A essa altura, parece que o Apple TV+ já encontrou a fórmula certa para o grosso do seu catálogo de filmes e séries — e, olhando pela superfície, trata-se de uma fórmula que toma dois caminhos.
O primeiro deles é o das ficções científicas de prestígio, sempre com um ar mais intelectualizado, mais cabeça do que a produção média a que estamos acostumados; aqui, podemos colocar no bolo séries como “Constellation”, “Silo” e “Foundation”.
O segundo é o nicho dos dramas históricos, que, via de regra, traz alguma estrela de Hollywood interpretando uma figura icônica do passado — seja Joaquin Phoenix como Napoleão, Ben Mendelsohn como Christian Dior ou Hamish Linklater como Abraham Lincoln (numa série em que ele não é o protagonista, vale lembrar).
O que une esses dois eixos no qual o motor do Apple TV+ parece rodar atualmente? Simples: são gêneros que se beneficiam bastante de grandes orçamentos, com ambientações bem trabalhadas, cenários impressionantes e design de produção impecável. Nesse ponto, todas as séries citadas — e quaisquer outras que você queira colocar em qualquer um dos dois filões — são realmente notáveis, até porque não me parece que a Apple está poupando um centavo sequer em suas produções cinematográficas e televisivas.
O que diferencia as produções boas (como “The New Look” ou “Constelação”) das medíocres (como “Napoleão”) é o único aspecto de uma produção audiovisual que, teoricamente, pode ser realizado sem um centavo sequer: o roteiro. E é exatamente nesse ponto que o mais novo drama histórico da Maçã, “Franklin”, peca com mais frequência.
A minissérie, que estreou na última sexta-feira (12/4) com três dos seus oito episódios já disponíveis — como o próprio nome já sugere —, coloca no centro do palco um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, Benjamin Franklin (interpretado por Michael Douglas), mas escolhendo concentrar-se em um período específico da sua vida: os oito anos que passou na França, entre 1776 e 1784, tentando conquistar o apoio dos franceses na Guerra da Independência dos EUA.
Mais especificamente, o foco da série está em Franklin e em seu neto, William Temple Franklin (Noah Jupe), que acompanha o avô na viagem à França ainda como um adolescente e, no período que passa no país europeu, sofre grandes transformações — algumas intrínsecas ao próprio amadurecimento, e outras nem tanto.
Ao mesmo tempo, vemos o jogo político feito por Franklin nos grandes palácios franceses, seu status de celebridade ao cruzar o Atlântico (afinal, os europeus o conhecem como “o homem que inventou a eletricidade”) e seus flertes com Anne Louise Brillon de Jouy (Ludivine Sagnier) e Madame Helvétius (Jeanne Balibar). Afinal de contas, mesmo aos 70 anos em sua chegada à França, Franklin ainda era amplamente conhecido como um Don Juan.

A escolha do diretor Tim Van Patten e dos roteiristas Kirk Ellis e Howard Korder, de se concentrar em um período específico da vida de Benjamin Franklin, é interessante para evitar que a minissérie se torne um híbrido estranho de página da Wikipédia e “greatest hits” de uma grande figura histórica, como “Napoleão” — por exemplo — acaba sendo em vários momentos.
Entretanto, o problema aqui é outro: ao escolher ambientar Franklin como um estranho no ninho, populando a narrativa com uma série de personagens que não têm grande reconhecimento histórico, a produção acaba pecando pelo excesso, criando uma quantidade exagerada de tramas, conflitos e núcleos — e a grande maioria deles não tem a vitalidade necessária para causar grande engajamento.
Tomemos como exemplo as aventuras de Temple em sua jornada de crescimento na França: em três episódios, já fica bem claro que os roteiristas expandiram a importância do personagem para atrair um público mais jovem à minissérie (uma vez que, na era do conteúdo, é importante apelar para todas as faixas demográficas possíveis e os executivos da Apple provavelmente pensam que jovens não estão interessados em ver um monte de septuagenários discutindo estratégia política por oito horas seguidas). O problema é que as tramas de Temple não dialogam com o restante da narrativa, e acabam por criar uma estrutura episódica, nada fluida, que compromete o ritmo dos episódios. Noah Jupe é um bom ator, mas não consegue salvar seu Temple da antipatia que, presumo eu, sofrerá de parte dos espectadores.

Por outro lado, a minissérie encontra seus melhores momentos justamente quando escolhe focar em seu protagonista. O Benjamin Franklin de Michael Douglas é uma máquina de carisma, muito por conta da liberdade conferida ao ator para dar pinceladas bastante pessoais ao personagem — e aqui, podemos dar a Douglas o benefício de que (obviamente) não há registros audiovisuais de Franklin, então o trabalho do intérprete torna-se muito mais livre das tradicionais amarras da mímese.
O fato é que Douglas deita e rola com seu primeiro papel de época (não, não estou contando Liberace). O Franklin da série é, mesmo com a idade avançada numa época passada, uma figura extremamente moderna — mas que nunca cai no anacronismo —, com seu ar irônico, espirituoso e cheio de observações sarcásticas. Também é muito revigorante ver o papel de uma figura histórica tão conhecida ser interpretado sem quilos de maquiagem ou uma composição tão sisuda: o Franklin de Michael Douglas é claramente Michael Douglas, e que ambos (personagem e ator) tenham tanto em comum em personalidade apenas enriquece uma camada metalinguística do texto.
É uma pena, portanto, que “Franklin” queira se ocupar tanto de histórias secundárias e tramas desimportantes para o que realmente gostaríamos de ver: uma análise psicológica do próprio Benjamin Franklin, explorando mais suas motivações, seu jeito de ser e sua relação com o neto. Em vez disso, muito da minissérie acaba sendo ocupada pelos personagens franceses, que são muitos e, por vezes, intercambiáveis — e, vejam bem, não haveria absolutamente nenhum problema criar uma narrativa sobre Benjamin Franklin centrada nos seus contatos na França; o problema é fazer isso e esquecer que, para isso, os tais dos personagens franceses também precisam ser tão carismáticos e envolventes quanto seu protagonista. Infelizmente, não é o caso.

Ao menos, podemos contar com o — sempre confiável — nível de produção impecável das séries do Apple TV+, que constrói de maneira impressionante os palácios franceses do século XVIII e pintam uma sociedade opulenta, bem povoada, sem poupar um centavo. A direção de Tim Van Patten, veterano da HBO que já comandou episódios de “Boardwalk Empire”, “Família Soprano” e “Game of Thrones”, é efetiva sem ser particularmente autoral, mas ao menos ele permite que os sets e a ambientação respirem e sejam exibidos em toda a sua glória.
No fim das contas, portanto, “Franklin” é uma experiência mista — mas que pode acabar sendo suficiente para você, dependendo do quanto Michael Douglas consiga lhe prender na poltrona.
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