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Um ano de Threads e a implosão do mercado de redes sociais

DALL·E
Bolo de aniversário do Threads com vários ícones de redes sociais

Há quase exatamente um ano, eu escrevi que o sucesso do Threads não estava condicionado a um eventual colapso do Twitter, já que ele se apresentava mais como uma alternativa do que como um concorrente da plataforma até então recém-adquirida por Elon Musk 1Não vai adiantar nada, mas vamos lá: se você usa o X e está satisfeito, que bom. Aproveite. O texto a seguir não é sobre você. 🙂.

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E essa distinção é importante: concorrência implicaria o Threads tentar conquistar os usuários, enquanto alternativa implica se apresentar como atraente para quem já estivesse disposto a experimentar outras opções.

E na época, elas não paravam de surgir. Da milésima ressurreição do Mastodon à estreia do Bluesky 2Que vale lembrar, nasceu dentro do X, quando ainda era Twitter., passando pelo Koo, pelo Post.News, pelo Hive Social, pelo Artifact, pelo Substack Notes e por tantos outros, o mercado de redes sociais efervesceu como há anos não se via.

O problema é que essa efervescência durou tanto tempo quanto um Sonrisal.

Lançou, sumiu

A Post.News, rede social com foco em consumo de jornalismo, fundada pelo ex-CEO do Waze na metade do ano passado com a interessante ideia de monetizar curtidas, encerrou suas atividades em abril dizendo: “O nosso serviço não está crescendo rápido o suficiente para se tornar uma plataforma significante.”

Já o Koo fechou na última semana, após ter passado os últimos meses balançando. Criado em 2020 na Índia como uma alternativa às tensões entre o Twitter e o governo do país, o app encontrou sua maior popularidade no Brasil, graças ao seu nome cacofônico e ao nosso espírito nacional de quinta série. Passado o efeito novidade, o Koo murchou e relatou na última quarta-feira (3/7) que “[investidores] não querem lidar com conteúdos gerados por usuários e com a natureza caótica de uma rede social”.

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Mas nem só de C + V do antigo Twitter viveu esse mercado no último ano. Talvez uma das ideias mais interessantes, diferentes e igualmente infecundas tenha sido o Artifact, do brasileiro Mike Krieger e do americano Kevin Systrom, os fundadores do Instagram. Ao unir os conceitos de leitor RSS e rede social, o Artifact usava IA para sugerir matérias que pudessem ser do interesse do usuário. Era basicamente um TikTok de texto, mas sem o apelo do TikTok de vídeo.

Após o lançamento em janeiro de 2023, levou um ano até eles concluírem que “a oportunidade de mercado não é grande o suficiente para justificar um investimento contínuo [no app]” e anunciarem seu encerramento 3Em abril, o Yahoo adquiriu o Artifact, com o objetivo de integrar a IA de recomendação de notícias em seus outros produtos..

Já o Mastodon e o Bluesky, coitados. Eles têm seus nichos de usuários altamente engajados, e que bom para eles. E ambos ajudaram a trazer atenção ao conceito de descentralização e federação de redes sociais. Mas a essa altura, já está claro que nenhum deverá engatar muito além dos atuais 15 milhões de usuários no caso do Mastodon e dos 6 milhões no caso do Bluesky.

E o Threads?

Bem, valendo-se da base gigantesca do Instagram, o app conquistou 100 milhões de usuários em tempo recorde à ocasião do seu lançamento. Muitos desses desistiram da plataforma nas semanas seguintes mas, aos poucos, ela conseguiu reverter essa tendência. Atualmente, segundo Mark Zuckerberg, o app soma 175 milhões de usuários ativos mensalmente, sendo 25 milhões adicionados desde abril. A rede está crescendo 4“Alguém ainda usa isso?” Aparentemente, sim..

Mas não parece. O impacto cultural e social do Threads até agora beira o nulo, em grande parte porque o próprio chefe da plataforma, Adam Mosseri, tem resistido à demanda dos usuários de posicionar o app como o nexo das conversas importantes do momento. Como resultado, nenhum debate relevante nasce no Threads e ganha o mundo, ao mesmo tempo em que a plataforma se prova alérgica à ideia de promover debates sobre eventos mundiais importantes, em favor de postagens de memes cretinos ou de mendigos de engajamento.

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É bem verdade que a plataforma evoluiu ao longo desse primeiro ano de existência, tendo implementado funcionalidades como a ocultação de palavras na timeline, conectividade com o protocolo ActivityPub, visualização de múltiplas colunas de timelines de uma vez (só na versão web), controle de citações e de menções, edição de postagens, disponibilização de APIs e por aí vai.

Mas nada disso será suficiente enquanto o Threads tiver medo de permitir debates mais profundos do que se é bolacha ou se é biscoito, sob a fachada da positividade — que, por mais que tenha sido bem-vinda no lançamento, agora beira o negacionismo da realidade.

E o X?

Aqui, a análise se complica. Em novembro de 2022, a empresa disse ao veículo britânico The Guardian que sua rede tinha 250 milhões de usuários ativos diários. Já em março de 2024, ou seja, 16 meses depois, ela disse que tinha250 milhões de usuários ativos diários. Dois meses depois, Elon Musk disse que “aproximadamente metade” dos 600 milhões de usuários ativos mensais utilizavam a plataforma todos os dias 5Ou seja, algo em torno de… 250 milhões, talvez?.

E falando nos usuários ativos mensais, a empresa havia dito que tinha 500 milhões em março de 2023, manteve o número 500 milhões em outubro do mesmo ano, relatou 500 milhões em março de 2024 e 600 milhões agora em maio. Se esses números fazem sentido para você, fico contente. Mas torço para que não trabalhe com exatas.

Na contramão disso, todos os índices com informações disponíveis publicamente a respeito do X pintam um cenário diferente. O fundo Fidelity, por exemplo, que emprestou uma parte do dinheiro para a vaquinha da compra do Twitter, informou em abril que esse investimento já estava desvalorizado em 72%. E isso foi depois de valorizar 4,4% em relação ao começo do ano.

Já segundo o New York Times, o X perdeu 52% do faturamento doméstico com publicidade em 2023. E isso foi antes do evento em que Musk mandou os anunciantes se foderem. Mais recentemente, ele participou de um painel em Cannes pedindo por favorzinho para eles suspenderem o autocoito e voltarem a anunciar na plataforma.

Enquanto isso, a Sensor Tower, que mede instalações de apps para iOS e Android, informou em janeiro que o X havia registrado uma queda de 25% em downloads nos EUA entre novembro de 2022 e janeiro de 2024 6Note que praticamente todos os apps sociais estão em queda, ainda que bem menos íngremes., algo que qualquer pessoa que acompanhe a lista de apps mais baixados também consegue verificar por conta própria. Mesma coisa para a Similarweb, a Cloudflare e até mesmo o Google Trends, cujos gráficos relacionados ao X apontam unanimemente para baixo.

Saturação

Ao contrário do que os previsíveis comentaristas anônimos perpetuamente raivosos devem estar lamuriando aqui embaixo, a apresentação desses números não representa um ataque ou perseguição contra o homem para o qual muitos desses olham e suspiram: “Papai?” 7Isso significa que está errado quem admira os avanços que ele proporcionou nos mercados automotivo, astronômico, etc.? É claro que não. Pelo contrário. Somando os históricos recentes do X e do Threads, e as incontáveis iniciativas de redes sociais que surgiram e quase imediatamente evaporaram, fica cada vez mais óbvio que, por mais que qualquer empresa ou executivo se esforce, a era de ouro das redes sociais pode ter chegado ao fim.

É claro que há quem genuinamente ainda se estimule e se divirta com o ambiente de antagonismo perene que se instalou nas grandes redes, e que acredite que essa é a dinâmica natural das coisas. Mas isso não é o mundo real, e não é representativo do resto da população que não sente esse mesmo impulso visceral de viver no constante pé de guerra para o qual essas grandes redes involuíram nos últimos anos.

Pensando nisso, não é à toa que plataformas e produtos sociais como o TikTok, os Reels, os Stories e os Shorts tenham passado a fazer cada vez mais sucesso. Primeiro, porque consumir vídeo nunca foi tão barato e tecnicamente acessível quanto agora. E em segundo lugar, porque o foco dessas plataformas está no consumo do conteúdo e não na interação direta (além da cansativa câmara de eco) entre usuários.

Na prática, para o número cada vez maior de pessoas que tem preguiça de entrar numa rede social mais tradicional e ver apenas as mesmas brigas de ontem e de antes de ontem, e de 2020 e de 2010, passar esse mesmo tempo vendo uma sequência de vídeos curtinhos tende a parecer mais recompensador, ainda que igualmente caloricamente vazio. Já para quem se nutre com teorias da conspiração, bem, não faltam vídeos sobre isso também.

Resumo da ópera

Tirando o TikTok 8Que só tem o tamanho e relevância atuais porque a ByteDance fagocitou a concorrente Musical.ly com seus 200 milhões de usuários em 2017., as únicas companhias que seguem vivas no segmento de redes sociais em 2024 são justamente as que chegaram primeiro e que souberam dominar o (e se adaptar ao) mercado móvel, crescendo a ponto de neutralizar no berço qualquer sinal de concorrência.

Somando isso ao fato de que muitas novas redes sociais vêm fechando porque “não há mercado” e “ninguém quer investir”, não chega a ser uma surpresa que o app mais baixado de 2023 tenha sido o Instagram, e que seja graças a ele (e aos bolsos profundos da Meta) que o Threads esteja completando seu primeiro aniversário, celebrando um crescimento tão grande quanto a sua irrelevância.

O futuro é imprevisível, mas o mercado de redes sociais não demonstra sinais de que poderá voltar a atingir os níveis de impacto, empolgação e faturamento de uns anos atrás, quando ainda era possível acreditar na promessa de que seus produtos iriam conectar as pessoas, ao invés de apenas dividi-las. E quer saber? Talvez essa não seja uma notícia tão ruim assim.

Notas de rodapé

  • 1
    Não vai adiantar nada, mas vamos lá: se você usa o X e está satisfeito, que bom. Aproveite. O texto a seguir não é sobre você. 🙂
  • 2
    Que vale lembrar, nasceu dentro do X, quando ainda era Twitter.
  • 3
    Em abril, o Yahoo adquiriu o Artifact, com o objetivo de integrar a IA de recomendação de notícias em seus outros produtos.
  • 4
    “Alguém ainda usa isso?” Aparentemente, sim.
  • 5
    Ou seja, algo em torno de… 250 milhões, talvez?
  • 6
    Note que praticamente todos os apps sociais estão em queda, ainda que bem menos íngremes.
  • 7
    Isso significa que está errado quem admira os avanços que ele proporcionou nos mercados automotivo, astronômico, etc.? É claro que não.
  • 8
    Que só tem o tamanho e relevância atuais porque a ByteDance fagocitou a concorrente Musical.ly com seus 200 milhões de usuários em 2017.

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