O melhor pedaço da Maçã.

Apple e seu fracasso com alto-falantes: do iPod Hi-Fi ao HomePod

Quais seriam os motivos para dois alto-falantes da Maçã terem sido descontinuados nos últimos anos?
iPod Hi-Fi e HomePod

A Apple sempre teve uma relação fortíssima com a música. Desde a introdução do primeiríssimo iPod, lá em 2001, a empresa manteve uma linha de produtos focada no mercado musical em concomitância a serviços como o iTunes e, mais recentemente, o Apple Music — passando pelos iPods e EarPods até chegarmos ao iPhone e aos AirPods.

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Todavia, apesar do sucesso estrondoso da sua família de aparelhos musicais — em especial o iPod e, mais recentemente, os AirPods —, a Maçã nunca viu as suas investidas no mercado de alto-falantes se tornarem algo realmente digno da palavra “sucesso”.

Há algumas semanas, presenciamos o iPod comemorar seu vigésimo aniversário. E, na direção contrária, durante as últimas duas décadas, presenciamos o lançamento e a descontinuação de dois alto-falantes dedicados da Maçã: o iPod Hi-Fi (em 2007) e o HomePod original (no início deste ano).

Tratam-se de dois alto-falantes que não viveram ou venderam o suficiente para serem considerados um sucesso (nos padrões da Apple, claro). E por isso mesmo, muitos perguntam: por que será que as duas investidas da Maçã no mercado de alto-falantes não deram certo?

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A maioria de nós, pessoas investidas no mundo da tecnologia, pelo menos imagina os motivos os quais levaram a Apple a descontinuar o HomePod original — algo bem mais recente na história da empresa do que o iPod Hi-Fi. Porém, neste artigo, exploraremos a trajetória e a relação conflitante da Maçã com os seus alto-falantes e as semelhanças entre os dois modelos — para que possamos delinear ou ao menos tentar entender os motivos pelos quais ambas as suas tentativas neste mercado não obtiveram o sucesso esperado.

Anos 2000 e o sucesso do iPod

Falar que o iPod foi um sucesso soa até como um eufemismo. Isso porque o iPod e suas subsequentes gerações e modelos (classic, mini, nano, shuffle e touch) ditaram a moda e o estilo de grande parte dos anos 2000.

Seu design retrô e descolado, junto aos seus fones de ouvidos branquinhos, os tornaram produtos reconhecíveis de longe, e transformaram a Apple em não mais uma empresa de computadores, mas sim de aparelhos portáteis e vestíveis.

iPods

Para se ter uma ideia, em 2006, cerca de 40% da receita da Maçã provinha da venda de iPods — com a empresa vendendo 40 milhões de unidades ao ano. Claro que esse número não chega aos pés do volume de vendas do iPhone, mas a Apple também era uma empresa muito menor na época — então, é de se esperar que ela tentasse tirar o máximo proveito possível desse mercado.

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Ela estava mesmo se tornando uma companhia de aparelhos móveis, e é por isso que o seu próximo passo me parece um tanto quanto às avessas. Após o sucesso absoluto da sua linha de tocadores portáteis, em 2006, a Maçã resolveu seguir uma estratégia contrária e levar a experiência de uso dos iPods para a casa de consumidores. A sua aposta foi o iPod Hi-Fi — um alto-falante de alta qualidade integrado aos iPods da época.

A ideia era simples: bastava conectar um iPod ao conector de 30 pinos na parte superior do alto-falante e aproveitar o som de “alta qualidade” do aparelho. Nas palavras do próprio Steve Jobs, o iPod Hi-Fi era “um home stereo reinventado para a era do iPod”.

O iPod Hi-Fi e sua premissa

Para pôr seu lançamento em perspectiva, o iPod Hi-Fi foi apresentado em fevereiro de 2006, em um evento conduzido por Steve, no qual ele apresentou o alto-falante junto ao primeiríssimo Mac mini com processador Intel e cases de couro para os iPods. E por falar em iPods, a linha na época era composta pelo iPod de quinta geração (também conhecido como iPod video) e pelos iPods nano e shuffle de primeira geração.

iPod Hi-Fi

Durante a apresentação, Steve comparou o iPod Hi-Fi com ofertas da Bose e de outras empresas na casa dos US$1.000. Contudo, nem isso foi capaz de animar a plateia ao ouvir o preço de US$350 cobrado pelo iPod Hi-Fi — um valor que, apesar de abaixo dos comparativos de Jobs, ainda representava uma grande barreira para quem quisesse apenas um alto-falante para o seu iPod.

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No entanto, o preço alto não foi seu único problema. Com a designação “Hi-Fi” em seu nome, muitos especialistas e audiófilos correram para testar o alto-falante e dar seu veredito. E, apesar de possuir um sistema competente escondido por atrás da sua grade frontal removível (incluindo dois drivers de médio alcance de 80mm e um woofer de 130mm), o resultado não impressionou muitos — com a maioria dizendo que o som não era condizente com o valor cobrado.

Além do mal posicionamento, o iPod Hi-Fi foi criticado pela falta de funcionalidade do seu controle remoto (o mesmo utilizado em iMacs — sim, iMacs vinham com um controle na época), a falta de suporte a rádios AM/FM (muito comuns na época) e o seu peso excessivo, principalmente quando as baterias destinadas ao seu uso ao ar livre eram conectadas, totalizando mais de 6kg.

Além disso, por não contar com um botão liga/desliga, o iPod Hi-Fi continuava a drenar energia, mesmo quando estava sendo alimentado pelas baterias externas — à la AirPods Max. 🤪

Anos recentes e a sombra do sucesso

Não é difícil de prever, então, que o iPod Hi-Fi não durou muito tempo. Em setembro de 2007, só alguns meses após o lançamento do primeiro iPhone, o alto-falante foi descontinuado. A jornada musical da Apple, contudo, seguiu em frente sem uma oferta para a sala de estar — focando em somente colocar músicas nos bolsos dos consumidores.

Os anos seguintes à introdução do iPhone, porém, modificaram de forma radical a maneira como usuários enxergavam iPods. Com o crescimento dos smartphones, já no início da década (em 2010), os reprodutores de música dedicados já estavam perdendo espaço a passos largos. Tanto é que, a partir de 2011, a Apple deixou de atualizar seus iPods anualmente — tornando esses updates cada vez mais espaçados entre si.

Todavia, o crescimento dos smartphones também significou o surgimento de novos mercados tanto para a Apple quanto para suas concorrentes. As tecnologias sem fio e on demand foram se tornando a norma e, por volta de 2015, serviços de streaming de músicas como o Spotify já tinham caído no gosto dos clientes.

Tanto é que, no mesmo ano, a Apple sinalizou mais uma mudança na sua estratégia musical: a introdução do Apple Music — algo que selou com chave de ouro a predominância do streaming sob músicas compradas e baixadas localmente pelo iTunes. E foi exatamente nesse conjuntura que o conceito de um novo alto-falante floresceu.

HomePod e a sua premissa

Então, em 2017, Phil Schiller (ex-vice-presidente sênior de marketing mundial da Maçã e atual Apple Fellow) subiu ao palco da WWDC17 para apresentar ao mundo o HomePod — um alto-falante que se conectava ao iPhone e lhe permitia aproveitar de forma totalmente sem fio as, hoje, mais de 90 milhões de músicas disponíveis na biblioteca do Apple Music.

Apple Music no Apple Watch, no iPhone X e no HomePod

Mas o HomePod não se limitou somente a isso, não. A ideia era que o alto-falante também competisse com ofertas de smart speakers da Amazon, do Google e de outras fabricantes, com o diferencial de prover uma qualidade sonora muito superior.

Neste quesito, o HomePod realmente não fez feio, oferecendo uma qualidade de som extremamente satisfatória — porém, vale notar, não no nível que os audiófilos gostariam. Com sete tweeters nas laterais e um woofer na parte superior, o HomePod visava trazer uma experiência de som 360º.

HomePod

O ponto em que ele pecou, na verdade, foi exatamente onde sabemos que está uma das maiores fraquezas da Apple: a Siri. Pois é, convenhamos que ela não é das assistentes mais espertas, né? E, por isso, o HomePod não foi capaz de competir lado a lado com alto-falantes inteligentes rodando o Google Assistente ou a Alexa — os quais, na maioria dos casos, são muito mais capazes do que a Siri.

Além disso, as restrições de idioma da Siri fizeram com que o HomePod fosse vendido em pouquíssimos países — algo que, é claro, diminuiu bastante seu mercado. Por fim, o HomePod não demonstrou vendas muito significativas e, em março deste ano, a Apple o descontinuou oficialmente o alto-falante.

Para termos uma ideia do quão fracas foram as vendas, no fim de sua vida, após anunciar que o produto seria descontinuado ao fim dos estoques, ainda tinha gente comprando HomePod do lote inicial de fabricação, de anos atrás!

Similaridades

Bom, agora que já falamos especificamente do iPod Hi-Fi e do HomePod, é hora de entender algumas de suas similaridades. O que ambos têm em comum, além do fato de serem alto-falantes feitos pela Apple?

Design

Bom, para começar, ambos possuem um design superminimalista, daqueles que a Apple é craque em fazer!

O iPod Hi-Fi pega emprestado algumas características dos iPods (como seu corpo em policarbonato branco), mas chama atenção por conta da sua grade removível na cor preta — algo que permitia esconder seus alto-falantes e deixava todo o sistema com um ar industrial e dual tone.

O HomePod, por sua vez, segue uma direção contrária, e é basicamente um cilindro envolto em um tecido de malha o qual esconde o seu sistema de som multidirecional. A ausência de ângulos retos retoma o design do Mac Pro de 2013 (ou “lata de lixo”, como preferir) e dá ao sistema um ar futurista.

Ou seja, ambos procuravam ao máximo se abster de muitos elementos que pudessem tirar o foco da sua simplicidade para se integrar da forma mais orgânica possível ao ambiente escolhido. Tanto é que, para ambos, a Apple sempre procurou demonstrá-los em ambientes caseiros.

Qualidade sonora para além de usuários comuns

Me abstive de colocar “som da mais alta qualidade” neste título pois, pelo menos para alguns, isso ainda está aberto ao debate.

Porém, é inegável que ambos os alto-falantes possuíam sistemas de áudio com qualidade satisfatória para a maioria dos usuários — tanto é que usuários comuns poderiam até não usufruir de toda a potência de seus alto-falantes, e isso pode até ter sido um dos motivos para seus destinos — mais sobre isso à frente.

Preço

Todo esse sistema de áudio, com certeza, trouxe consequências para o preço de ambos. Tanto o iPod Hi-Fi quanto o HomePod foram vendidos inicialmente por US$350 — um valor um tanto salgado para muitos usuários. E isso, é claro, é uma de suas principais falhas. E por falar nelas…

Falhas em comum

Bom, apesar dos exatos dez anos de diferença entre a descontinuação do iPod Hi-Fi e a introdução do HomePod, ambos os alto-falantes possuem uma extensa lista de problemas em comum os quais podem explicar, pelo menos em parte, os motivos para as suas “evitáveis” mortes.

Posicionamento

A primeira delas foi o seu posicionamento. Custando inicialmente US$350 (o HomePod depois caiu para US$300), eram caros demais para os mercados que estavam tentando atingir.

O iPod Hi-Fi era caro demais para ser um alto-falante dedicado para os iPods; já o HomePod, caro demais para um alto-falante inteligente.

Público-alvo

Assim como o posicionamento no quesito preço, o público-alvo de ambos os aparelhos nunca foi dos mais cativos. Tanto o iPod Hi-Fi quanto o HomePod tentaram atender a um público intermediário, entre o usuário comum e o audiófilo — mas, para o primeiro, o valor cobrado não se justificava; já para o segundo, a qualidade sonora saía prejudicada.

Ou seja, em grande parte, ambos não agradavam nem seu público-alvo, visto que ele não era bem definido.

Falta de integração

Os dois alto-falantes foram desenhados para se integrarem perfeitamente aos produtos Apple, e nada além disso! Assim sendo, de cara, o público-alvo de ambos já diminuía drasticamente. E, apesar de isso não ter sido um problema grande para o iPod Hi-Fi (visto que o iPod dominava 78% do mercado de MP3 players em 2006), ele pode ter afetado o HomePod.

Além da incompatibilidade com dispositivos Android e Windows, o HomePod também era bem limitado no quesito streaming. Não é possível tocar músicas via Bluetooth (somente via AirPlay) e a integração com serviços de terceiros (apesar de existente) é bem precária — ainda não chega aos pés da integração do Apple Music.

E isso, na verdade, já deixou até de ser um problema específico da Maçã. Já faz mais de um ano desde que a Apple começou a permitir que serviços de música de terceiros se integrem de forma nativa ao HomePod, mas até agora nada de o Spotify implementar esse bendito suporte — algo que tem irritado bastante alguns usuários, diga-se.

Um futuro longe de promessas?

Todos estes problemas, é claro, poderiam ter sido evitados, mas foram essenciais para a Apple chegar onde está hoje. Em ambos os casos, a empresa procurava trazer uma experiência talvez até simples demais, mas que, no fim das contas, acabou limitando severamente seus usuários.

Parece que, com seus últimos lançamentos, a Apple vem aprendendo com seus erros e consertando algumas burradas que fez no passado. Um exemplo recente foi a remoção da Touch Bar, e o retorno das teclas de função e portas dedicadas no MacBook Pro — algo que, há alguns anos, acharíamos impossível que ela fizesse.

E, apesar do fracasso do HomePod original, nos últimos anos a Apple vem tendo um sucesso estrondoso com a sua linha de AirPods, por exemplo. Será que ela não poderia tirar uma página desse livro para os HomePods? Talvez trazendo uma maior variedade de tamanhos e formatos, dedicados para públicos diferentes, tal como ela faz com os AirPods tradicionais, Pro e Max?

Mão transferindo música de um iPhone para um HomePod mini azul

Ou, então, pegar uma página do próprio HomePod mini — o qual tem tido um sucesso desde o seu lançamento, por conta da sua combinação perfeita entre preço e qualidade sonora — com algumas funções inteligentes de quebra.

Agora, basta a Apple acertar na receita de um modelo maior. Talvez um que não seja dedicado a audiófilos, mas sim àqueles que curtem um som de boa qualidade (sem extremismos) e com um preço palatável para a maioria dos consumidores. Particularmente, acho que a marca dos US$200 seria perfeita para isso.

Caso queira, ela poderia, inclusive, trazer um modelo maior e ainda mais caro. Esse sim, com um sistema de som voltado para audiófilos e com um preço à la AirPods Max. Dessa forma, ela conseguiria ter um público definido para cada modelo da linha.

HomePod mini e HomePod

Além disso, agora com a chegada do plano de voz do Apple Music, seria ideal que o HomePod ganhasse idiomas adicionais (português, por favor!) e que a Siri recebesse muitas melhorias — respostas rápidas e mais contextualizadas já seriam um começo. Afinal de contas, a Apple precisa decidir se ela quer que o HomePod seja mais um assistente virtual ou um alto-falante — ou, então, um muito bom em ambos.

No entanto, levando em consideração o passado conturbado da Maçã quando se trata de alto-falantes, será que ela é capaz de aprender com os seus erros e construir uma família saudável de caixas de som? Só o tempo dirá…

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