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Orion

Na corrida do pós-mobile, o Meta Orion mostra a linha de chegada

No início de 2012, o Google publicou um dos vídeos mais empolgantes e enganosos da sua história.

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Ao longo de impressionantes 1Para a época, óbvio. 2 minutos e 30 segundos, a companhia mostrou um dia na vida de um fictício jovem nova-iorquino. Ele se levanta, faz café da manhã, navega pela cidade, planeja um encontro com um amigo, tira fotos, faz pesquisas e videochamadas… tudo sempre por meio de comandos de voz, e de uma interface minimalista e contextualmente proativa que ocasionalmente ocupa todo o seu campo de visão.

Esse vídeo foi a primeira manifestação pública das ambições que o Google tinha para o seu incipiente projeto do Google Glass, e criou uma expectativa inatingível gigantesca em cima do produto que parecia posicionar a companhia anos-luz à frente da concorrência no mercado digital 2Vale lembrar que, na época, a Siri ainda era uma novidade empolgante e que o Google Assistente levaria mais quatro anos para ser anunciado..

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Já na prática, o Google Glass foi uma tremenda decepção. Além de não entregar uma fração do que o vídeo sugeria, ele foi tão socialmente rejeitado que pessoas chegaram a ser atacadas na rua apenas por usá-lo. Seus usuários, por sinal, ficaram conhecidos por alcunha nada gentil: eram os glassholes.

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Ainda assim, o Google Glass milagrosamente seguiu vivo até o ano passado, tendo amargado o mesmo caminho de todos os produtos que fracassam na missão de emplacar com o grande público: relegado aos mercados educacional e corporativo, respirou por aparelhos por meio de acordos sem relevância.

Esse, por sinal, também foi o ciclo de vida do interessante Microsoft HoloLens. Anunciado com bastante fanfarra em 2015, ele passou os últimos anos operando às margens dos mercados educacional, industrial e até mesmo militar e, apesar de ter sido agraciado com segunda versão em 2019, foi descontinuado há poucos dias.

Protótipos e conceitos

Se você nunca se deparou com imagens ou histórias de protótipos da Apple, vale tirar um tempinho para ir atrás disso.

Além de contar com as tradicionais placas de circuito vermelhas, os protótipos da Maçã ajudam a contar a historia do desafio que a empresa sempre enfrentou para miniaturizar tecnologias e componentes, na jornada de viabilizar suas próximas linhas de produtos.

Um dos primeiros protótipos do iPhone, por exemplo, ocupava uma mesa inteira. Isso foi antes de a Apple conseguir miniaturizá-lo para algo mais próximo do que hoje qualquer um identificaria como um protótipo de iPad, o que por sua vez foi sucedido pelo já famoso M68 que você vê aqui embaixo.

Já no caso do iPod, um dos protótipos mais famosos foi o P68/Dulcimer, cujo aspecto abaixo serviu em grande parte para não vazar qual seria o design do dispositivo.

E falando no iPod, aqui vai uma curiosidade contada por Walter Isaacson na biografia de Steve Jobs, e que vale manter em mente para depois (adaptação minha a partir da tradução oficial):

No outono de 2000, Steve Jobs começou a pressionar para que a Apple tivesse um leitor de música portátil, mas Jon Rubinstein 3À época, vice-presidente sênior de engenharia de hardware. respondeu que os componentes necessários ainda não existiam. O grande desafio era encontrar um HDD 4Hard disk drive, ou disco rígido. que fosse pequeno o suficiente, mas que tivesse bastante memória para servir como um excelente aparelho de música. Em fevereiro de 2001, ao final de uma reunião de rotina com a Toshiba, os engenheiros mencionaram um novo produto que tinham no laboratório: um drive minúsculo com capacidade de 5GB de armazenamento, mas eles não sabiam exatamente o que fazer com ele. Quando os engenheiros da Toshiba o mostraram a Rubinstein, ele soube imediatamente como o usaria.

Isso nos traz, é claro, ao Apple Vision Pro. Após quase uma década de rumores, bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento e meses de disponibilidade, a resposta dos consumidores e dos desenvolvedores para o dispositivo segue sendo um enorme bocejo.

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Suas tecnologias, por mais impressionantes e promissoras que sejam, provam-se pouco práticas em quase todos os aspectos. Quem testa, não vê motivo para comprar. Quem compra, não vê motivo para usar. Quem usa, geralmente diz fazê-lo com uma frequência que passa longe de justificar o salgado investimento.

Quem acompanhou os rumores sobre os planos da Apple para o mercado imersivo sabe que o Vision Pro sempre foi planejado para ser apenas o ponto de partida dessa jornada 5Já seu fracasso, obviamente, não estava nos planos.. Em 2021, por exemplo, o analista Ming-Chi Kuo relatou que a Apple pretendia lançar um headset em 2022, óculos em 2025, e lentes de contato entre 2030 e 2040.

Hoje, obviamente, sabemos que o headset não foi lançado em 2022, sabemos que é absolutamente impossível que os óculos venham em 2025, e também podemos imaginar que seja bastante improvável que as lentes de contato realmente sejam lançadas até o ano 2040.

Por outro lado, no caso dos óculos, agora nós pelo menos sabemos que eles são possíveis. E isso não é graças à Apple.

Meta Orion

No evento recente Meta Connect, Mark Zuckerberg apresentou o Orion: um par de óculos de realidade aumentada que não será comercializado, mas que demonstra as tecnologias que a companhia espera poder disponibilizar ao grande público em produtos parecidos nos próximos anos.

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Segundo o jornalista Alex Heath do The Verge, o dispositivo — que conta com uma base remota de processamento para economizar bateria e uma pulseira para ajudar no controle da interface — não será vendido por um motivo simples: preço. Cada unidade custa US$10 mil para ser fabricada, e isso não inclui os mais de US$5 bilhões que Zuckerberg disse que foram investidos no projeto.

Ainda assim, imediatamente após o anúncio do protótipo, as atenções obviamente se voltaram para a Apple. Comparativamente 6E por mais injusta que seja essa comparação, por uma série de motivos óbvios., o Apple Vision Pro passou a parecer algo tão rudimentar e pré-histórico quanto aquele protótipo do iPhone que lembrava um iPad.

Mais do que isso, ele provou que há, sim, um grande potencial de interesse público por um dispositivo imersivo, desde que entregue o equilíbrio certo entre formato e utilidade. E, enquanto o Apple Vision Pro falha em ambos, o Meta Orion se posiciona como vencedor — o que é injusto, afinal, ele nem será lançado. Ainda assim, ele cumpre a tarefa de se posicionar como a resposta certa para uma pergunta que a Apple ainda parece incapaz de (ou não estar disposta a) formular.

Para Zuckerberg, a boa reação ao projeto Orion representa uma vitória gigantesca, pois lhe oferece um sinal de esperança de que a Meta estará bem posicionada para o futuro da iminente era pós-smartphone, caso esse futuro realmente seja o mercado imersivo.

Futuro esse, por sinal, que ela própria vem tentando criar desde pelo menos 2014 com a aquisição da Oculus VR, somada a iniciativas mais recentes como os Ray-Ban Meta Smart Glasses.

Aliás, lembra da história do iPod que de certa forma só deu certo por conta dos HDDs da Toshiba? Pois bem. O mesmo acontece com esses óculos e IA generativa. Quem costuma ler minhas colunas sabe que eu falo há tempos que óculos e IA multimodal têm tudo a ver, e as novas versões e novas funcionalidades dos Ray-Ban Meta Smart Glasses são prova disso.

Eles são para todo mundo? Ainda não. Ainda.

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De volta ao Orion, o sucesso da demonstração aponta para uma situação em que, pela primeira vez, Zuckerberg pode se ver livre de depender totalmente do iOS e do Android para que sua empresa siga existindo, o que ele próprio já se referiu múltiplas vezes como seu maior arrependimento depois de ter perdido o bonde do mobile, e de ter fracassado amargamente com o natimorto Facebook Phone, em 2013.

Resumo da ópera

Muito se falou nas últimas semanas sobre como a impressão de que a Apple está ficando para trás na corrida da era pós-smartphone se dá pelo fato de que ela não costuma mostrar protótipos. E parte disso é verdade.

Ela inevitavelmente tem trocentos protótipos parecidos com o Orion em salas sem janelas em Cupertino, e nada impediria Tim Cook de subir num palco gravar um vídeo demonstrando um dispositivo que seria caro demais para ser lançado, mas com tecnologias avançadas e impressionantes que inevitavelmente farão parte do nosso cotidiano dentro de alguns anos.

Mas… isso também não descreve exatamente o Apple Vision Pro? A diferença é que, mesmo sendo caro demais para ser lançado, ele o foi.

Existe uma frase que geralmente é atribuída a Henry Ford 7E que não há prova nenhuma de que ele de fato tenha dito., que é a seguinte: “Se eu tivesse perguntado às pessoas o que elas queriam, elas teriam pedido por cavalos mais rápidos.”

Quando o assunto é o Vision Pro e, especialmente os rumores de que a Apple segue investigando (ainda que com menos certeza) uma segunda versão, não consigo deixar de pensar que a situação contrária esteja acontecendo: enquanto o mundo diz à Apple que prefere ter um carro, ela parece seguir comprometida com a ideia de desenvolver apenas um cavalo mais rápido.

A essa altura, parece bastante evidente que, a menos que o projeto do Vision Pro seja cancelado para que a Apple possa passar a investir cada segundo e cada centavo em algo mais próximo (e mais bonito, pelamor) do Meta Orion, a empresa corre o sério risco não apenas de perder, mas sequer de cruzar a linha de chegada dessa corrida que já está mais do que óbvio que ela nunca quis disputar.

Notas de rodapé

  • 1
    Para a época, óbvio.
  • 2
    Vale lembrar que, na época, a Siri ainda era uma novidade empolgante e que o Google Assistente levaria mais quatro anos para ser anunciado.
  • 3
    À época, vice-presidente sênior de engenharia de hardware.
  • 4
    Hard disk drive, ou disco rígido.
  • 5
    Já seu fracasso, obviamente, não estava nos planos.
  • 6
    E por mais injusta que seja essa comparação, por uma série de motivos óbvios.
  • 7
    E que não há prova nenhuma de que ele de fato tenha dito.

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