O Today at Apple é uma das novidades mais legais introduzidas pela Apple para as suas lojas durante o reinado de Angela Ahrendts: as sessões com profissionais e artistas de várias áreas (que ganharam um banho de loja recentemente, aliás) são enriquecedoras e utilizam os produtos e serviços da Maçã de forma útil e natural. Por debaixo dessa aura de colaboração e aprendizado, entretanto, pode estar escondida uma verdade inconveniente.
O site KQED publicou ontem uma reportagem ouvindo alguns artistas que já lideraram sessões do Today at Apple, e eles não estão nem um pouco satisfeitos: em vez de pagar os especialistas com dinheiro, como em qualquer relação comercial, a Maçã está simplesmente dando alguns produtos da própria loja a eles e considerando a conta fechada.
Uma das histórias compartilhadas é a da dramaturga californiana Ayodele Nzinga, que ministrou algumas sessões do programa na cidade de Oakland durante as comemorações do Mês da História Negra. Durante a exposição, ela recebeu uma série de artistas ainda lutando para despontar no pujante cenário cultural da Califórnia, mas nenhum deles recebeu um pagamento “real” — em vez disso, a Apple simplesmente orientou que eles escolhessem entre um Apple Watch Series 3, um par de AirPods ou uma Apple TV para levar para casa.
Onze outros artistas, no geral de contextos sub-representados e comunidades menos favorecidas, também falaram com a reportagem e relataram a mesma prática por parte da Maçã, sempre nas lojas da Califórnia. Não se sabe se o “pseudo-pagamento” é adotado em outras localidades.
A exposição da prática levanta um debate importante sobre a visão que temos sobre os artistas e seus ofícios. Claro, eles não estão saindo da Apple de mãos vazias — e podem, inclusive, vender os aparelhos para “transformá-los” em dinheiro real. A questão é que a atitude da Apple reforça uma ideia antiga (e incorreta) de que artistas “lutando por um espaço” devem aceitar trabalhos com pagamentos ruins ou “alternativos” simplesmente porque ter um espaço para exibir a sua arte já seria compensação suficiente.
Artistas, é bom lembrar, são seres humanos que precisam morar em um lugar e comer — e eu duvido que um par de AirPods seja aceito como forma de pagamento no supermercado da esquina.
Pior ainda, os artistas que participam do Today at Apple quase não recebem exposição por parte da Maçã: em vez disso, eles mesmos precisam recorrer às suas redes sociais para divulgar as sessões que ministrarão, já que a empresa não move uma palha para fazê-lo. A única ação por parte da Apple é enviar aos artistas um banner, contendo algumas das suas imagens promocionais, já pronto para ser divulgado no Instagram.
Artistas que se apresentam ou participam do Today at Apple reclamam que o engajamento do público é nulo, assim como a exposição do seu trabalho. Um agente de músicos ouvido pela reportagem afirmou que nenhum dos seus clientes voltou a se apresentar nas lojas da Maçã, já que a atividade toda consistiu apenas em “tocar para clientes que estavam lá para trocar seus iPhones, em vez de uma plateia interessada”.
Se vocês bem se lembram, uma polêmica parecida atingiu a Apple no início do ano, quando a empresa anunciou seu primeiro concurso oficial de fotografias tiradas com iPhones: inicialmente, não havia um pagamento previsto aos vencedores — a compensação seria apenas a exposição das suas fotos nos canais oficiais da Maçã. Após uma forte reação negativa nas redes sociais, entretanto, a companhia resolveu voltar atrás e pagar os vencedores.
Com essa reportagem, esperamos, o mesmo ocorrerá com os artistas do Today at Apple. Não é como se Tim Cook e sua turma estivessem com dinheiro faltando, afinal de contas.
via 9to5Mac