O melhor pedaço da Maçã.

O caso Beeper Mini é um grande alerta à Apple

Há algumas semanas, eu falei sobre como o veredito do caso Epic vs. Google deverá abrir caminho para novos processos de anticompetitividade contra as regras da App Store. Essencialmente, agora que a Epic emplacou argumentos bem-sucedidos contra o Google, é questão de tempo até que ela — e outras, como Meta, Spotify, Mercado Livre, etc. — tentem a sorte novamente contra a Apple nos tribunais.

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Mais ou menos junto a essa notícia, todos acompanhamos o anúncio-surpresa da interrupção temporária da venda de alguns modelos do Apple Watch nos Estados Unidos. Fruto de um processo aberto pela empresa Masimo, que alega uso indevido de suas patentes, tecnologias e propriedades intelectuais no oxímetro dos relógios, a Apple optou por cortar a própria carne em vez de fazer um acordo.

Estrategicamente, foi a decisão correta. Afinal, um acordo funcionaria como um perigoso incentivo a empresas oportunistas que também costumam tentar tirar um troco nos tribunais com uma patente embaixo do braço. Inclusive no Brasil.

Como se isso já não fosse suficiente, veio o caso Beeper Mini. Aliás, não só ele. Com alguns dias de diferença, também vimos o anúncio oficial do Texts da Automattic, e o lançamento (e subsequente suspensão) do Nothing Chats. Cada serviço recorreu a um método diferente para burlar as limitações da Apple, e levar o iMessage a dispositivos Android.

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De todos eles, o vai-e-vem do caso Beeper Mini foi o que mais chamou a atenção. Primeiro, pela interessante criatividade técnica de James McGill, o jovem de 16 anos que fez engenharia reversa para permitir o uso do iMessage sem um Apple ID. Depois, é claro, pelo irresistível jogo de gato e rato que se estabeleceu nas notícias diárias sobre o caso. No fim das contas, Apple venceu. Óbvio, afinal, ela controla todas as pontas da tecnologia que ela inventou exclusivamente para os próprios dispositivos.

O desfecho, porém, chamou a atenção de alguns senadores americanos, incluindo a democrata Amy Klobuchar, ex-candidata à presidência dos EUA e figurinha carimbada em qualquer imbróglio envolvendo as gigantes de tecnologia e o termo “concorrência”.

Em 18 de dezembro, em uma rara manifestação bipartidária no polarizado Senado americano, Klobuchar e mais três senadores e representantes enviaram uma carta ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos pedindo uma investigação formal contra a Apple. Segundo eles, a Apple havia agido de forma anticompetitiva para esmagar a concorrência e manter sua posição de monopólio no mercado de mensageiros.

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Quanta bobagem.

Pirataria vs. anticompetitividade

Ao longo das últimas semanas, não faltaram analogias estabanadas para tentar explicar como seria absurdo obrigar a Apple a permitir que o Beeper Mini continuasse existindo.

A minha foi a de um restaurante ser obrigado a servir comida da concorrência só porque ele conquistou muitos clientes. Não foi muito ruim, mas não foi muito boa também. Já o jornalista John Gruber equivaleu o caso a um cliente imaginário de um cartão de crédito tentando usá-lo para acessar a sala VIP de um concorrente no aeroporto. Por outro lado, Gruber foi brilhante ao argumentar que “ser muito bom em concorrer não é anticompetitivo”.

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E essa, a meu ver, é a chave da questão no caso Beeper Mini. Todas as empresas do mundo buscam desenvolver vantagens que tornem os seus produtos atraentes a ponto de conquistarem clientes. Feito isso, elas trabalham na retenção desses clientes. E o iMessage (que, convenhamos, nem é tão bom assim) serve exatamente para isso. Ele sozinho não segura ninguém no iOS, mas ele é parte de uma longa lista de recursos que, juntos, fortalecem o que alguns chamam de “ecossistema”, e outros chamam de “prisão”.

Algumas peças desse ecossistema1Ou… prisão., no entanto, esbarram sim em anticompetitividade. Apple Pay, App Store, Lightning, assistências técnicas, e o caso dos ebooks talvez sejam os candidatos mais evidentes.

Mas sob nenhum aspecto razoável faz sentido dizer que a Apple tenha agido de forma anticompetitiva contra o Beeper Mini, um serviço que usou engenharia reversa de um código proprietário, e se apoiou nos servidores da Apple para (inicialmente) vender uma assinatura, com a promessa de entregar um uso que a Apple explicitamente e ativamente rejeita para seu próprio produto.

Disponibilizar o iMessage para Android é uma decisão de negócio que cabe exclusivamente à Apple, e ela tem absolutamente todo o direito de decidir não fazê-lo, além de impedir seu mau uso, dentro ou fora do iOS e macOS. Qual é a dúvida, aqui?

Tudo isso pelo… iMessage?

Chega a ser engraçado o fato de toda essa briga ser em torno de um dos piores mensageiros do mercado.

A busca não funciona direito2Especialmente para encontrar mensagens ou segmentos de conversas antigas., o fluxo para cometer áudios contra outras pessoas é tão incompreensível quanto o fluxo para escutá-los, a interface para a limitada troca de anexos fica mais confusa e obscura a cada versão do iOS, ele permite zero customização para facilitar a rápida diferenciação entre conversas e, para piorar, ganha novas funções, no máximo, uma vez por ano. E elas raramente são úteis.

GIFs da Samsung contra o preconceito com os balõezinhos verdes
GIF da Samsung como parte de uma campanha para criticar a… segregação das bolhas verdes.

Observar os americanos pirarem sobre esse assunto é quase surreal para qualquer pessoa que use qualquer outro mensageiro para se comunicar com o resto da humanidade. Vê-los debater o “preconceito contra as bolhas verdes” como se fosse uma questão de injustiça social beira a paródia.

Limitar o iMessage a dispositivos iOS e macOS e se recusar a lançá-lo em plataformas concorrentes é, sim, uma vantagem competitiva. Os próprios executivos da Apple já admitiram e discutiram isso por escrito, quando decidiram não lançá-lo para Android. Mas isso está longe de ser uma prática anticompetitiva, feita para esmagar a inovação. Ainda mais se a inovação for algo como o Beeper Mini, que enganava os servidores da Apple para se passar por um dispositivo legítimo.

O problema é que a Apple não se ajuda e, sistematicamente, compra brigas frívolas ou se comporta de uma forma que a prejudica no longo prazo. Um exemplo disso foi o processo contra a empresa Prepear, por conta do logotipo de… pera. Outro, bem recente, é a situação do app HEY Calendar, que também toca em uma das polêmicas mais importantes atualmente: toda a questão das regras e da comissão da App Store.

É bem verdade que a cada dia em que a Apple não cede às pressões de, no mínimo, reduzir a comissão de 30% e impedir métodos alternativos de pagamento, ela fatura alguns bilhões de dólares a mais. Por outro lado, ela também fortalece diariamente as outras acusações de práticas anticompetitivas, sejam elas justas como é (a meu ver) o caso da Masimo, ou não, como é (a meu ver) o caso do Beeper Mini.

Logos da Prepear e da Apple

Isso só se agrava quando políticos entram na equação, em busca de manchetes chamativas para ganhar alguns pontos com a própria base. O caso Beeper Mini mostrou que as acusações sequer precisam mais fazer sentido, e que todo uso do termo anticompetitividade contra a Apple (ou qualquer outra grande empresa do Vale do Silício) é imediatamente tomado como verdade. Especialmente em Washington.

O problema é que esses mesmos políticos têm o poder de legislar e, mais cedo ou mais tarde, algum outro Beeper Mini os motivará a fazer exatamente isso. E por mais aparentemente irrelevante que seja o caso, como no fundo foi esse do Beeper Mini, qualquer regulação que obrigue a Apple a alterar algo a respeito de sua prática de negócios poderá abrir caminho para desencadear regulações em aspectos bem mais sérios e importantes para o faturamento da empresa e até para a forma como ela poderá operar o próprio negócio.

Notas de rodapé

  • 1
    Ou… prisão.
  • 2
    Especialmente para encontrar mensagens ou segmentos de conversas antigas.

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