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Uma reflexão sobre os preços da Apple no Brasil

Bandeira do Brasil

Este é um assunto delicado e a nossa intenção não é sermos os donos da verdade nem mesmo defender a Apple com unhas e dentes aqui. Estamos todos no mesmo barco e não somos loucos de achar que os preços atuais da Apple TV (a partir de R$1.350), dos Apple Watches (a partir de R$2.900), do iPad Air 2 (a partir de R$3.400), do iPhone (R$4.000 para um aparelho de 16GB, pô!), do iMac de 21,5″ com tela Retina 4K (R$14.300 e vem com um HDD de 5.400RPM!), do MacBook Pro de 15″ com GPU dedicada (R$23.500), do Mac Pro (a partir de R$30.500…) são ótimos. Claro, é óbvio que não. Uma simples cordinha para prender o controle remoto da Apple TV no braço custa aqui no Brasil mais de R$100 e isto é, de certa forma, inaceitável.

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Mas antes de sair por aí xingando muito a Apple no Twitter, é a nossa obrigação parar um pouco e pensar no cenário brasileiro de uma forma geral. Será que é só com a Apple? Ou será que estamos em um país onde a grande maioria das coisas tem preços exorbitantes? O MacMagazine é um site sobre tecnologia, então vamos focar nesta área.

Nós sabemos que o valor final dos produtos da Apple em dólar não é o mesmo de distribuição para que sejam revendidos por aí. Mas não deixa de servir como uma boa base — e como referência do argumento.

O leitor Rodolfo Caliman nos lembrou que a Xiaomi é hoje uma das empresas mais agressivas quando o assunto é preço. Ela, que conta com o brasileiro Hugo Barra ocupando um cargo de vice-presidência, aterrissou recentemente no Brasil. Pois a chinesa vende a MI BAND por US$15 lá fora, praticamente o mesmo preço do Remote Loop da Apple TV nos EUA (US$13). Aqui no Brasil, a pulseira chegou no começo de julho (quando o dólar estava valendo cerca de R$3,11) custando R$95; já o Remote Loop chegou agora (fim de outubro), com um dólar valendo cerca de R$3,87 e um preço final de R$109. Similar, não?

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Podemos até questionar a cordinha da Apple custar a mesma coisa de uma pulseira fitness, mas aí vai da estratégia de cada empresa. O ponto, aqui, não é discutir se US$13 é caro para o produto, mas sim se chegar aqui por R$109 é correto.

Essa estrutura de preços do Remote Loop (US$13 multiplicado pela cotação do dólar1Com uma certa gordura, é claro — então ficaremos nos R$4,00)., multiplicado novamente por dois2Impostos, seguros, fretes, etc.), nós podemos perceber em praticamente todos os produtos da Apple. Ainda que exista uma boa variação, há um padrão aí. Faça você mesmo as contas.

O Apple Watch Sport de 38mm, por exemplo, custa US$349 nos EUA (isto sem levar em conta os impostos locais, para facilitar a conta). Pois aqui no Brasil ele chegou custando R$2.900. Fazendo essa conta bem básica que comentei, chegamos a um valor relativamente próximo (~R$2.800 utilizando um dólar a R$4,00).

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O MacBook Pro de 15″ com tela Retina topo-de-linha? Pode fazer o mesmo cálculo que ele também ficará próximo, por cerca de R$20.000 (um pouco mais distante que os exemplos anteriores, mas ainda assim não tão distante da realidade). E a história se repete para o iPod nano (~R$1.200), o iMac de 21,5″ com tela Retina 4K (~R$12.000), o Mac Pro (~R$24.000 e ~R$32.000), o Apple Watch Edition topo-de-linha (~R$136.000), etc.

Brincando no site tributado.net é fácil perceber que, ao importar um produto, o valor final dele (incluindo imposto de importação e ICMS3Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços., apenas) praticamente faz dobrar o preço, confirmando o cálculo bem rudimentar que fizemos acima — isso falando apenas do imposto de importação e do ICMS, esquecendo todo o resto atrelado à importação (frete, seguro da mercadoria, etc.).

É claro que os produtos não são importados com o preço final (que vemos nas prateleiras americanas), mas não podemos esquecer que existe uma cadeia comercial antes de eles chegarem às mãos de consumidores aqui no Brasil (importador » distribuidor » varejo » consumidor final).

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A Apple não pode pular ou ignorar essa cadeia já que, atualmente, ainda não tem lojas cobrindo todo o território nacional — e talvez essa nem seja a estratégia da empresa. Cada um, com a sua fatia do bolo, contribui com o preço. Obviamente isso não é algo exclusivo do Brasil, mas como sempre, aqui tudo é mais representativo.

Voltando aos produtos, o iPhone é um caso à parte pois, como já sabemos, ele é montado aqui no Brasil e isso ajuda a Apple na hora de comercializá-lo em território nacional. A prova é que o modelo de entrada do iPhone 6s foi lançado no Brasil por R$3.999, valor um pouco mais caro que os últimos lançamentos da Samsung no Brasil (Galaxy S6 Edge+ por R$3.999 e Galaxy Note5 por R$3.799), porém mais barato do que o último lançamento da Sony (Xperia Z5 por R$4.299). Assim como o iPhone 6s de 16GB, o Xperia Z5 é vendido lá fora por cerca de US$650 (ou até menos).

Segundo a regra que estipulamos acima, o iPhone 6s de 16GB chegaria por aqui custando facilmente ~R$5.200, algo que felizmente não ocorreu — e não ocorre com nenhuma outra empresa quando o assunto é smartphone.

Mas voltando aos preços dos produtos aqui no Brasil e comparando tudo com os valores americanos, existem muitas coisas que ficam fora das nossas contas e que devem ser levadas em consideração. A primeira é que todos esses comparativos devem ser feitos com os valores à vista da Apple Brasil, que contam com 10% de desconto — nenhum desses valores que eu coloquei acima englobam esses 10%, tornando o comparativo um pouco mais crível, inclusive.

A segunda é que, nos EUA, os juros e a inflação são altamente estáveis, bem diferente daqui do Brasil. E isso influencia diretamente na importação desses dispositivos, afinal, muitos dos serviços prestados em solo nacional até que o produto da Apple esteja numa prateleira para ser comercializado (seja ela física ou online) são diretamente afetados por isso.

Há algum tempo o leitor Marcus Flavius Damasceno tinha nos dado a ideia de fazer um comparativo entre os reajustes dos produtos da Apple aqui no Brasil e a disparada do dólar, para averiguar se a empresa está apenas corrigindo os preços de acordo com a variação da moeda ou se há um aumento real de preços (subida maior que a variação cambial). Pois nós investigamos isso, utilizando quatro produtos como exemplo:

Gráfico comparando os preços da Apple no Brasil

Repare que as curvas de preços dos produtos não diferem tanto assim da do dólar.

Abaixo, a representação percentual dessas variações (tanto do dólar quanto dos produtos):

Gráfico comparando os preços da Apple no Brasil

As variações totais (novembro de 2013 a novembro de 2015) ficaram assim:

  • Dólar: aumento de 78,4%
  • iPod nano: aumento de 55,3%
  • iPad: aumento de 94,3%
  • iPhone: aumento de 66,7%
  • MacBook Air: aumento de 107,3%

Comparando diretamente com a aumento do dólar, o iPad e o MacBook Air destoam enquanto o iPod e o iPhone ficam até abaixo. Sem querer puxar sardinha para a Apple, mas essa comparação acaba sendo injusta pois, como disse acima, não leva em consideração impostos (que podem variar a depender do produto) e serviços cuja inflação do nosso país influenciam diretamente (frete, seguro, etc.). Para completar, por conta da volatilidade atual da moeda americana, a Apple Brasil certamente dá uma boa margem na hora de definir os preços, do contrário teria que fazer reajustes de mês em mês.

Já no gráfico abaixo nós pegamos o valor dos produtos em reais e dividimos pela cotação do dólar de cada época, chegando assim ao “valor em dólar” que pagamos aqui:

Gráfico comparando os preços da Apple no Brasil

Este gráfico é interessante pois nos mostra que, convertendo o valor em reais para dólares, temos o iPod nano e o iPhone mais baratos (nesse período de três anos de comparativo); por outro lado, o iPad e o MacBook Air mais caros do período.

Pegando o valor mínimo e máximo dos produtos durante esses três anos, temos a seguinte variação:

  • iPod nano: US$61,49
  • iPad: US$123,99
  • iPhone: US$212,06
  • MacBook Air: US$386,80

Para montar esses gráficos, utilizamos como base a data atual e fomos voltando no tempo de seis em seis meses, analisando os preços e a cotação do dólar na época. Isso não quer dizer que os preços dos produtos aumentaram exatamente nos períodos destacados por nós. A ideia dos gráficos é apenas ter um panorama dos preços e do dólar nesses três anos.

Daria para a Apple melhorar os preços no Brasil? Imagino que sim. Arriscaria dizer que com certeza sim, seja diminuindo a sua margem de lucro ou, quem sabe, instalando de vez fábricas para diversos produtos (não apenas iPhones e iPads), ganhando incentivos que podem eventualmente ser repassados para consumidores.

Há algumas semanas o leitor Bruno Coelho Leuenroth nos enviou um email e levantou pontos interessantíssimos para essa discussão. A Apple tem um lucro abusivo no Brasil? Lucro é lucro e quando ele não reflete o valor que as pessoas enxergam naquele produto, elas simplesmente deixam de comprar. Ao que parece, isso ainda não aconteceu com a Apple aqui.

Fazendo um paralelo um pouco surreal — mas necessário para o entendimento disso tudo —, imagine a vida de um desenvolvedor independente, pequeno. Vamos afunilar mais: desenvolvedor independente e brasileiro, atuando basicamente no mercado nacional e com aplicativos disponíveis apenas na App Store. Imaginemos que ele tenha diversos apps à venda por US$4,99 cada. Esse aumento do dólar deve ter mexido bastante com a vida dessa pessoa, afinal, em “pouco tempo” o produto dele custava R$12,50 e passou para R$20,00 por conta da variação do dólar.

Muito provavelmente esse desenvolvedor teve que rever seus conceitos e abaixar os preços dos seus apps para continuar vendendo no ritmo necessário. Era a vontade dele? Provavelmente não, mas, se ele não fizesse isso, as consequências poderiam ser desastrosas.

Esse paralelo pode ser feito com diversas empresas, mas não com a Apple. Ela não sofre com isso pois as leis de oferta/procura favorecem totalmente a empresa. Estamos falando de uma companhia que, durante boa parte do ano, não consegue produzir a quantidade de produtos que as pessoas desejam comprar — ver a Apple demorando meses e mais meses para regularizar os estoques não é algo incomum. Ela simplesmente não precisa disso (abaixar os preços), afinal, como explicar para os acionistas que a empresa diminuirá bem a sua margem num país específico (que definitivamente ainda não é tão representativo nas contas da Maçã) ao mesmo tempo em que não consegue acompanhar a demanda por produtos no mundo?

Investir no Brasil sem dúvida é uma opção. Mas pare e pense: você faria isso? Você investiria a longo prazo num país como o nosso, que se afunda numa instabilidade econômica com as suas próprias pernas? Um país que, de acordo com o FMI, terá uma queda de 3% na economia e que prevê um orçamento para 2016 com déficit de mais de R$30 bilhões?

Se você fosse Tim Cook ou Luca Maestri (CEO e CFO da Maçã, respectivamente), vendo a sua empresa crescer 28% no último ano fiscal, com recordes atrás de recordes, estaria preocupado com o Brasil?

Em 2010, Washington Fajardo (na época à frente da Secretaria do Patrimônio do Rio de Janeiro) havia convidado Steve Jobs para abrir a primeira loja da Apple no Brasil (no Rio de Janeiro — na Zona Portuária ou em um prédio histórico no Centro). O falecido cofundador da Apple recusou o convite:

Não podemos nem exportar os nossos produtos com a política maluca de taxação super-alta do Brasil. Isso faz com que seja muito pouco atraente investir no país. Muitas empresas high tech se sentem assim.

De lá para cá algumas coisas mudaram — a Apple inclusive já abriu duas lojas em nosso país. Todavia, é simplesmente impossível negar que a frase de Jobs continua muito, mas muito atual.

É clichê, mas infelizmente o desejo de termos bons preços de produtos Apple em nosso país depende muito mais da estabilidade, da força da nossa economia, do que da Apple em si. Enquanto o Brasil está numa crise, com a sua moeda desvalorizada, aumentando impostos de importação e juros, com inflação lá em cima, etc., a Apple vai muito bem e não enxerga a menor necessidade de fazer “caridade” para nós, brasileiros — ainda mais porque nós continuamos comprando ativamente os seus produtos.

Notas de rodapé

  • 1
    Com uma certa gordura, é claro — então ficaremos nos R$4,00).
  • 2
    Impostos, seguros, fretes, etc.
  • 3
    Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

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