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MacBook e alumínio

Como a Apple fez o mundo se apaixonar pelo alumínio

Autor(a) convidado(a)

Marcos Daniel Vozer Felisberto

Cientista de materiais, especialista em nanotecnologia com foco em grafeno. Apaixonado pela Maçã desde 2006, quando comprou um iBook G3 Bondi Blue. Usa diariamente um iMac Intel 2010, mas gosta mesmo é da sua coleção de Macs PowerPC.

Se você teve contato com algum computador nos anos 1990, é provável que tenha sido algo parecido com o da foto abaixo. Um retângulo bege em aço galvanizado, que na parte frontal trazia um drive de disquete de 31/2” e um CD-ROM. Ele tinha três botões principais: um liga/desliga, um reset e aquilo que hoje sabemos que deve ter sido um grande experimento de efeito placebo em larga escala: o botão “turbo”, que na prática não turbinava nada, apenas alternava o valor mostrado num pequeno display entre 100 e 120.

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Esse era o gabinete, e vinha acompanhado de caixas de som (ah, os saudosos kits multimídia), um mouse de no máximo dois botões (com aquela bolinha que, em prol da sua saúde mental, você tinha que limpar ao menos uma vez), um teclado que fazia barulho suficiente pra acordar quem estivesse dormindo no quarto ao lado, e um monitor CRT1Cathodic ray tube, ou tubo de raios catódicos., em geral de 14 polegadas e resolução de 800×600 pixels (ou 1024×768 pixels, mais no fim da década).

Tudo isso deveria estar sobre uma boa mesa, estável e resistente, para aguentar o peso do conjunto gabinete e monitor, que podia facilmente atingir os 25-30 quilos. E era isso. Podiam haver pequenas variações no estilo do gabinete, o hardware poderia ser diferente dentro de cada um, mas as características de forma, peso e cores eram essas. Não haviam muitas opções diferentes.

Os portáteis

No caso dos portáteis, os laptops — alguém ainda fala “laptop” hoje em dia? —, o cenário também não era muito diferente. Continuavam tendo um aspecto retangular, com as opções de cores variando entre preto e cinza.

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A diferença ficava no material usado na fabricação, em geral plásticos, já que precisavam ser leves para serem transportados. Os polímeros mais utilizados eram o policarbonato e o ABS, um copolímero obtido com a combinação de três polímeros diferentes: acrilonitrila, butadieno e estireno. O ABS é mais barato e, portanto, amplamente utilizado. Como tem boa resistência a impacto, é muito utilizado na fabricação das teclas. Entretanto, o ABS tem pouca resistência à luz UV e fica amarelado com o tempo — Retrobright nele!

O início das cores

A Apple começou a experimentar com cores e formas inicialmente nos seus portáteis. Na segunda metade dos anos 1990, os PowerBooks G3 já fugiam do estereótipo retangular, apresentando curvas pronunciadas na superfície e transparência no teclado. Mas foi a partir da volta de Steve Jobs à empresa, em 1997, e da sua relação com Jony Ive (até então apenas mais um membro do time de design), que a Apple passou a jogar não apenas com cores e geometrias, mas com materiais.

Jobs colocou Ive como chefe de design e, juntos, os dois passaram a criar produtos que não apenas foram um sucesso comercial, mas criaram novos padrões para a indústria do ponto de vista de engenharia dos materiais. O primeiro impacto da dupla sem dúvida, foi o iMac, lançado em 1998. Colorido, transparente, em um formato completamente diferente de tudo o que se tinha visto até então, o iMac salvou a Apple da falência e colocou a empresa de volta aos trilhos.

O plástico branco

O início dos anos 2000 trouxe uma nova tendência à Apple e sua linha de produtos passou a ser produzida predominantemente em plástico branco.

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Aqui, cabe um pequeno parênteses: parece trivial fazer seus produtos em plástico branco, mas não é. O branco é a cor mais difícil — e cara — de ser produzida por moldagem. Impurezas presentes no dióxido de titânio (TiO2), principal pigmento usado para a cor branca, tendem a reagir com o policarbonato durante a moldagem levando à degradação do polímero. Portanto, produzir seus dispositivos na cor branca e satisfazer os padrões de qualidade de Jobs e Ive foi um desafio tecnológico importante para a empresa.

Mas, apesar de a Apple se diferenciar dos demais fabricantes ao oferecer opções diversas de cores e formas em seus produtos, tudo ainda continuava a ser fabricado em policarbonato, o mesmo que o restante da indústria utilizava. A grande inovação em termos de materiais ainda estava por vir.

O titânio

Em janeiro de 2001, a Apple anunciou o PowerBook G4 Titanium. A case construída em titânio garantia rigidez e leveza ao notebook. Os notebooks “comuns” de policarbonato tinham uma aparência frágil e que torciam, flexionavam, faziam barulho, dependendo de onde você segurava. Uma case em metal conferia uma rigidez extraordinária ao notebook, o que se associa imediatamente a qualidade — além de apresentar uma aparência muito mais profissional.

PowerBook G4 Titanium
PowerBook G4 Titanium

O PowerBook G4 Titanium não era o primeiro notebook com a case em metal no mercado. A Sony já comercializava havia ao menos dois anos a linha Vaio Z505, um ultrabook com a case em liga de magnésio.

Sony Vaio

A Dell também utilizava o titânio, mas apenas como reforço estrutural, como pó adicionado ao plástico da case. Entretanto, notebooks com case em metal eram parte das chamadas linhas “premium” de cada fabricante. Somente os modelos topo-de-linha, mais caros, eram construídos em metal. Os modelos de entrada, mais acessíveis, continuavam a ser produzidos no bom e velho policarbonato.

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A Apple começaria a mudar isso em 2003, com o alumínio.

Bem-vindo, alumínio!

Utilizado inicialmente no PowerBook G4 de 12″, em 2003, rapidamente o alumínio entrou em toda a linha de produtos da Apple. Ainda em 2003, o Power Mac G5 saiu em alumínio; em 2004, o iPod mini (em cores!); em 2007, o iMac e o iPhone; em 2010 o iPad; em 2015, o Apple Watch.

O alumínio é mais leve que o titânio, muito mais barato e facilmente reciclado. Além disso, pode ser colorido por meio do processo de anodização, uma opção muito mais resistente e duradoura do que a pintura tradicional do metal. De fato, os PowerBooks de titânio eram pintados e essa pintura costumava riscar e descascar facilmente. A anodização é um processo químico que cria uma camada de óxido na superfície do alumínio.

Bem, para sermos exatos, o alumínio está sempre oxidado. Sempre que o alumínio entra em contato com oxigênio, ele sofre um processo de oxidação na superfície, que cria uma fina camada de óxido de poucos nanômetros (de 2nm a 3nm) de espessura. Essa camada de óxido é chamada de camada de passivação e acaba protegendo (passivando) o resto do alumínio da oxidação. Então, sempre que tocamos em qualquer peça de alumínio, na verdade, estamos entrando em contato com uma camada de óxido de alumínio — e não o alumínio em si.

O processo de anodização cria uma camada mais espessa de óxido, da ordem de micrômetros — 1.000 vezes mais espessa que a camada de passivação. Essa camada é bastante porosa e esses poros podem ser preenchidos com pigmentos e posteriormente fechados. Isso garante cores belíssimas e fortemente resistentes a riscos. O iPod mini de 2004, primeiro produto da Apple a vir em alumínio anodizado colorido, oferecia cinco opções de cores. A Apple precisou construir uma fábrica específica na China para criar as cases de alumínio anodizado na escala suficiente para garantir a produção do iPod mini. O próprio Jony Ive foi à China supervisionar a instalação da fábrica.

Hoje, todas as grandes fabricantes de computadores têm ao menos uma linha de produtos usando alumínio. A Apple não fez a demanda por alumínio crescer em escala global. O uso de alumínio em bens de consumo ainda é pequeno quando comparado a construção e transporte por exemplo.

Entretanto, a Apple foi a principal responsável por tornar o alumínio um sinônimo de qualidade na indústria de bens de consumo. A maneira como os consumidores enxergam o alumínio tem um antes e depois da Apple no início dos anos 2000. Um eletrônico feito em alumínio passou a trazer uma ideia de qualidade, de algo bem feito, algo construído para durar. E isso nem sempre foi assim.

A dificuldade na obtenção do alumínio

Apesar de ser o metal mais abundante da crosta terrestre, o alumínio é difícil de ser obtido a partir de seu mineral: a bauxita. É um processo tão complexo que somente no final do século XIX e começo do XX é que foi possível obter-se alumínio em grandes quantidades para sua comercialização.

A dificuldade da obtenção do alumínio fica evidente se pensarmos que milhares de anos atrás, ainda na pré-história, os primeiros hominídeos já exploravam o ferro, o cobre e o bronze para a fabricação de ferramentas e armas. No início da exploração do alumínio, quando o metal ainda era obtido em pequenas quantidades, era considerado um metal nobre e usado na fabricação de joias. O alumínio é leve, brilha como a prata, e pode ser facilmente moldado.

Por volta de 1900, ele começou a ser utilizado em panelas e utensílios de cozinha, substituindo rapidamente o ferro fundido e o cobre. O alumínio era mais leve, aquecia e resfriava rapidamente, e resistia melhor à corrosão.

Ainda no início do século XX, o alumínio começa a ser aplicado naquele que viria a ser seu principal mercado no futuro: o transporte. Surgem os primeiros carros e aviões que utilizavam alumínio em sua fabricação. A leveza dele começava a mostrar-se como um fator chave para a eficiência energética de sistemas de transporte.

O primeiro uso do alumínio em embalagem de comida surge em 1911, com o Toblerone. Em 1958, as primeiras cervejas vendidas em latas de alumínio começam a ser comercializadas. Em 1967, a Coca-Cola e a Pepsi começam a vender seus refrigerantes em latas de alumínio.

Lata de Coca-Cola

Ao longo do século XX, o alumínio continuou a ser amplamente aplicado a vários setores da indústria. A Segunda Guerra Mundial fez disparar o uso do alumínio na aviação militar e, posteriormente, comercial. O uso em trens e carros se intensificou, a construção civil se tornou o segundo principal setor da economia a utilizar alumínio e ele passou a substituir o cobre em linhas de transmissão de energia.

Ainda assim, o alumínio continuava a ser pouco aplicado em bens de consumo. Durante os anos 1980-90, salvo alguns utensílios de cozinha, bicicletas e brinquedos infantis, não tínhamos em nossas casas muitos itens feitos em alumínio. Foi a Apple quem começou a mudar isso, a partir de 2003.

Os desafios

Desde o início, a substituição do plástico por alumínio apresentou desafios do ponto de vista de engenharia. Um dos mais interessantes é o da luz de indicação de uso da webcam na primeira geração de MacBook Pro, em 2006. Uma pequena luz verde que se acendia somente quando a câmera estava em uso, e que do contrário permaneceria invisível.

Em uma peça de plástico semi-translúcida, isso seria relativamente simples de ser feito. Mas e em alumínio? Como fazer a luz brilhar atravessando uma peça de metal? A solução foi fazer pequenos furos a laser, de aproximadamente 20µm (micrômetros) de diâmetro. Isso é praticamente um terço da espessura de um fio de cabelo! Esses furos são tão pequenos que são invisíveis a olho nu, e desaparecem quando a luz indicadora está apagada. As fotos abaixo foram feitas no meu bom e velho MacBook Pro (early 2008). É muito provável que nos MacBooks atuais esses furos sejam ainda menores.

Furar metal com laser parece simples e trivial, mas não é. Ainda mais por volta de 2006, quando a Apple começou a usar essa técnica. Apesar de o laser já ser uma tecnologia utilizada para cortar metais desde meados de 1970, a ideia de furar metais com laser é bastante mais nova e só começou a ser desenvolvida por volta dos anos 1990.

A técnica consiste em concentrar o feixe de um laser de alta potência em uma pequena área da superfície do metal — algo similar ao concentrar a luz solar sobre um papel para queimá-lo. A energia se concentra em um pequeno ponto (spot), aumentando a temperatura a ponto de incendiar o papel. No caso da furação por laser, a energia concentrada é tão alta que é suficiente para vaporizar os átomos do metal, removendo camadas sucessivas de material até atravessar a espessura da peça.

Agora, você já deve ter notado que é mais fácil queimar um papel escuro com a lupa do que um papel branco. Isso porque, no caso do papel branco, grande parte da energia da luz é refletida e somente parte dela é absorvida pelo papel. Isso também acontece na furação de metais por laser, principalmente no alumínio. Grande parte da energia do laser é refletida para o meio e de volta pro sistema de lentes ópticas do próprio laser, podendo até causar danos ao equipamento.

Outra dificuldade para fazer furos a laser no alumínio é a sua condutividade térmica. Conduzir bem o calor pode ser ótimo quando se utiliza o alumínio como panela, mas é péssimo para furá-lo com laser. Isso porque é mais difícil concentrar todo o calor do feixe de laser somente no ponto em que se deseja furar. A energia do feixe de laser acaba sendo conduzida para fora da região do spot, diminuindo a temperatura local e dificultando a evaporação de material.

Esses são apenas alguns dos vários desafios tecnológicos que a Apple teve que enfrentar para produzir furos de dimensões microscópicas e com grande qualidade, como os produzidos nos MacBooks. Só havia uma empresa no mundo capaz de realizar tais furos no alumínio. Essa empresa acabou sendo adquirida pela Apple.

O uso do alumínio unibody

No início, o alumínio estava apenas substituindo o plástico e a Apple continuava a fabricar notebooks do jeito que toda a indústria fabricava.

Historicamente, computadores portáteis eram fabricados por múltiplas partes. Uma moldura interna, tipicamente de metal, servia de base para a fixação da placa-mãe, drive óptico e demais componentes. Externamente, várias peças como tampas, frames e bezels de plástico finalizavam a montagem. A união das partes se fazia através de um quebra-cabeças de parafusos e encaixes plásticos, que muitas vezes transformavam a desmontagem/montagem de um notebook para manutenção em uma tarefa hercúlea. Além disso, esse tipo de desenho e montagem faz com que o notebook tenha um aspecto frágil, com pouca rigidez.

O alumínio já dava aos portáteis da Apple uma boa diferença na rigidez e qualidade quando comparados aos demais notebooks em plástico no mercado — segure nas mãos um PowerBook G4 em alumínio, de 2001, e qualquer notebook barato de plástico fabricado em 2022 que você verá a diferença —, mas ainda havia como melhorar. Essa melhora viria em uma enorme inovação na maneira de se fabricar computadores.

Em 2008, a Apple apresentou sua nova linha de portáteis, com os MacBooks e MacBooks Pro unibody. No processo de fabricação unibody, o notebook é construído a partir de uma peça única de alumínio. Um bloco de alumínio é usinado para conter todos os furos, encaixes e pontos de fixação dos componentes internos. Depois de montado, o conjunto é fechado por uma única tampa inferior. Um pouco do processo de produção pode ser visto nesse vídeo divulgado pela própria Apple, no qual Ive explica as vantagens na produção unibody.

YouTube video

Comparado a seus predecessores, os MacBooks unibody são extremamente mais rígidos e ao mesmo tempo mais leves, já que contém menos partes em sua fabricação. Na keynote de lançamento dos MacBooks unibody, em outubro de 2008, Jobs revelou que os MacBooks unibody tinham 50% menos partes que as gerações anteriores. Isso é uma diferença brutal em um processo produtivo! Construir o mesmo produto (ou uma versão melhorada dele), com metades das peças utilizadas anteriormente, significa ganhos em redução de custo e produtividade.

https://www.youtube.com/watch?v=BnKbQPv5De0

Assim como fazer furos microscópicos a laser, usinar um bloco de alumínio para transformá-lo em um notebook também não é algo para qualquer empresa. A usinagem por CNC (controle numérico computadorizado) é um processo lento e caro. Nos primeiros anos de produção, cada máquina de CNC levava três horas pra produzir um único MacBook. Como garantir a produção de milhares de unidades por dia em escala industrial? Bom, no caso da Apple, com dinheiro! A Apple comprou milhares de máquinas de usinagem CNC e fechou acordos de exclusividade com seus principais fornecedores.

Não à toa, as demais fabricantes de notebooks sofreram para conseguir implementar a metodologia unibody em seus produtos. Com o tempo, a Apple implementou a metodologia de fabricação unibody a toda a sua linha de produtos: iPhones, iPads, iMacs e MacBooks são todos fabricados a partir de uma peça única de alumínio. Além da qualidade de fabricação, robustez e baixo peso, o alumínio trouxe outra vantagem para a Apple: reciclagem.

Meio ambiente

Em 2007, a Apple estava sob ataque. O Greenpeace reclamava do uso de produtos tóxicos nos processos de fabricação da empresa e clamava por uma “Apple mais verde”. A Apple respondeu com uma carta aberta, assinada por Jobs, na qual a empresa se defendia de alguns dos ataques e se comprometia com um futuro amigável ao meio ambiente.

Uma das primeiras mudanças seria substituir o uso de tubos fluorescentes (que contém mercúrio) na iluminação de displays por LEDs (mudança que viria justamente nos MacBooks unibody, em 2008).

O próximo passo seria a reciclagem, e aqui entra mais uma característica importante do alumínio. Ao contrário dos plásticos e de muitos metais, o alumínio pode ser reciclado inúmeras vezes sem perder suas propriedades e suas características. Você já deve ter se perguntado por que não há refrigerantes sendo vendidos em garrafas de PET 100% recicladas. O PET (politereftalato de etileno) pode ser facilmente reciclado e transformado em uma nova garrafa, porém o PET reciclado já não apresenta a mesma cor, a mesma aparência “cristalina” de um PET novo. Ao derreter novamente o plástico para produzir uma nova garrafa, algumas características no polímero são irreversivelmente alteradas, como sua cor.

Uma garrafa de água ou refrigerante amarelada tem aspecto de suja e não agrada à maioria dos consumidores. Em outras palavras, não vende. É por isso que o PET reciclado é usado parcialmente na produção de novas garrafas, em quantidades pequenas que não alteram significativamente a aparência final da garrafa.

Com o alumínio, isso não acontece. Uma latinha feita de alumínio reciclado é absolutamente igual a uma feita com alumínio recém-extraído da bauxita. O resultado é que o alumínio é um dos metais mais reciclados no mundo. Em 2021, 98,7% das latas vendidas no Brasil foram recicladas. A reciclagem do alumínio foi a grande responsável por fazer a Apple se tornar uma empresa cada vez mais verde e ambientalmente amigável. Desde 2020, os escritórios da Apple são neutros em carbono e o plano é que até 2030 toda a fabricação dos produtos também atinja a meta de neutralidade na emissão de carbono.

Atualmente, o alumínio reciclado é usado, em maior ou menor quantidade, em praticamente toda a linha de produtos da Apple. Em algumas, como a linha de iPads, 100% do alumínio utilizado é reciclado. Além do alumínio, a Apple também recicla metais terra-rara utilizados nos alto-falantes, o ouro das trilhas de circuitos eletrônicos, o tungstênio dos Taptic Engine presentes em Macs, iPhones e Apple Watches. Em 2021, 59% de todo o alumínio utilizado nos produtos da Apple veio da reciclagem; de todos os materiais utilizados na fabricação de todos os seus produtos, aproximadamente 20% foram reciclados.

Mas nem tudo são flores no caminho de se tornar mais “verde” pelo uso do alumínio. O processo de produção do material não é nada amigável ao meio ambiente. Lembra que falei da dificuldade de se extrair o alumínio a partir de seus minérios? Pois bem, esse não é um ponto menor e tem um impacto ambiental considerável.

A difícil produção

O alumínio é o metal mais abundante da crosta terrestre, mas raramente é encontrado na natureza em sua forma metálica, como alumínio puro. É encontrado em diversas formas de minerais, o mais comum deles a bauxita: uma mistura de vários tipos de óxidos de alumínio e um pouco de óxido de tungstênio. Como se eliminam esse átomos de oxigênio, hidrogênio, tungstênio para ficar apenas com os desejados átomos de alumínio? Através de um processo eletroquímico desenvolvido de maneira independente por Paul Héroult e Charles Hall, em 1886, que ficou conhecido como o método Hall-Héroult.

Hall fundou em 1888 a Pittsburg Reduction Company, que depois seria renomeada como Aluminum Company of America (Alcoa). A Alcoa é hoje uma das maiores produtoras de alumínio do mundo, e adivinha qual o método de produção utilizado? O mesmo método Hall-Héroult, inventado em 1886! E não apenas pela Alcoa. Praticamente todo o alumínio do mundo hoje é produzido pelo método de Hall-Héroult. E qual o problema disso? Bom, não é difícil imaginar que um processo desenvolvido em 1886 não tem lá muitas preocupações ambientais.

No processo Hall-Héroult, o óxido de alumínio é misturado a outros reagentes e colocado em um tanque com eletrodos de carbono. Quando uma corrente elétrica é aplicada nos eletrodos pela mistura, o alumínio se funde e é recolhido no fundo do tanque. O oxigênio reage com os eletrodos de carbono, formando dióxido de carbono, que é liberado na atmosfera. São geradas quantidades enormes de CO2 durante o processo de produção do alumínio. Para cada tonelada de alumínio produzida, 11 toneladas de CO2 são despejadas na atmosfera! Sozinha, a fundição do alumínio pelo método Hall-Héroult é responsável por 2% das emissões globais de dióxido de carbono na atmosfera. Parece pouco, mas não é.

Produção do alumínio
Esquema simplificado da produção do alumínio pelo método de Hall-Héroult. Os eletrodos de carbono são consumidos durante a reação, liberando átomos de carbono que reagem com o oxigênio do óxido de alumínio formando CO2 que é liberado na atmosfera.

Outro aspecto que chama a atenção nas emissões de CO2 originadas na produção do alumínio é que apenas 20% vem da queima direta de combustíveis fósseis (por exemplo devido ao transporte de matéria prima e produtos, operação de máquinas, entre outros). Aproximadamente 80% do CO2 liberado na produção de alumínio vem da geração de eletricidade utilizada no processo.

Isso nos leva à conclusão de que, para diminuir a pegada de carbono da produção de alumínio, é necessário intervir de uma maneira ampla em todo o processo, e a Apple está dando um passo importante nessa direção.

Conclusão

Em 2015, a Apple reuniu em Cupertino representantes da Alcoa e da Rio Tinto, duas das maiores fabricantes de alumínio do mundo, para afirmar que: estamos dispostos a comprar todo o alumínio de vocês, desde que ele seja produzido de uma maneira sustentável.

Então, com investimento financeiro da Apple, do governo do Canadá e do estado de Quebec, as duas competidoras se uniram para formar uma nova empresa, a Elysis. O objetivo era produzir alumínio por um novo processo que substitui o carbono dos eletrodos por um material inerte, fazendo com que, em vez de gás carbônico, seja liberado oxigênio na atmosfera. A Alcoa já havia testado a tecnologia em pequena escala e demonstrado a viabilidade técnica da ideia. Mas não havia mercado para um alumínio “verde”. Ninguém estava disposto a pagar mais caro por um alumínio ambientalmente amigável.

Com o aporte financeiro da Apple, a Elysis passou a desenvolver o processo em uma planta piloto. Em 2019, uma pequena quantidade do alumínio “verde” produzido foi utilizado na fabricação de alguns MacBooks Pro de 16″ e a Elysis construiu uma planta em Quebec para produção em larga escala. Em 2022, a empresa anunciou que havia atingido a capacidade de produção em escala industrial e a Apple encomendou o alumínio da Elysis para a produção da nova geração do iPhones SE.

Os custos operacionais do alumínio “verde” produzido pela Elysis são 15% menores do que o processo tradicional. Isso porque os eletrodos inertes usados no processo têm durabilidade de até 2 anos, enquanto os de carbono do processo tradicional precisam ser trocados a cada 25 dias.

Alumínio da Elysis, consórcio com investimento da Apple

A Elysis pretende licenciar a sua tecnologia para outros fabricantes. Assim, é possível que em breve toda a produção mundial de alumínio esteja gerando quantidades significativamente menores de gases causadores de efeito estufa. Além disso, a iniciativa da Apple serve de incentivo para que outros setores da indústria passem a utilizar alumínio produzido com pegada reduzida de carbono.

O aumento na escala de produção abaixa os custos, tornando o alumínio da Elysis economicamente favorável. Ainda falta um longo caminho a se percorrer para deixar a produção de alumínio menos agressiva ao planeta. A eliminação do CO2 no processo de fusão do alumínio é um primeiro passo. É a maior melhoria no processo de produção de alumínio em quase 150 anos. Se a Apple não transformou o mercado mundial de alumínio pela quantidade, pode estar transformando pela qualidade!


Fontes:

Notas de rodapé

  • 1
    Cathodic ray tube, ou tubo de raios catódicos.

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