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A segunda chance do visionOS

Jack Skeens / Shutterstock.com
Apple Vision Pro

Em janeiro, eu escrevi no texto “A greve dos apps contra o Apple Vision Pro” que a falta dos grandes aplicativos de consumo multimídia para o dispositivo parecia ser, pelo menos parcialmente, resultado de anos de azedamento na relação entre a Apple e o mercado desenvolvedor.

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O ponto central do artigo, como sabem os adeptos da prática milenar da interpretação de texto, não era sugerir que havia uma greve literal organizada por todos os desenvolvedores, cujo único resultado possível seria um total de zero apps lançados para o Apple Vision Pro até o fim dos tempos, mas sim a aparente recusa de empresas como Netflix, YouTube e Spotify a ajudarem a Apple na missão de estabelecer uma nova plataforma, visto que elas estão bastante insatisfeitas há anos com os termos das plataformas atuais (e das quais elas se veem reféns).

Pois bem. De lá para cá, pouco mudou. Na verdade piorou, considerando que estamos a poucos dias do aniversário de um ano da liberação do kit de desenvolvimento (SDK) para o Apple Vision Pro, e que a oferta atual de apps e o interesse pelo produto não estão exatamente muito maiores do que eram quando ele foi lançado, há quase seis meses.

600 apps

Às vésperas da chegada do Apple Vision Pro, a empresa publicou um comunicado celebrando o fato de que haveria mais de 600 apps nativos disponíveis para o dispositivo logo no lançamento. Ótimo, certo? “Cadê a greve?”, a turma do gaslighting que se dedica a desqualificar meus artigos fez questão de perguntar nos comentários.

É claro que 600 apps nativos são algo melhor do que… bem, menos do que 600 apps nativos. Em números absolutos já era um ótimo começo, apesar da notável ausência de apps verdadeiramente importantes para o consumo de conteúdo 1Que, por sinal, também decidiram desligar a compatibilidade dos seus apps para iPad com o Apple Vision Pro., e que poderiam ter ajudado parte dos indecisos a optar por comprar o headset logo no início.

Por outro lado, considerando o tamanho da App Store em janeiro de 2024 e, comparando esse lançamento aos de produtos anteriores, esses 600 apps passam a parecer, digamos, menos impressionantes.

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Isso porque, em julho de 2008, a App Store foi lançada com 500 apps. Já para a chegada do primeiro iPad, em 2010, foram lançados perto de 1.500 apps nativos (incluindo Netflix), dentre os mais de 140.000 apps disponíveis na App Store de forma geral. Quando o Apple Watch chegou ao mercado, em 2015, ele veio acompanhado de 3.000 apps, dentre 1,4 milhão disponíveis na App Store. O que nos traz aos 600 apps no lançamento do Apple Vision Pro no início de 2024, dentre os quase 2 milhões disponíveis na App Store atualmente. Perspectiva é tudo, não?

Vale incluir aqui outro contexto importante, ainda que anedótico: a taxa de uso dos apps disponíveis para o Apple Vision Pro (bem como uso do próprio aparelho) parece estar caindo desde o lançamento.

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O desenvolvedor Marco Arment, por exemplo, vem comentando ocasionalmente no Accidental Tech Podcast sobre as métricas de uso do seu app Overcast no Apple Vision Pro. Há aproximadamente dois meses, ele havia dito que o número de usuários estava na casa das “poucas centenas”. Há duas semanas, Arment disse que o número havia caído para “algo em torno de 120 pessoas”.

Já o desenvolvedor Guilherme Rambo comentou no episódio mais recente do podcast Área de Transferência que, atualmente, as métricas do seu divertido app ChibiStudio mostram que há mais pessoas rodando-o no ainda não anunciado iOS 18 (ou seja, apenas funcionários da Apple) do que no Apple Vision Pro. Isso obviamente não acontece com as versões para iPhone e iPad, que são amplamente utilizadas até mesmo em escolas.

Há desenvolvedores independentes ganhando destaque na plataforma? É claro! Valendo-se do vácuo deixado pela ausência do app oficial do YouTube, o talentoso desenvolvedor Christian Selig lançou o app Juno, que se tornou instantaneamente o mais baixado para o dispositivo 2“Cadê a greve?” a turma do gaslighting declarou vitória e voltou a perguntar nos comentários, ignorando a óbvia diferença entre um app oficial feito pelo Google, e um (ótimo) web view feito por um desenvolvedor independente.. Já, valendo-se da ausência de um app oficial da Netflix, o app Supercut de Christian Privitelli também chamou a atenção. Mesma coisa para o app Sylver, de John Chorlog, que supre a ausência de um app oficial do Instagram. Notou um padrão aqui?

É bem provável que os apps oficiais da maioria dessas grandes plataformas cheguem ao Apple Vision Pro em algum momento. As questões que ficam são: quanto tempo isso irá levar, e o que a Apple poderá fazer para manter o interesse aquecido nesse meio-tempo? Talvez vejamos parte dessas respostas na WWDC24.

visionOS 2

Para boa parte das pessoas que de fato compraram um Apple Vision Pro no lançamento, quando perguntadas se vêm usando o produto, a resposta costuma ser algo nas linhas de: “Ah, eu queria estar usando mais, só que…”, seguida de algum empecilho específico.

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Para o Rafa, o atrito está na obrigatoriedade de uso de uma conta americana na App Store, em contraste com a sua conta normal. Já para o Breno, que tem uma conta americana na App Store como a sua principal, o problema está na falta de apps que o ajudem na produtividade do dia a dia. Não que todos eles estejam de greve, é claro. Só não estão lá. Até agora.

Apesar de ser extremamente provável, ainda não dá para afirmar com certeza que veremos uma segunda versão do visionOS na WWDC24. Mas na prática, essa seria a primeira oportunidade de a Apple apresentar as mudanças que são naturais da evolução de qualquer produto, redobrando os esforços nos aspectos que vêm funcionando, corrigindo o curso naqueles que podem melhorar e trazendo funcionalidades que fizeram falta na primeira versão.

YouTube video
O iPhone OS 2 foi apresentado na WWDC 2008.

Foi assim com o iPhone OS 2, que ganhou suporte empresarial, um SDK para o lançamento da App Store, notificações push e controles parentais. Já no iOS 5, a primeira grande atualização do sistema após o aniversário de um ano do lançamento do primeiro iPad (à cuja altura o iPad 2 já havia sido lançado), vieram funcionalidades como gestos multitarefa e a opção de desacoplar o teclado do rodapé da interface.

YouTube video
O iOS 5 foi apresentado na WWDC 2011.

Ainda assim, talvez o melhor exemplo de correção de curso seja o Apple Watch. Quem assistiu à apresentação original do produto, em 2014, provavelmente se lembra do tripé de comunicação de seus benefícios: um relógio preciso e customizável, uma forma intimista de se conectar e de se comunicar, e um companheiro abrangente de saúde e de preparo físico.

Na época, não faltaram argumentos como “a combinação de pulseiras e mostradores possibilita milhões de customizações para o Apple Watch”, ou de demonstrações como a do envio de batimentos cardíacos para alguém, como manifestação de intimidade.

Pouco tempo depois, isso tudo caiu por terra: a empresa fortaleceu o Apple Watch no segmento de saúde e de exercícios, ao mesmo tempo em que extinguiu sua opção de ouro, se distanciou das nomenclaturas Sport e Edition, e acabou com o envio de batimentos cardíacos. Nesse meio-tempo, empresas como Uber (que ganhou um destaque enorme no lançamento com seu app nativo) e Instagram abandonaram a plataforma e, apesar disso, o Apple Watch nunca esteve tão forte.

Resumo da ópera

Dado o alto preço e o baixo interesse do grande público pelo não só pelo Apple Vision Pro, mas sim por todo o segmento que a empresa chama de computação espacial — e considerando os últimos rumores os quais indicam que a segunda versão do produto não deverá chegar antes do final de 2026 —, essa primeira versão está em uma situação bastante delicada. E a coisa soa ainda pior quando lembramos que ela tem um chip M2, e que já estamos na era do M4.

É bem verdade que o lançamento iminente em mais países poderá reaquecer as vendas e o interesse pelo aparelho, mas me parece igualmente provável que elas devam esfriar tão rapidamente quanto foi nos Estados Unidos.

Dito isso, a WWDC24 seria o palco perfeito para a empresa dar as primeiras pinceladas na sua visão da evolução do visionOS para além desse primeiro Apple Vision Pro, tangibilizando seu potencial e sua utilidade para além do contra-argumento já cansado, mas ainda bastante justificado de “Tá, mas por US$3.500…” de quem já sabe que não irá comprar essa primeira versão.

Melhorias para o dispositivo atual serão bem-vindas (e muito necessárias), é claro, e tenho total confiança de que a Apple esteja preparando manobras até mesmo agressivas para aumentar a gama de apps compatíveis com o aparelho.

Ainda assim, isso resolve apenas parte do problema. O verdadeiro desafio do visionOS 2 não será atender somente às expectativas de quem o comprou e sente que ainda falta algo, mas também reconquistar o interesse de quem se mostrava cético antes do seu lançamento, e que até hoje não viu motivo para reverter essa impressão.

Notas de rodapé

  • 1
    Que, por sinal, também decidiram desligar a compatibilidade dos seus apps para iPad com o Apple Vision Pro.
  • 2
    “Cadê a greve?” a turma do gaslighting declarou vitória e voltou a perguntar nos comentários, ignorando a óbvia diferença entre um app oficial feito pelo Google, e um (ótimo) web view feito por um desenvolvedor independente.

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