A polêmica em torno das supostas práticas abusivas da App Store está fervendo. Agora há pouco, trouxemos a rejeição definitiva do aplicativo de email HEY, da Basecamp, e as justificativas da Apple — por meio do seu vice-presidente sênior de marketing global, Phil Schiller — para o posicionamento.
A coisa não pára por aí, entretanto. Após as críticas iniciais da Basecamp, realizadas anteontem, outras desenvolvedoras resolveram também se pronunciar — e reforçar o coro de críticas em relação às práticas anticompetitivas supostamente aplicadas pela Maçã.
Uma das declarações veio de Tim Sweeney, CEO1Chief executive officer, ou diretor executivo. da Epic Games — um nome importante do mundo dos jogos que, semanas atrás, ventilou a ideia de levar a sua loja de games para o iOS. No Twitter, Sweeney deixou subentendido que a Apple oferece benefícios especiais para desenvolvedoras maiores ou mais importantes (o que explicaria os problemas com a Basecamp, que supostamente não estaria nesse seleto grupo):
Outra empresa importante a se pronunciar foi a Match Group, matriz de uma série de aplicativos de namoro, como Tinder, OKCupid e Match. Ao Axios, a companhia afirmou que a Apple se aproveita da sua força no mundo tecnológico para forçar desenvolvedores menores a compartilhar sua receita, enquanto o mesmo não se aplica a empresas maiores. O comunicado diz o seguinte:
A Apple é uma parceira, mas também uma plataforma dominante cujas ações forçam a grande maioria dos consumidores a pagar mais por aplicativos de terceiros que ela mesma define, arbitrariamente, como “serviços digitais”. A Apple junta indústrias como a de ebooks, a de streaming de música e vídeo, a de armazenamento na nuvem, a de jogos e a de namoros online, todas no mesmo bolo, para receber 30% da sua receita — o que se torna ainda mais alarmante quando a própria Apple começa a competir nessas categorias, como já vimos várias vezes.
Eles afirmam que nós estamos pedindo uma “mamata” quando, na verdade, os “serviços digitais” são a única categoria de aplicativos que precisam pagar as taxas da App Store. A grande maioria dos aplicativos, incluindo gigantes da internet que conectam pessoas (apps de carona ou da gig economy) ou ganham dinheiro vendendo anúncios (redes sociais), nunca precisaram se sujeitar às tarifas e aos sistemas de pagamento da Apple, o que não é certo. Nós queremos a oportunidade de discutir isso com a Apple e criar uma distribuição mais justa das tarifas por toda a App Store, e expandir essa discussão para as partes interessadas na União Europeia e nos Estados Unidos.
Já a Rogue Amoeba, desenvolvedora de aplicativos de áudio bastante elogiados para o macOS (como o Airfoil, o Audio Hijack e o Piezo), fez uma longa thread no Twitter compartilhando vários casos de supostos abusos praticados pela Apple desde 2008! Seguem algumas das histórias:
Ou seja: no fim das contas, concordando ou não com o posicionamento dos desenvolvedores, as reivindicações fazem algum sentido. No artigo que traz a entrevista de Phil Schiller, no TechCrunch, o jornalista Matthew Panzarino instiga uma reflexão importante: de acordo com Schiller, o HEY de fato viola regras da App Store — resta decidir se essas regras são de fato justas.
Microsoft apoia supervisão
Em meio a toda a controvérsia, a Microsoft também resolveu pronunciar-se — não criticando diretamente a Apple, mas mostrando-se favorável à supervisão de órgãos reguladores nas lojas de aplicativos em geral.
A gigante de Redmond não é uma das empresas na mira da Comissão Europeia — a investigação está concentrada na Apple, na Amazon, no Google e no Facebook; ainda assim (ou… talvez por isso), a empresa definiu publicamente sua posição. O presidente da Microsoft, Brad Smith, afirmou que é necessário construir uma conversa mais “focada” acerca da natureza das lojas de aplicativos.
De acordo com a Bloomberg2Matéria fechada para assinantes., essas foram as palavras de Smith:
Eles [os donos das lojas] impõem requerimentos que, cada vez mais, deixam claro que só há uma forma de entrar naquela plataforma: passando pelos portões que eles mesmos criaram. Em alguns casos, eles colocam um preço muito alto nessa tarifa — até 30% da sua receita precisa ir para o guardião do pedágio.
Chegou a hora, quer estejamos falando dos Estados Unidos ou da União Europeia, de termos uma conversa muito mais focada sobre a natureza das lojas de aplicativos, as regras que estão sendo impostas, os preços e as tarifas que estão sendo aplicados e se realmente há uma justificativa para as leis antitruste.
Smith lembrou, ainda, que o Windows foi alvo de uma investigação antitruste na década de 1990, que acabou virando uma ação judicial perdida pela Microsoft. O executivo notou que as regras do Windows, à época, eram bem mais brandas do que as diretrizes impostas pelas lojas de aplicativos de hoje.
Facebook Gaming barrado
O Facebook, por sua vez, é ao mesmo tempo investigado e, digamos, vítima. Como informou o New York Times, a equipe de aprovação da App Store já rejeitou ao menos cinco vezes(!) o aplicativo Facebook Gaming, anunciado em abril passado.
O aplicativo, que faz parte da plataforma de jogos da gigante de Mark Zuckerberg, permite que usuários assistam ao streaming da jogatina de outros usuários, reúnam conquistas/distintivos, conectem-se com os amigos e mesmo divirtam-se com alguns joguinhos próprios — vários deles já presentes no Facebook Messenger e em outros apps da empresa.
O aplicativo do Facebook Gaming já está disponível no Google Play há alguns meses, mas a Apple manteve o pé firme: após cinco tentativas de aprovação desde fevereiro passado, a Maçã negou definitivamente a entrada do software na App Store. A justificativa oficial é que as regras da loja proíbem aplicativos cuja “função principal” é distribuir jogos casuais.
O Facebook, claro, discorda do julgamento: segundo os desenvolvedores do app, os joguinhos casuais são apenas um aspecto do aplicativo e ele serve a um punhado de outros propósitos (como os supracitados). A gigante de Mark Zuckerberg não se pronunciou sobre o caso, mas fontes afirmam que, em último caso, o app terá os joguinhos casuais removidos no iOS para que possa entrar na plataforma.
É fácil imaginar que a Apple veja o Facebook Gaming como um competidor da própria App Store ou do Apple Arcade; por outro lado, a notícia inflama ainda mais os desenvolvedores que apontam práticas abusivas e decisões arbitrárias por parte da empresa.
Vejamos, portanto, no que isso tudo vai dar. Uma coisa é certa: a menos de uma semana do seu evento para desenvolvedores, a Apple se meteu numa polêmica de proporções formidáveis… justamente com eles. Que timing, hein?
Notas de rodapé
- 1Chief executive officer, ou diretor executivo.
- 2Matéria fechada para assinantes.