Vou cair na imensa armadilha de invocar Steve Jobs logo no começo do texto, para já tirarmos isso da frente: sob o comando dele, o design industrial da Apple era muito mais criativo.
Até quando dava errado.
Tomemos como exemplo o iMac G3, lançado em agosto de 1998. O primeiro resultado da parceria criativa entre Jobs e Jony Ive. O primeiro iMac é tido até hoje não só como o computador que salvou a Apple da falência, mas também como uma das peças de design mais influentes da história.
Seu aspecto incomum e divertido tornou-se um sucesso instantâneo. E duradouro. Em pleno 2023, ainda é possível traçar uma linha reta entre o design desse computador e o de produtos vendidos nas mais diversas categorias.
Porém, mesmo com tudo isso a seu favor, o primeiro iMac fez parte da linha da Apple durante pouco menos de quatro anos. Sem cerimônia, ele foi substituído pelo igualmente icônico iMac G4 — o mais bonito até hoje, na minha opinião.
Com um aspecto absolutamente diferente do seu antecessor e, munido de um complexo sistema de polias e molas criado por Ive, esse Mac ficou à venda durante apenas dois anos e meio. Isso significa que ele provavelmente passou mais tempo sendo desenvolvido do que à venda, sendo substituído pelo iMac G5.
Para contextualizar: a essa altura, Jobs já lutava o seu primeiro round contra o câncer e a Apple já afugentara de vez o fantasma da falência, figurando na posição 301 na lista Fortune 500.
Ao mesmo tempo em que não se prendia ao design de iMacs de sucesso e seguia experimentando, a Apple fazia o mesmo nas suas outras linhas de produtos. O primeiro Power Macintosh, tremendamente sem graça, foi rapidamente substituído por um versão completamente redesenhada, bastante influenciada pelo… iMac G3!
No ano seguinte, já em 2000, veio o icônico Power Mac G4 Cube. Apesar de ter provado-se um pesadelo de fabricação em larga escala, ele foi um feito do design industrial que, de certa forma, nunca foi superado.
Com seu acrílico de bordas curvas, o Power Mac G4 Cube parecia flutuar. Durou um ano. A lista de contras era maior do que a de prós e, em 2001, a Apple lançou — meio às pressas — uma torre tradicional, parecida com o Power Macintosh G3, mas com pesadas influências de cor e material do próprio Power Mac G4 Cube. Uma mistureba, mas funcionava.
Dois anos mais tarde, a Apple mudou tudo de novo e apresentou o Power Mac G5. Apelidado de “ralador de queijo”, foi uma das primeiras investidas da Apple no universo do alumínio anodizado.
Mais dois anos se passaram e foi a vez do Mac mini de vir ao mundo. A essa altura, em 2005, o iPod (lançado há apenas quatro anos) também já era fruto de múltiplos exercícios criativos, disponível nos modelos photo, mini, shuffle e nano.
Note que faltavam apenas dois anos para a Apple anunciar o primeiro iPhone. E seu sucesso estrondoso não a impediu de trazer um design totalmente novo para o iPhone 3G um ano depois, seguido de outra reformulação completa em 2011, com o iPhone 4.
E foi… isso. Pense na linha de produtos atual da Apple: o Mac Studio tem o mesmo design do Mac mini de 2010. O Mac Pro até experimentou fazer uma grande mudança na versão de 2013, mas infelizmente a tentativa deu errado e a Apple voltou ao mesmo conceito do Power Mac G5, de 2003. Já o iPhone livrou-se do Touch ID, adotou o Face ID, tem hoje a Dynamic Island, mas o conceito dele é basicamente o mesmo desde o iPhone 4 (meu favorito). E já estamos indo para o “iPhone 15”!
“Ué, mas um telefone é um telefone! O que você quer? Que reinventem a roda todos os anos?” Não é bem isso. Meu ponto é que, entre 1998 e os idos de 2011, o sucesso ou a beleza de um produto nunca impediram a Apple de virar a página e experimentar algo novo. E isso levou ao período mais criativo da história do design industrial de qualquer mercado. Era o oposto do dito popular que postula que “em time que está ganhando, não se mexe”.
Vale dizer que, entre 1998 e os idos de 2011, a Apple tinha apenas uma ínfima fração da quantidade de clientes que ela tem hoje. Ela podia se dar ao luxo de inventar algo pouco prático. Afinal, ela precisaria vender, no máximo, apenas algumas centenas de milhares de unidades, e não mais de 100 milhões, como acontece com o ciclo de vida de um modelo de iPhone.
Ainda assim, pense em todas as versões de iPads já lançadas. Pense no Apple Watch! Ambos ainda são praticamente idênticos às suas primeiras versões, apesar de terem recebido bem-vindos avanços e refinamentos. Agora, pense nos rumores das próximas versões de todos os produtos da Apple. É difícil não sentir saudade da inquietude criativa que marcou os seus melhores anos, até mesmo nos produtos que fracassaram.
“Mas Jony Ive ficou na Apple até 2019!” Sim e, especialmente nos últimos anos, em que ele já estava bastante ausente das operações cotidianas, o foco da Apple deixou de ser o design (e redesign!) criativo e atencioso dos seus produtos. O foco passou a ser a expansão para o mercado da música. E da TV. E automotivo. E do cinema. E de cartões de crédito. E chinês. E imersivo. E de assinaturas. E de acessórios. E indiano. E esportivo.
Vale lembrar que, hoje, a Apple sequer conta com alguém à frente do design de hardware. Após a saída de Jony Ive e a passagem-relâmpago de Evans Hankey pelo posto, a Apple extinguiu o cargo por completo, deixando o design na mão de Jeff Williams, diretor de… operações (e forte candidato a substituto de Tim Cook como diretor executivo da empresa).
Uma vez, Jobs disse: “Se você criar algo e ficar bom, siga em frente e faça outra coisa. Não fique no mesmo lugar por muito tempo. Apenas busque o que vem a seguir.” Essa frase, inclusive, está na entrada do Town Hall, o pequeno salão de eventos do (agora antigo) campus Infinite Loop. A ironia é que, nesse quesito, a Apple de fato seguiu em frente, não mora mais lá, e raramente se depara com essa frase.
Mais simbólico, impossível.