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O Arc Search é perfeito, mas ele pode acabar com a internet

Arc Search

Diga-me qual navegador usas e eu te direi quem tu és. O provérbio obviamente não é esse, mas bem que poderia ser. Especialmente para quem é mais ligado em tecnologia, a escolha de um browser sempre beirou uma afirmação da própria personalidade.

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Ao longo das últimas décadas, diferentes navegadores (especialmente os não nativos de sistema) encontraram seus nichos de mercado, e investiram em tentar crescer dentro dessas comunidades.

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Linha do tempo da adoção de navegadores entre 1993 e 2020

Generalizações geralmente 1🥁 são falhas, mas você dificilmente verá uma vovozinha usando o Tor Browser para comentar no blog de receitas da Ana Maria Braga, e nem verá um desenvolvedor engajado na comunidade de código aberto usar o Edge como navegador padrão da sua distribuição do Linux que ele se orgulha de ninguém nunca ter ouvido falar.

Pois bem. Após um período de relativo marasmo nesse mercado nesses últimos anos, o lançamento recente do navegador Arc fez um certo barulho. Apresentando-se como algo diferente de tudo o que veio antes, sua promessa foi, ironicamente, igual à dos seus antecessores: reinventar a forma como navegamos. A diferença é que talvez ele realmente consiga fazer isso. A má notícia é que ele pode acabar com a web como a conhecemos.

A era dos rastreadores e SEO 2Search engine optimization, ou otimização para sistemas de busca.

Ao longo dos mais de 30 anos de evolução dos navegadores, a própria web também progrediu. Do lado positivo, as linguagens voltadas para navegação se multiplicaram e se tornaram mais eficientes, expandindo bastante as possibilidades de interação. Além disso, a própria velocidade média da conexão aumentou em alguns graus de magnitude, ampliando ainda mais o campo de possibilidades e acesso à informação.

Por outro lado, alguns aspectos da experiência de navegação se tornaram igualmente mais desafiadores. Dos rastreadores 3Que, deixando de lado as óbvias questões de privacidade, por vezes pesam múltiplas vezes mais do que o próprio conteúdo da página que o usuário que abrir. ao SEO 4Que por si só não é culpado de nada. Mais sobre isso à frente., navegar na web em 2024 tende a ser uma experiência sempre pelo menos uns 30% frustrante e incômoda ou, no mínimo, menos eficiente do que ela poderia ser.

Para combater o problema dos rastreadores, muitos usuários passaram a apelar para os bloqueadores de anúncios e rastreadores em geral. Logo em seguida, alguns navegadores (e até mesmo sistemas operacionais) passaram a integrá-los por padrão, cortando o mal — e a única fonte de renda para muitos sites pequenos e médios, os quais oferecem conteúdo de graça para os leitores — pela raiz.

Já em relação ao SEO, a questão é mais complexa. Como eu disse, o SEO por si só nunca foi o problema. Quando seu objetivo é organizar a internet inteira para tentar entregar sempre os resultados mais úteis, nada mais natural do que ter um sistema para fazer isso em escala. Mas, assim com aconteceu com o “o algoritmo” no mercado de redes sociais, “o SEO” ganhou uma espécie de conotação pejorativa nos últimos anos.

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Recentemente, a jornalista Amanda Lewis escreveu para o The Verge um artigo chamado “As pessoas que arruinaram a internet”. No texto (que deu origem a múltiplas discussões acaloradas sobre o assunto, incluindo um episódio bem interessante do Tecnocast), ela defende que, depois que o Google dominou o mercado de buscas, muitos sites passaram a estruturar seus conteúdos para servir aos sistemas de indexação do buscador, e não ao público. E quanto melhores os profissionais de SEO foram ficando em seus trabalhos, pior ficou a nossa experiência de navegação.

Totalmente errada, ela não está. E observe que ela não menciona a dinâmica de links de afiliados, que, junto dos sites que praticam spam de SEO, só exacerba o problema. Mas esse assunto fica para outro dia.

O experimento do roubo de SEO

Talvez o melhor exemplo de como esse aspecto da internet está quebrado, seja o experimento de Jake Ward, CEO 5Chief executive officer, ou diretor executivo. de uma agência de SEO.

O que ele fez foi o seguinte: primeiro, coletou o sitemap (ou seja, todos os links públicos) de um site. Foram milhares de links no estilo nomedosite.com.br/101-funcoes-de-excel/, …/como-fazer-sopa/, …/20-melhores-liquidificadores/, etc.

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Depois, ele usou uma IA para transformar cada URL coletada em um título, acompanhado de um resumo de como seria seu respectivo artigo. Portanto, …/como-fazer-sopa/ virou algo como “Guia de como fazer sopa para iniciantes”, e uma ou duas frases descrevendo esse conteúdo hipotético.

Em seguida, ele alimentou esses títulos e resumos em uma nova ferramenta de IA que, por sua vez, escreveu os artigos completos. Por fim, ele publicou esses artigos em um site. Segundo Ward, foram publicados 1.800 artigos em questão de horas, em um processo 90% automatizado.

Ao longo de 18 meses, esse site somou 3,6 milhões de visitantes, atingiu 490.000 acessos mensais, emplacou aproximadamente 10 mil palavras-chave nos primeiros resultados do Google e, ainda por cima, reduziu o tráfego do site concorrente. Tudo isso 100% apoiado nas práticas de SEO que, em contrapartida, recompensou o site ao exibi-lo com mais destaque nos resultados de busca.

É claro que essa é uma situação extrema. Mas, se ela não é uma ilustração perfeita do problema da web atual, eu não sei o que é.

Entra o Arc Search

Quando a The Browser Company lançou o navegador Arc, em 25 de julho do ano passado, ela fez um certo barulho na nossa bolha de tecnologia.

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Josh Miller, CEO da The Browser Company, apresenta o conceito do Arc, ainda em 2022.

Pudera. O navegador de fato apresenta algo interessante. Ao reorganizar a dinâmica de pastas, abas, listas de leitura, caixa de busca e de endereços e ferramentas de anotações, o Arc realmente trouxe um ar de novidade ao segmento. Eu dei uma chance, mas concluí que não era para mim. Estou satisfeito com o Safari. Ainda assim, é inegável que ele tenha cumprido o objetivo de repensar o papel de um navegador para os hábitos dos usuários em 2023 e que tenha conquistado um público fiel desde o primeiro dia.

Pois bem. Logo no início de 2024, a The Browser Company fez um novo anúncio: ela iria apresentar uma espécie de reformulação do Arc, oferecendo a visão dela para a tarefa de navegar na web na era dos LLMs. O resultado foi o Arc Search, que une navegador, buscador e IA.

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Vídeo de apresentação do Arc Search.

Sua principal ferramenta é o que eles chamam de Browse For Me, que funciona da seguinte maneira: ao receber o pedido de busca por algum tema, o Arc Search interpreta o contexto da pergunta e faz uma pesquisa preliminar na web apenas para identificar os 6 sites que mais têm chances de oferecerem as melhores respostas.

Em seguida, ele faz uma busca nesses seis sites e consome todas as informações que sejam pertinentes à pergunta. Depois, um LLM processa esses dados e cria uma página que unifica as informações mais relevantes, desmembradas em tópicos de fácil entendimento. Além disso, ele também exibe links para quem quiser se aprofundar no tema.

Eu venho usando o Arc Search diariamente e, até agora, a experiência term sido perfeita. Mais do que isso, tenho feito as mesmas pesquisas no Google Bard Gemini e no ChatGPT Plus (com acesso ao Bing) para comparar o desempenho. E o resultado não chega nem perto! Nos concorrentes o processo é muito mais lento, exige algumas etapas de refinamento e as informações verdadeiramente importantes se perdem em meio à verborragia dos LLMs. No Arc Search, o processo todo leva segundos e ele foi certeiro em 100% dos testes até agora.

O dilema de usar o Arc Search

Pois bem. Aqui vai um enorme problema: cada vez que eu utilizo o Arc Search e me satisfaço com as respostas resumidas pela IA, eu deixo de visitar os sites de origem. Isso significa que eu deixo de ver os anúncios desses sites que, por sua vez, ajudam a pagar os salários de quem gerou aquela informação para começo de conversa.

Para piorar, o Arc Search bloqueia anúncios por padrão. Isso significa que, mesmo que eu decida ir aos sites que ele sugere para fazer leituras complementares, eu não vejo os anúncios caso eu faça isso dentro do próprio aplicativo.

Mal comparando, usar o Arc Search tem sido como usar o Napster para piratear músicas nos anos 1990. Eu sei que é moralmente errado (no caso do Napster, era ilegal, mas vocês a maioria de vocês entende o que eu quero dizer), mas o benefício que ele me oferece é maior do que a culpa que eu sinto ao utilizá-lo.

Para piorar, quando perguntado no podcast Vergecast sobre esse conflito entre o benefício do Arc Search e o impacto dele no modelo atual da web, Josh Miller, CEO da The Browser Company, disse que ele sabe que seu navegador tem o potencial de quebrar o modelo financeiro atual da web, e que caberá à própria web se reinventar para salvar-se.

Tanto no Vergecast quando no vídeo de anúncio do Arc Search, a The Browser Company parece ter adotado a missão de acabar com o que ela chama de império do Google no mercado de buscas e de publicidade online (estou parafraseando), mas não parece preocupada com o efeito colateral devastador que isso pode ter nos sites web afora. E isso é assustador.

O que os sites podem fazer?

Essa, literalmente, é a pergunta de múltiplos bilhões de dólares. Uma opção seria a The Browser Company possibilitar algo parecido como o GPTBot, medida apresentada pela OpenAI para quem quiser entrar (ou sair) do sistema de catalogação de conteúdos do ChatGPT. O problema é que, dada a declaração de Miller, isso não parece muito provável.

Outra alternativa, talvez, seja os sites tentarem bloquear o Arc por conta própria, mas isso daria início a um jogo de gato e rato que seria difícil de vencer. Fora que cada site teria que fazer isso individualmente, o que se totalmente impraticável em larga escala.

Uma terceira forma de lidar com isso seria a The Browser Company passar a cobrar pelo uso do Arc Search (algo que provavelmente está nas cartas de qualquer forma) e repassar parte do faturamento entre os sites consultados para gerar as respostas. Ou talvez fazer esse repasse por amostragem e de forma proporcional, como acontece entre as rádios e as gravadoras ao redor do mundo. Mas, novamente, dada a entrevista do CEO, isso parece pouco provável.

No fim das contas, talvez a solução não esteja na mão dos sites ou da The Browser Company, mas sim dos usuários. Há anos, uma parte da internet vem tentando, sem sucesso, reduzir a dependência de publicidade para manter as luzes acesas. O problema é que, historicamente, apenas uma fração minúscula de leitores, ouvintes ou espectadores de um projeto optam por apoiá-lo. E isso, é claro, é está perfeitamente dentro do direito de cada um.

A boa notícia é que talvez ainda haja tempo. Hoje em dia, praticamente ninguém conhece (ainda) o Arc Search, e nenhuma outra ferramenta faz algo sequer parecido. Por outro lado, desde o meu primeiro uso do Arc Search, eu me convenci de que, se ele não for o futuro da busca na web, ele é o mais próximo disso dentre tudo o que surgiu até agora. E olha que vimos surgirem coisas excelentes nos últimos meses, incluindo a assistente Aria do Opera, o assistente Leo do Brave, o Copilot do Edge, o ChatGPT ou a Perplexity AI, que eu vinha utilizando diariamente antes do lançamento do Arc Search.

A Perplexity, por sinal, é a plataforma que mais se preocupa em evidenciar as fontes de onde ela tira as respostas. Além de exibir os links das fontes acima do conteúdo gerado pelo LLM, ela também traz as tradicionais notas de rodapé, de forma semelhante ao que o Google Gemini, o Microsoft Copilot e o ChatGPT vêm adotando, ainda que de maneira mais acanhada.

Sinceramente, não consigo imaginar o Arc Search se tornando um buscador do tamanho do Google ou até mesmo do Bing, e nem um navegador do tamanho de Chrome, Edge, Firefox, Safari e afins. O problema é que se, ou melhor, quando os buscadores e (especialmente) os navegadores adotarem essa mesma dinâmica de pesquisa, removendo completamente o atrito da navegação, extraindo as informações dos sites web afora e entregando as respostas a ponto de eliminar a necessidade de levar tráfego até os sites, ainda não parece muito claro como essa conta poderá fechar.

Notas de rodapé

  • 1
    🥁
  • 2
    Search engine optimization, ou otimização para sistemas de busca.
  • 3
    Que, deixando de lado as óbvias questões de privacidade, por vezes pesam múltiplas vezes mais do que o próprio conteúdo da página que o usuário que abrir.
  • 4
    Que por si só não é culpado de nada. Mais sobre isso à frente.
  • 5
    Chief executive officer, ou diretor executivo.

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