Quem acompanha a situação geopolítica internacional certamente tem lido sobre o golpe militar em Mianmar, que destituiu o governo eleito, declarou estado de sítio, prendeu líderes políticos, bloqueou o espaço aéreo e interrompeu os dez anos de período democrático vividos pelo país. Para quem está por fora, aqui está um bom ponto de partida.
Além de todas as questões acima citadas, isso também representou um golpe e tanto para a internet no país: o novo governo bloqueou conexões e impediu, para boa parte da população, o acesso a uma série de sites estrangeiros. Agora, uma acusação grave colocou a Apple como parte conivente — ou mesmo atuante — nessa história.
Explico: o fundador da Proton Technologies, Andy Yen, publicou uma carta aberta direcionada à Apple acusando a empresa de bloquear atualizações do aplicativo ProtonVPN para iOS justamente num período tão crítico para a população de Mianmar.
VPNs, como já falamos aqui várias vezes, são redes privadas virtuais que “simulam” uma conexão em um outro lugar que não aquele onde você esteja. Além de benefícios de segurança e acesso a conteúdos geograficamente bloqueados, VPNs também são muito utilizadas por pessoas em países com a internet cerceada, justamente para “enganar” os bloqueios e acessar sites e domínios proibidos — a própria ONU recomendou que os cidadãos de Mianmar recorressem ao ProtonMail e ao Signal para denunciar os atos antidemocráticos no país, inclusive.
Yen citou diversos casos nos quais os serviços da empresa, como o ProtonMail e a própria ProtonVPN, ajudaram cidadãos de vários países e territórios, de Hong Kong até Belarus. Nas palavras do executivo, a Apple está tomando um posicionamento antidemocrático e prejudicial aos direitos humanos ao bloquear as atualizações de segurança do app — isso poucas semanas após o uso da ProtonVPN crescer 250x somente entre a população de Mianmar.
A justificativa da Apple para bloquear as atualizações foi um trecho da descrição do aplicativo que dizia o seguinte:
Seja desafiando governos, educando o público ou treinando jornalistas, nós temos um longo histórico de ajudar a levar liberdade online para mais gente ao redor do mundo.
Em resposta ao trecho, a equipe de aprovação da App Store citou a diretriz 5.4 da loja e afirmou o seguinte num email aos desenvolvedores:
Para resolver o problema, por favor certifique-se de que o app não é apresentado de uma forma que encoraje usuários a escapar de georrestrições ou limitações de conteúdo.
A questão é que, segundo Yen, a frase considerada “problemática” pela Apple já estava na descrição da ProtonVPN há meses — e bloquear as atualizações do aplicativo justamente num momento sensível para toda uma nação seria no mínimo insensível (ou pior, suspeito). Além disso, a Maçã exige que a frase seja removida em todos os países onde o aplicativo está disponível, algo que o executivo não está disposto a fazer.
Yen citou ainda outras atitudes da Apple consideradas antidemocráticas, como o bloqueio de aplicativos utilizados pela população de Hong Kong para marcar protestos, bem como uma suposta hipocrisia por parte da gigante de Cupertino — segundo o executivo, a Maçã não teria problemas em desafiar governos para evitar taxas da União Europeia ou outros assuntos de interesse próprio, mas quando é uma outra empresa que o faz, por razões ligadas aos direitos humanos, começam a surgir os problemas.
A questão ainda não está resolvida e a Apple não se pronunciou oficialmente após a publicação da carta. Por aqui, ficaremos de olho.
via MacRumors
Atualização, por Rafael Fischmann25/03/2021 às 07:52
Em resposta à polêmica, a Apple deu a seguinte declaração ao 9to5Mac:
Todos os aplicativos feitos pela Proton, incluindo o ProtonVPN, permanecem disponíveis para download em Mianmar. Aprovamos a versão mais recente do ProtonVPN em 19 de março. Após essa aprovação, a Proton optou por agendar o lançamento de sua atualização, disponibilizando-a em 21 de março e, posteriormente, publicando sua postagem no blog em 23 de março.
Se foi isso mesmo, os caras fizeram um baita alarde à toa.