O melhor pedaço da Maçã.

“The Big Cigar” transforma a ambiguidade do seu protagonista em uma narrativa sem foco, ainda que instigante

Os Panteras Negras são um assunto um tanto quanto espinhoso para Hollywood. Poucos filmes ou séries produzidos até hoje conseguiram retratar com fidelidade as bandeiras, a importância e o legado do lendário partido, fundado nos anos 1960 — no contexto do Movimento dos Direitos Civis — com uma base socialista, revolucionária, antirracista e antifascista. O radicalismo implacável do BPP (Black Panther Party), afinal de contas, é forte o suficiente para afetar as sensibilidades até mesmo das plateias (brancas) mais progressistas e arejadas.

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E, se os Panteras Negras já constituem um tópico difícil por si só, a figura de um dos seus fundadores é ainda mais desafiadora para qualquer narrativa clássica. Huey P. Newton, que fundou o BPP junto a Bobby Seale, é a ambiguidade em pessoa: por um lado, criou um movimento importantíssimo, mostrando um caminho de emancipação das comunidades afro-americanas e dirigindo, sob a sua gerência direta, um programa revolucionário de suporte a essas comunidades, com centros de reabilitação, bancos de alimentos, clínicas de atendimento médico e centros de aconselhamento para famílias de detentos. Por outro lado, Newton foi uma figura notavelmente instável e violenta, acusado de envolvimento em ao menos dois assassinatos ao longo da vida.

Retratar tais contradições pode ser um desafio até mesmo para os artistas mais ousados — e, se feito do jeito certo, pode gerar obras de arte deveras notáveis. E é exatamente o desafio que “The Big Cigar: a Fuga” se propõe a superar: a minissérie, que estreou no Apple TV+ na última sexta-feira (17/5) com dois dos seus seis episódios já disponíveis, escolhe um ponto bastante particular da vida de Newton para ilustrar suas convicções, suas falhas e sua riquíssima — e controversa — história.

O problema é que, como costuma acontecer em narrativas sobre figuras tão fortes e ambíguas, a minissérie nunca é capaz de refletir a força do seu retratado.

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A moldura escolhida para formar a história é um episódio intrigante da vida de Newton, aqui retratado pelo ator André Holland (“Moonlight”). Em 1974, uma caçada se forma no encalço do ativista, acusado de matar uma jovem trabalhadora sexual — acusação que, segundo o próprio Newton, é injusta e feita com fins políticos pelas forças dominantes dos Estados Unidos. Newton, então, vai buscar ajuda no mais improvável dos lugares: Los Angeles — ou, mais precisamente, na porta do produtor hollywoodiano Bert Schneider (Alessandro Nivola), um velho amigo que outrora tentara, sem sucesso, produzir um filme sobre a vida de Newton com o comediante Richard Pryor no papel principal.

Juntos, Newton e Schneider bolam um plano infalível — sim, digo isso com todas as conotações de Cebolinha da coisa — para facilitar a fuga do ativista para Cuba: iniciar a produção de um filme falso, intitulado (adivinhem) “The Big Cigar”, para ter a desculpa de transportar Newton até o país socialista caribenho, muito longe das mãos do FBI.

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A descrição acima — que, se lhe lembrou “Argo”, não é por acaso: a minissérie é baseada em uma reportagem de Joshuah Bearman, que também escreveu a matéria no qual o filme vencedor do Oscar se baseou — mostra que, no mínimo, “The Big Cigar” quer trilhar um caminho diferente do que se esperaria para uma figura tão controversa: em vez de um mergulho psicológico nas contradições de Newton, o que temos aqui na superfície é uma história de fuga um tanto quanto absurda, com várias pitadas de humor e ironia. A produção não chega a ser uma comédia, mas também está longe de ser um drama tradicional.

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É neste ponto que a minissérie da Maçã peca com mais força. Indecisa se quer ser um estudo de personagem ou uma trama rocambolesca inspirada em acontecimentos reais, “The Big Cigar” acaba cheia de saltos tonais que, em vez de reforçarem a narrativa ou a vibe pretendidas, acabam soando apenas como falhas de roteiro — algo como “Ok, já cumprimos a parte da diversão, agora vamos voltar para o drama psicológico… certo, agora mais uma cena engraçada aqui…”, o que nunca é um bom sinal.

Nada disso, vale notar, é culpa do diretor Don Cheadle (sim, o também aclamadíssimo ator Don Cheadle), que comanda os dois primeiros episódios da minissérie. Em seus 80 e poucos minutos de projeção, Cheadle usa e abusa dos artifícios estilísticos para criar uma linguagem sonora/visual que remete aos filmes de blaxsploitation dos anos 1970 (como o filme falso “The Big Cigar” pretendia ser): zooms rápidos e repentinos, telas divididas, trilha sonora impactante e ritmada… tudo isso está aqui, e o cineasta mostra domínio completo dos elementos que tem à mão para, do jeito que pode, minimizar as deficiências do roteiro.

Também há de se destacar a tour-de-force de Holland no papel principal da minissérie. Desde sempre um ator notável em suas participações como coadjuvante, ele agarra a oportunidade do seu primeiro protagonista e deita e rola como Huey Newton, sem nunca se entregar à reprodução barata dos trejeitos da figura retratada — em vez disso, o Newton de Holland é uma pessoa real e, mesmo por cima de todas as suas controvérsias, uma figura capaz de despertar empatia no espectador. É mérito de Holland que nós torçamos pelo protagonista durante toda a minissérie, e o ator sabe muito bem que, sem essa entrega de confiança, toda a premissa de “The Big Cigar” desabaria.

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Felizmente, ela não desaba — ainda que nunca se erga completamente nem se destaque perante outras histórias já feitas em Hollywood sobre os Panteras Negras. Em outras palavras, “The Big Cigar” nunca será “Judas e o Messias Negro”, para citar outra produção (muito melhor) sobre figuras controversas dentro do BPP. Ainda assim, pela premissa intrigante e pelos talentos na frente e atrás das câmeras, vale dar uma chance.

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