Coisa de dois anos atrás, o mundo dos streamings vivia em paz e harmonia (não, definitivamente não vivia, mas me permitam o exercício): a Netflix não perseguia usuários que compartilham contas, o Amazon Prime Video ainda não tinha ganhado o aspecto de site caça-níquel vendendo assinaturas adicionais a torto e a direito, a WarnerMedia estava plenamente satisfeita com o HBO Max… e o Apple TV+ custava, pasmem, R$9,90 mensais no Brasil.
Como o objetivo desta digníssima coluna é falar sobre o serviço de streaming da Maçã, concentremo-nos nele perante este cenário incerto do universo audiovisual. O fato é que, de pouco mais de um ano para cá, o Apple TV+ mais que dobrou de preço: dos menos de dez reais cobrados desde o lançamento, a plataforma passou a custar R$14,90 mensais em setembro de 2022. Na semana passada, mais um aumento significativo — desta vez, para R$21,90 mensais.
Não é muito, alguns poderão dizer, em um mundo onde a Netflix tem a pachorra de cobrar até R$55,90 por mês. Aliás, é oportuno fazermos abaixo um panorama atualizado dos preços dos principais serviços de streaming disponíveis, atualmente:
Serviço | Plano mensal mais barato | Características |
---|---|---|
Apple TV+ | R$21,90 | 4K, até 6 telas simultâneas |
Disney+ | R$33,90 | 4K, até 4 telas simultâneas |
Globoplay | R$24,90 | 4K, até 3 telas simultâneas |
HBO Max | R$34,90 | 4K, até 3 telas simultâneas |
Netflix | R$18,90 | 1080p, 2 telas simultâneas, inclui anúncios |
Paramount+ | R$14,90 | 1080p, 1 tela, apenas para dispositivos móveis |
Prime Video | R$14,90 | 4K, até 3 telas simultâneas |
Star+ | R$40,90 | 4K, até 4 telas simultâneas |
Como eu escrevi acima, os R$21,90/mês cobrados pela Apple não são um absurdo, especialmente se dermos uma olhada no cenário geral do universo dos streamings — a Maçã está na faixa mais barata da patota e oferece, de longe, os melhores benefícios em termos de resolução e telas simultâneas. Entretanto, uma análise que leve apenas esses fatores em conta seria… superficial, para dizer o mínimo.
O principal problema que nós temos aqui, e que já discutimos em colunas anteriores com mais profundidade, é que o Apple TV+ está longe de ter a tração ou a popularidade de uma Netflix ou um Disney+. Aliás, até a própria Apple não apenas sabe disso como já usa essa falta de popularidade como piada para engajar seus seguidores nas redes sociais — a postagem foi apagada posteriormente (imagina o puxão de orelha que rolou por lá!), mas o print é eterno:
Falando especificamente do Brasil, muitos lares por aqui (especialmente aqueles que cortaram a corda1Expressão usada para caracterizar pessoas ou famílias que abandonaram os serviços de TV por assinatura tradicionais.) tratam os principais serviços de streaming como um gasto recorrente tão natural quanto luz, água ou internet. Mas você pode ter certeza de que o Apple TV+ não está neste bolo.
Para remediar esse fato, argumentava-se que o preço baixíssimo do streaming da Maçã seria um atrativo para que as pessoas o tratassem como uma espécie de “gasto invisível” — isto é, aquele que você assina um mês (ou entra no período de teste gratuito) para assistir alguma coisa e acaba deixando-o por lá, adicionando alguns reais por mês à fatura do seu cartão de crédito, porque é um valor baixo, porque pode ser que apareça algo legal no futuro, porque os menus da Apple são muito confusos para você chegar à opção do cancelamento… enfim, motivos diversos.
OK, esse argumento era válido para uma boa parte dos usuários quando o Apple TV+ custava R$9,90 mensais. Por R$14,90, o tal do “gasto invisível” já não é mais tão invisível assim, e por R$21,90 a Maçã já entrou em uma zona muito mais complicada: de repente, seu serviço de streaming não custa mais o mesmo que um café com leite, e sim o mesmo que um frappuccino.
Num país com custo de vida cada vez mais alto, salários que não acompanham a inflação e uma taxa de desemprego alta, assinar serviços de streaming não é uma decisão tão trivial assim. Se o trabalhador médio consegue separar algumas dezenas de reais por mês para gastar com entretenimento, tá na cara que o Apple TV+ não estará no topo das suas prioridades.
Já para os usuários com uma faixa de renda um pouco maior, que assinam múltiplos serviços de streaming, a conta também começa a não fechar: de repente, ter acesso a todas as principais plataformas é tão ou mais caro do que um plano básico de TV por assinatura. Onde está a economia que foi tão prometida pelas Big Techs?
A partir deste sentimento de frustração, de promessa descumprida, os assinantes começam a colocar as assinaturas na ponta do lápis — o gasto, que antes podia ser invisível, agora está lá, deveras evidente. E, para a grande maioria das pessoas, a escolha entre cortar uma Netflix ou um Apple TV+ inevitavelmente terminará com uma impiedosa foice na plataforma que não tem “Stranger Things”, “Round 6”, “Bridgerton”, “Wandinha” ou todas as séries que você pode assistir e comentar com a sua família, os seus amigos ou os seus colegas de trabalho. Afinal, o ato de assistir a séries ou filmes é, acima de tudo, um ato social — e (quase) ninguém que você conhece assina o Apple TV+, ou eu estou errado?
É óbvio que o tom pessimista dos parágrafos acima deve ser lido com algumas ressalvas. A principal delas é que a Apple parece, cada vez mais, focada em vender assinaturas do Apple One em vez de focar nos benefícios individuais dos seus serviços — e, de fato, ainda que os preços da assinatura tudo-em-um da Maçã também tenham subido, o Apple TV+ pode muito bem continuar sendo um “gasto invisível” dentro de um pacote que inclui iCloud+, Apple Music, Apple Arcade e companhia bela.
Além disso, sabemos que o número de assinantes não conta a história completa: a Apple tem trilhado um caminho bem evidente de qualidade sobre quantidade, colocando seu serviço de streaming como uma opção de prestígio — isto é, com um número menor de títulos em relação à produção quase industrial de uma Netflix, mas atraindo medalhões do cinema e da TV para se manter na mente dos usuários, da imprensa, da crítica especializada e das premiações.
A estratégia tem dado (relativamente) certo, mas segue pairando no ar a pergunta: até quando o cofrinho quase infinito da Maçã poderá bancar essa conta sem um número significativo de usuários?
No Brasil, então, o buraco é ainda mais embaixo. E, por R$21,90 mensais, me parece que o diálogo abaixo ficará ainda mais comum:
— Tenho uma série ótima para te indicar!
— Opa, manda!
— Chama-se “Ruptura”. É um dos melhores thrillers de ficção científica dos últimos anos, e ainda tem umas reflexões interessantíssimas sobre a memória como construção da nossa natureza, nossa relação com o trabalho, a idealização do amor romântico e muito mais.
— Caramba, você vendeu muito bem, parece incrível. Tá na Netflix?
— Não, no Apple TV+.
— [Com um olhar de desapontamento e confusão:] Ah…
Vejamos, portanto, as cenas dos próximos capítulos — ou não. E você, como ficará em relação ao Apple TV+ após esse novo aumento? Despeje suas angústias logo aqui abaixo, nos comentários.
O Apple TV+ está disponível no app Apple TV em mais de 100 países e regiões, seja em iPhones, iPads, Apple TVs, Macs, smart TVs ou online — além também estar em aparelhos como Roku, Amazon Fire TV, Chromecast com Google TV, consoles PlayStation e Xbox. O serviço custa R$21,90 por mês, com um período de teste gratuito de sete dias. Por tempo limitado, quem comprar e ativar um novo iPhone, iPad, Apple TV, Mac ou iPod touch ganha três meses de Apple TV+. Ele também faz parte do pacote de assinaturas da empresa, o Apple One.
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Notas de rodapé
- 1Expressão usada para caracterizar pessoas ou famílias que abandonaram os serviços de TV por assinatura tradicionais.