Habemus Emmy? Até o momento, ninguém sabe: com as greves dos roteiristas e dos atores de Hollywood, a maior premiação televisiva da indústria tem todas as chances de ser adiada.
Oficialmente, a cerimônia segue marcada para o dia 18 de setembro, mas é óbvio que os festejos terão de ser adiados se os sindicatos e estúdios não chegarem a um acordo até lá — afinal de contas, a greve também envolve participações em premiações e eventos, e ninguém vai querer fazer um tapete vermelho sem as principais estrelas da telinha (a Disney tentou e virou piada na internet, lembrem-se).
O fato é que, com Emmy ou sem Emmy em um futuro próximo, as indicações já estão na mesa e o Apple TV+ tem motivos para comemorar. Foram, afinal de contas, 54 indicações na conta da Maçã, 3 a mais do que em 2022. Este é um sinal de que as coisas estão dando certo e o streaming da Apple encontrou a sua voz, certo? Bom… não necessariamente.
Explico-me: das 54 indicações da Apple ao Emmy, mais que um terço delas — 21, para ser mais exato — foram para “Ted Lasso”. Seguindo a tendência dos anos anteriores, a terceira temporada da série de comédia arrasa-quarteirões da Maçã foi indicada a basicamente tudo o que poderia, incluindo Série de Comédia, Elenco, Ator (Jason Sudeikis), Ator Coadjuvante (Phil Dunster e Brett Goldstein), Atriz Coadjuvante (Hannah Waddingham e Juno Temple), Ator Convidado (Sam Richardson), Atriz Convidada (Becky Ann Baker, Sarah Niles e Harriet Walter), Direção, Roteiro, Design de Produção, Edição, Canção Original… a lista vai longe.
Apenas três séries da HBO (que, lembrem-se, é a HBO) receberam mais indicações que “Ted Lasso”: “Succession” (27), “The Last of Us” (24) e “The White Lotus” (23). Tudo isso é ótimo, claro — a Maçã sabe que tem um enorme sucesso nas mãos e o Emmy pode coroar o sucesso do AFC Richmond por mais um ano consecutivo.
O problema é, que, como todos nós sabemos, “Ted Lasso” acabou — se não oficialmente, pelo menos é seguro dizer que a série como nós conhecemos está encerrada. O próprio Jason Sudeikis afirmou que o final da terceira temporada é “o fim da história” que seus criadores pretendiam contar inicialmente. Se porventura a série continuar, será de uma forma bem diferente, com foco em outros personagens (e portanto, presumivelmente, com outro título).
A própria Apple já deixou um gostinho de “quero mais” nos fãs no Twitter, sugerindo um possível spinoff com foco em Nate, Roy e o treinador Beard.
Tudo isso nos leva à pergunta: com o fim de “Ted Lasso”, o que resta para o Apple TV+ em termos de repercussão e premiações? Até agora, a plataforma não conseguiu produzir nada que chegue nem perto da comédia futebolística em termos de popularidade e relevância nos principais troféus da indústria, como o Emmy.
Para que fique claro, não estou considerando aqui (e não acho salutar considerar) o Emmy como um grande indicativo de qualidade ou mérito artístico. Assim como as demais grandes premiações do show business estadunidense (Oscar, Grammy e Tony), estamos falando aqui de um sistema com milhares de votantes e toneladas de influências por debaixo dos panos, campanhas milionárias, lobbies e até mesmo algumas acusações de corrupção aqui e ali.
Ainda assim, o Emmy é um excelente termômetro para sabermos o que anda na boca do povo. As três séries da HBO supracitadas são outros exemplos de produções extremamente comentadas durante as suas exibições, assim como outras queridinhas da premiação em 2023: “The Bear”, “Wandinha”, “Beef” e “Dahmer” também estão entre as campeãs de indicações do Emmy em 2023 — e também são séries que, em maior ou menor grau, conseguiram romper a bolha e entrar para o mainstream.
A pergunta que fica é: que outra série da Apple conseguiu fazer isso até o momento? A única que ensaiou algo do tipo foi “Ruptura” (“Severance”), mas em escala muito menor — talvez a vindoura segunda temporada possa fazer a produção deslanchar de vez, mas agora, com as greves em Hollywood, sequer sabemos quando isso acontecerá.
Outras produções, como “Pachinko”, “Dickinson” e a recém-lançada “Silo”, conquistaram um público fiel, mas ainda insuficiente para colocar o Apple TV+ na boca do povo. Resumindo, a Maçã ainda não encontrou o algoritmo a fórmula mágica da Netflix para lançar fenômenos de popularidade como “Stranger Things”, “Round 6”, “La Casa de Papel” e “Bridgerton” a cada três meses.
Os otimistas dirão que qualidade não tem nada a ver com popularidade, e o Apple TV+ não precisa concorrer com a Netflix ou a HBO para dar certo. Os mais românticos, por sua vez, simplesmente ficarão felizes que a Maçã mantenha um serviço de streaming com algumas pérolas que basicamente ninguém assiste (alô, “Trying”).
Entretanto, como discutimos nas duas colunas anteriores, o mundo onde a Apple se meteu não opera desse jeito. O universo do streaming é sustentado basicamente pelo hype e pela repercussão das suas produções — é com base nessas métricas que Netflix, Amazon Prime Video, Disney+ e companhia limitada veem suas ações subirem nas bolsas de valores e, consequentemente, recebem mais dinheiro para criar novas séries e filmes.
Com a Apple não é diferente — ou quase não é diferente, uma vez que estamos falando de uma empresa de três trilhões de dólares por trás do Apple TV+. A Maçã obviamente tem muita gordura para queimar antes que o seu serviço de streaming torne-se um negócio financeiramente insustentável, mas a discussão aqui vai além disso: em que outra área a Apple tem uma presença quase invisível perante a concorrência?
Sim, o macOS come poeira do Windows em fatia de mercado desde basicamente sempre, mas os Macs são ícones e objetos de desejo. O iPhone dispensa apresentações. O iPad basicamente reina sozinho no segmento. O Apple Watch superou um início com problemas de identidade e também conquistou seu lugar ao sol. O Apple Music tem uma disputa eterna com o Spotify mas, mesmo perdendo, também tem seu nome já feito no universo do streaming musical.
Já no streaming televisivo… bom, eu não sei se você já passou pela experiência de indicar uma série ou um filme para alguém e, ao receber de volta a inevitável pergunta “tem na Netflix?”, responder “não, no Apple TV+”. O olhar de confusão é sempre impagável — e um indicativo de que a Maçã ainda tem que comer muito feijão nesse universo.
Pode ser que no futuro a Apple lance um novo fenômeno de popularidade que reverta essa maré? Pode. Mas até lá, a empresa vai ter que espremer “Ted Lasso” até a última gota — o que não é bom, nem para ela nem muito menos para “Ted Lasso”. Veremos.