durante um turno normal de 10 horas, a meta de Hunter era conectar 600 cabos a 600 chassis de iPhones, usando 1.200 parafusos. Todos os dias, mais 600 iPhones desmontados o esperavam. Ele disse que a experiência o deixou com a impressão de que fabricar iPhones é como “trabalhar sob um chicote”.

Na última década, inclusive, ele testemunhou colegas da Foxconn desmaiando no trabalho, tentando suicídio e entrando em brigas com seus supervisores. Depois de um mês na linha de montagem, ele entendeu o porquê: “Está sufocando aqui. Para ser franco, trabalhar na Foxconn significa abrir mão da própria dignidade”, disse ele.

Publicidade

Além de uma hora de almoço rigorosamente cronometrada, ele passava os dias dentro de uma oficina sem janelas que cheirava a cloro, usando um avental antiestático e uma máscara facial. Se ele precisava fazer uma pausa para ir ao banheiro, tinha que compensar o tempo perdido. Atrás da linha de montagem, os supervisores – conhecidos como xianzhang — ou “líderes de linha” —, monitoravam o progresso dos trabalhadores em um computador.

Acho que não temos direitos e dignidade dentro das oficinas. Alguns líderes de linha simplesmente não conseguem viver um dia sem repreender as pessoas.

A natureza sazonal das vendas do iPhone significa que a maioria dos trabalhadores só é necessária durante certas épocas do ano. A Foxconn agora mantém seu salário mensal básico em cerca de 2.200 yuans (cerca de R$1.650), o que os trabalhadores disseram que mal dá para cobrir os custos de aluguel e alimentação. Para atrair recrutas durante os picos de produção, a Foxconn paga até o dobro do salário mínimo por hora e lucrativos bônus de fim de mês. Quando os pedidos do iPhone diminuem, a empresa corta horas extras e encerra bônus como forma de reduzir a sua força de trabalho.

Em 2022, o recrutamento começou cedo, segundo a publicação. A Apple solicitou que a Foxconn começasse a contratar meses antes do lançamento do iPhone 14 para evitar possíveis surtos de COVID-19 ou contratempos relacionados à cadeia de suprimentos.

Em setembro, de olho no dinheiro extra, Hunter ingressou na Foxconn para trabalhar em manutenção de robótica. Na época, com a política de “COVID-zero” da China ainda em vigor, cidades inteiras podiam ser fechadas e fábricas interditadas para extinguir pequenos surtos. Trabalhadores infectados ou expostos eram frequentemente confinados em centros de quarentena em massa por semanas — privando-os de sua renda — e alguns sofriam discriminação de recrutadores e colegas depois que se recuperavam. Dentro da fábrica de iPhones, os trabalhadores tinham que fazer testes a cada dois dias, atualizar seu estado de saúde por meio de um aplicativo da empresa e usar máscaras nas linhas de produção.

Surtos de COVID-19

Em outubro, enquanto a Apple se esforçava para atender à demanda pelos recém-lançados iPhones 14 Pro/14 Pro Max, um surto de COVID-19 em Zhengzhou se espalhou dentro da Foxconn. As instalações de quarentena estavam tão cheias que alguns trabalhadores suspeitos de terem sido infectados tiveram que se mudar para prédios de apartamentos inacabados. A Foxconn fechou cantinas e tornou os testes uma exigência diária, implementando também um sistema de “circuito fechado” — que proibia os trabalhadores de deixar o complexo e exigia que os novos recrutas ficassem em quarentena por pelo menos três dias antes de retomar seus cargos.

Enquanto a maior parte do mundo aprendeu a conviver com a COVID-19, na China a doença ainda era amplamente temida. Hunter se lembra de ter ouvido rumores cada vez mais preocupantes — alguns trabalhadores ficaram tão apavorados que escalaram cercas e fugiram a pé para suas cidades a vários quilômetros de distância.

Outros, como Hunter, que moravam em quartos alugados fora do complexo da fábrica, receberam um ultimato: mudar para um dormitório da fábrica ou pedir demissão. Hunter, preocupado em não se infectar, escolheu a segunda opção e largou o emprego em meados de outubro. Seu próprio prédio de apartamentos logo foi fechado, também.

Trancado em seu quarto de seis metros quadrados sem renda, Hunter pensou em pedir dinheiro aos pais (que estavam cuidando do seu filho) ou voltar para casa, mas decidiu não fazer nada disso: ele passava a maior parte do tempo deitado na cama e, para economizar dinheiro, comia uma refeição por dia.

Em novembro, enquanto Hunter ainda estava confinado em seu quarto, o fundador da Foxconn escreveu uma carta à liderança do Partido Comunista alertando que medidas estritas contra a COVID-19 estavam “ameaçando a posição da China nas cadeias de suprimentos globais”. Assim, o governo ajustou suas restrições, incluindo a exigência de quarentenas mais curtas.

Nessa época, a Foxconn lançou uma campanha de recrutamento agressiva para preencher os cargos vagos pelos trabalhadores em fuga. A empresa aumentou seus bônus diários/mensais de frequência e aumentou seu salário-base por hora. Os recrutas disseram que poderiam ganhar mais de ¥10 mil (~R$7.515) por mês se trabalhassem 10 horas por dia, 6 dias por semana — quase o dobro do salário médio na província de Henan.

Os próprios funcionários também foram encarregados de encontrar recrutas, de forma que a empresa transportou dezenas de milhares de trabalhadores para o complexo da fábrica e os alojou em dormitórios, onde ficaram em quarentena antes de entrar no circuito fechado.

Uma vez em Zhengzhou, muitos recrutas se sentiram enganados quando ouviram rumores de que poderiam estar trabalhando ao lado de colegas infectados com COVID-19 — um boato negado pela Foxconn. Além disso, eles notaram em seus contratos que seus bônus mensais seriam pagos em três meses, em vez dos dois meses prometidos no anúncio de emprego. A Foxconn atribuiu a discrepância a um erro técnico, porém.

Em uma tentativa de reprimir os protestos de novembro passado, a Foxconn ofereceu aos trabalhadores pagamentos de ¥10 mil se eles decidissem partir no dia seguinte. Cerca de 20 mil recrutas partiram, como resultado, a fábrica estava operando com apenas 20% da sua capacidade em novembro.

Em dezembro, enquanto os compradores no ocidente preparavam os presentes de Natal, a Foxconn renovou os esforços para acelerar a produção dos iPhones. Para atrair uma nova safra de trabalhadores, a empresa voltou a aumentar seus salários, prometendo um bônus mensal de ¥6 mil (~R$4.510) se os recrutas trabalhassem pelo menos 26 dias inteiros em dezembro e 23 dias em janeiro. Nas redes sociais, as pessoas descreveram a proposta como o “desafio Foxconn de 60 dias”.

Nessa época, Hunter disse que sentiu uma espécie de opressão que nunca havia experimentado em seus empregos anteriores na Foxconn: sem janelas, ele disse que era impossível distinguir o dia da noite sem consultar o relógio. Os gerentes exigiam um ritmo tão alto que ele sentia que não conseguia parar por um segundo. Hunter até testemunhou um colega tendo seu salário reduzido por passar muito tempo bebendo água.

A razão pela qual eu disse que os iPhones são feitos no inferno, é que os trabalhadores estão levando uma vida de prisioneiros em oficinas que não veem a luz do sol.

Ele também lembrou-se de ter ouvido um líder de linha gritando e xingando depois que um colega foi ao banheiro e outro supervisor gritando com um trabalhador que completou sua tarefa apenas 40 vezes em uma hora, enquanto outros conseguiram 60 vezes.

Em 7 de dezembro, quando o impacto econômico e social da política de “COVID-zero” se tornava cada vez mais claro, o governo chinês anunciou o fim abrupto da quarentena em massa, dos lockdowns e requisitos de testes diários. Logo depois, a Foxconn suspendeu seu sistema de circuito fechado, o que significa que os funcionários poderiam finalmente sair do complexo após o trabalho.

Na Foxconn, as máscaras e os mandatos de quarentena para aqueles que testaram positivo não conseguiram deter o vírus. Muitas pessoas no chão de fábrica pareciam estar com sintomas de COVID-19, de acordo com as postagens dos trabalhadores nas redes sociais. Hunter alegou que, em seu local de trabalho, os líderes de linha aconselharam os funcionários a não fazerem o teste para que pudessem continuar trabalhando enquanto estivessem doentes. Hunter disse que seguiu o conselho e, apesar de sentir febre, trabalhava de 10 a 11 horas por dia.

Fato é que a Foxconn conseguiu atender à demanda. Entre o final de dezembro e o começo de janeiro, a linha de montagem estava operando com 90% da capacidade. Hunter disse que, à medida que a fábrica se aproximava da sua meta de produção, seus supervisores começaram a pedir que ele fizesse intervalos de 10 minutos à tarde. No dia 25 de dezembro, pela primeira vez naquele mês, seu gerente pediu que ele tirasse folga.

Os executivos disseram que, para evitar que os trabalhadores se demitissem antes do feriado do Ano Novo Lunar de janeiro, a fábrica estava fornecendo até ¥13 mil (~R$9.770) em bônus, além de realizar atividades festivas, como fazer bolinhos e competições esportivas. No entanto, no dia 3 de janeiro, ele tomou a decisão de deixar o cargo.

Em 9 de janeiro, depois de se despedir dos seus amigos na Foxconn, Hunter voltou para sua cidade natal — a uma hora de carro. Ele disse que gastaria parte dos US$2.200 (R$11.180) que ganhou na Foxconn em presentes de Ano Novo Lunar para seus parentes e envelopes vermelhos com dinheiro para as crianças da sua família.

Ele espera não voltar à Foxconn durante o próximo aumento da produção da temporada do iPhone — mas que “não pode ter certeza absoluta” de que não voltará, porém.


Comprar iPhones 15 Pro e 15 Pro Max de Apple Preço à vista: a partir de R$8.369,10
Preço parcelado: a partir de R$9.299,00 em até 12x
Cores: titânio natural, titânio azul, titânio branco e titânio preto
Capacidades: 128GB, 256GB, 512GB ou 1TB

Comprar iPhones 14 e 14 Plus de Apple Preço à vista: a partir de R$6.839,10
Preço parcelado: a partir de R$7.599,00 em até 12x
Cores: azul, roxo, amarelo, meia-noite, estelar ou (PRODUCT)RED
Capacidades: 128GB, 256GB ou 512GB

NOTA DE TRANSPARÊNCIA: O MacMagazine recebe uma pequena comissão sobre vendas concluídas por meio de links deste post, mas você, como consumidor, não paga nada mais pelos produtos comprando pelos nossos links de afiliado.

dica do Wiliam Koester

Ver comentários do post

Compartilhe este artigo
URL compartilhável
Post Ant.

iPod foi o eletrônico retrô mais vendido na OLX em 2022

Próx. Post

LexisNexis coloca Apple entre as 100 empresas mais inovadoras

Posts Relacionados