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Esqueça Elon Musk: o maior vitorioso da eleição de Donald Trump foi Mark Zuckerberg

Ao distanciar-se da volatilidade política dos últimos meses, a Meta se consolida como o porto-seguro dos anunciantes frente ao que virá a seguir
Mark Zuckerberg na apresentação do Meta Orion

Acho que é justo dizer que, em 2016, a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos foi um acontecimento muito mais chocante e surpreendente do que o resultado da última semana.

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Primeiro, porque a Casa Branca vinha de um duplo mandato extremamente bem-sucedido de Barack Obama, que terminou a presidência com 59% de aprovação, versus os 38% atuais de Joe Biden. Isso colocava Hillary Clinton em um ponto de partida muito mais favorável que o de Kamala Harris.

Depois, porque até mesmo dentro do próprio Partido Republicano 1Rick Wilson, autor do artigo do link, era um dos principais conselheiros e estrategistas do Partido Republicano em 2016., Trump era visto como uma subcelebridade barulhenta que havia se cansado de brincar de apresentador de reality show, e que estava apenas gastando a própria fortuna para bancar um novo hobby 2Alô, Connor Roy! por uns meses. No início, sua candidatura foi entendida pelo Partido Republicano como um jeito útil, mas temporário de trazer atenção às eleições primárias, aproveitando a atenção em cima de Trump para apresentar os candidatos “reais” do partido à presidência.

Bem, obviamente a realidade diferiu da expectativa. Depois que Trump venceu, não faltaram análises e reflexões sobre como ele havia conseguido emplacar uma campanha tão bem-sucedida, tendo começado quase como um meme. E foi aí que os nomes do (na época) Twitter e do Facebook entraram na roda.

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No caso do Twitter (agora, X), não foi uma grande novidade que Trump soube usar a plataforma com maestria para incendiar as discussões diárias, neutralizando qualquer chance da campanha de Clinton de emplacar as próprias pautas. Já o Facebook teve dois papéis importantes: foi onde a campanha de Trump angariou a esmagadora maioria dos US$250 milhões que vieram de doações online, e também foi onde a campanha gastou a maior parte do dinheiro destinado a anúncios.

Ao longo das eleições, a campanha de Trump investiu US$44 milhões para veicular 5,9 milhões de anúncios direcionados no Facebook. Já Clinton comprou apenas 66 mil veiculações. Após a eleição, Brad Parscale, responsável pela estratégia digital da candidatura de Trump, disse o seguinte em entrevista à WIRED: “O Facebook e o Twitter foram os motivos pelos quais a gente ganhou esse negócio.”

Familiar?

Cambridge Analytica entra na sala

Antes da primeira eleição de Trump, o Facebook costumava ter uma seção “Governo e Política” na sua página de casos de sucesso de campanhas de publicidade. Um dos casos, por exemplo, promovia os anúncios do Facebook como “o melhor conteúdo para influenciar eleitores”. Já outros, creditavam a funcionalidade de anúncios microdirecionados como a responsável por recordes de conquista de votos e doações para candidaturas.

Como observado pelo The Intercept em 2018, todas essas páginas foram retiradas do ar quando explodiu o escândalo da Cambridge Analytica: uma empresa britânica que fornecia serviços de microdirecionamento de anúncios, com base em dados de usuários do Facebook que haviam sido adquiridos de forma irregular 3O caso veio à tona depois que Christopher Wylie, ex-funcionário da Cambridge Analytica, vazou documentos internos detalhando a aquisição irregular dos dados.. Na época, a campanha de Trump havia usado os serviços da Cambridge Analytica e, como o próprio responsável pela campanha já havia dito que os quase 6 milhões de anúncios direcionados no Facebook haviam sido determinantes para a vitória do seu candidato, sobrou para Mark Zuckerberg.

Logo após a eleição de Trump, Zuckerberg classificou como “uma ideia bem maluca” a noção de que a sua rede havia sido usada como arma para influenciar a eleição. Mas, em setembro de 2017, ele voltou atrás:

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Depois da eleição, eu chamei de maluca a ideia de que a desinformação no Facebook havia mudado o resultado da eleição. Chamar isso de maluquice foi um descaso meu, e eu me arrependo de tê-lo feito. Esse é um assunto importante demais para ser tratado com descaso.

Ele postou esse texto após o inevitável acontecer: depois de ter passado anos sendo acusado por democratas de ser leniente demais com as mentiras que Trump e seus apoiadores publicavam na rede, ele apertou a moderação. Obviamente, isso o fez começar a ser classificados por republicanos como “anti-Trump”, inclusive pelo próprio presidente.

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Em reação a essa aporia, Zuck adotou uma série de medidas para tentar remover o Facebook (e suas outras redes) das equações políticas que dominaram não apenas os EUA, mas também o resto do mundo: reduziu a visibilidade de publicações políticas, implementou múltiplas restrições para a veiculação de anúncios de campanhas políticas, encomendou estudos independentes para avaliar seu impacto eleitoral e cortou drasticamente as contribuições para campanhas políticas federais (apesar de ter mantido o favorecimento para candidatos republicanos).

Problema resolvido? É claro que não.

A nova ordem das redes sociais

Frente à crescente acusação de que as redes sociais estavam silenciando vozes conservadoras ao moderar publicações tidas como imprecisas ou como desinformativas, o pós-pandemia trouxe consigo uma série de acareações dos CEOs 4Chief executive officers, ou diretores executivos. das principais plataformas do ocidente, além do TikTok, frente ao Senado americano.

Em múltiplas oportunidades, executivos como Zuckerberg, Jack Dorsey (cofundador e CEO do Twitter em 2006-2008 e 2015-2021), Linda Yaccarino (CEO decorativa do X desde 2023), Jason Citron (CEO do Discord), Evan Spiegel (CEO da Snap) e Shou Chew (CEO do TikTok) tiveram de passar horas sendo acusados de partidarismo e viés liberal, enquanto serviam como saco de pancadas para políticos em busca de um momento viral para suas futuras campanhas de reeleição.

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O recém-reeleito senador republicano texano Ted Cruz, aqui em 2020, ao ex-CEO do Twitter: “Sr. Dorsey, quem diabos elegeu você e lhe colocou a cargo do que a imprensa tem permissão de reportar e o que o público americano tem permissão de saber, e por que você insiste em se comportar como um super PAC democrata, silenciando pontos de vista contrários às suas crenças políticas?”
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O recém-reeleito senador republicano misuriano Josh Howley, aqui em 2023, obrigando Zuckerberg a pedir desculpas às famílias de jovens vítimas de suicídios associados ao uso de redes sociais.

Em algum momento durante todo esse bololô, Elon Musk comprou o Twitter e o transformou no X. A essa altura, ele já estava de birra com o governo Biden por ter sido obrigado a fechar temporariamente as fábricas da Tesla durante a pandemia em 2020, e rompeu de vez com os democratas no ano seguinte quando não foi convidado para um simpósio sobre carros elétricos organizado pela Casa Branca.

Dali em diante, progressivamente radicalizado pelo próprio algoritmo e incentivado pelos trolls que lhe manifestam o amor e a aceitação que o pai nunca lhe deu, Musk passou a se aproximar dos republicanos mais extremistas. Ele transformou o X em um veículo de propaganda em favor da candidatura de Trump, doou US$118 milhões a um PAC dedicado a Trump na expectativa de receber favores ao longo dos próximos quatro anos, e dificilmente será chamado frente ao Senado para ser acusado de partidarismo ou de usar seu veículo de comunicação para fins enviesados de propaganda política.

Mas e Zuckerberg?

Bem, durante toda a campanha presidencial americana, Zuckerberg e todas as suas plataformas conseguiram ficar absolutamente distantes de qualquer polêmica relevante, ou de grandes acusações de partidarismo vindas de qualquer lado.

Mais do que isso, a Meta ativamente buscou não fazer parte da conversa. A alergia da empresa a política é tanta, que a recém-lançada plataforma Threads 5Que recentemente ultrapassou a marca de 275 milhões de usuários mensais., concorrente direta do X, é completamente inútil para quem queira manter-se informado sobre qualquer assunto em tempo real, seja ele político ou não. Isso é algo que o próprio Adam Mosseri, líder do Instagram e do Threads, já disse múltiplas vezes que é proposital, e que não irá mudar.

Pudera. Desde outubro de 2022, quando Musk postou o trocadilho infame “let that sink in”, enquanto entrava na sede do Twitter segurando uma pia no dia em que completou a aquisição, a Meta já valorizou 500%.

Isso aconteceu em grande parte porque, de lá para cá, a Meta absorveu quase todo o orçamento do mercado publicitário das empresas que deixaram de anunciar no X. Naquele trimestre de 2022, a Meta havia relatado US$27,7 bilhões faturados com anúncios. Já no trimestre mais recente, foram US$40,5 bilhões.

Ao conseguir manter-se longe das equações, dos cálculos e da maioria das polêmicas envolvendo campanhas políticas recentes, Zuckerberg sinalizou ao mercado que ele entendeu qual é a sua única missão nesta Terra: seguir enchendo os bolsos dos investidores (e os próprios) de dinheiro, como resultado da venda dos dados da maior quantidade possível de usuários que ele conseguir conquistar. Sejam eles republicanos, democratas ou qualquer coisa no meio do caminho.

O resultado é o que vimos nas últimas semanas: durante o período eleitoral mais caro e mais acirrado da história da política americana, em que os dois candidatos gastaram um total somado de US$3,5 bilhões apenas em comunicação, a Meta se manteve isolada e, na verdade, intensificou as restrições de anúncios políticos que já estavam em vigor. Tudo isso ao mesmo tempo em que registrou seu maior faturamento até hoje, deu a previsão de bater esse recorde novamente no trimestre que vem e mostrou ao mercado que suas plataformas são as mais confiáveis do mundo para se anunciar, mesmo durante um período completamente caótico como o que vimos.

Ao mesmo tempo, Zuckerberg sabe jogar o jogo. Recentemente, ele encontrou seu seu próprio jeito de beijar o anel e sinalizar aos republicanos que haverá mais espaço para eles de agora em diante. Ele fez isso sem alarde, em meio a um ou outro já costumeiro post pagando de surfista millenial para despistar.

Na contramão disso, o X já desvalorizou mais de 75% em relação ao preço pago por Musk, o que não parece ser um problema para o bilionário. Ele já não parece mais ter a intenção de transformar seu serviço em “uma plataforma video-first, ou em um “app de relacionamento”, ou em “um concorrente do LinkedIn”, ou em “um substituto completo do seu banco” — algo que ele disse que “explodiria a cabeça dele” se não fosse realidade até o fim de 2024 —, ou de atingir 1 bilhão de usuários mensais, também até o fim de 2024. O objetivo do X já não parece ser mais nada disso, mas sim de funcionar apenas como o megafone de Musk para o mundo. E que seja. Ele comprou, e faz o que quiser, certo? Pois então paremos de fingir que a plataforma seja algo que ela não é.

Dia desses, o jornalista Charlie Warzel escreveu que o X não é mais uma rede social com um problema de supremacia branca, mas sim uma plataforma de supremacia branca com um problema de rede social. Eu não acho que seja para tanto, mas concordo que não parece haver mais nenhuma intenção de fazer do X uma rede social nos moldes que havia sido prometido. No fim das contas, a aquisição e transmutação do X serviu apenas como a porta de entrada de Musk para o próximo governo americano, o que, olhando pelo lado dos contratos que ele espera conquistar, poderá ter sido um investimento bem barato.

O problema é que esse casamento entre Musk com Trump terá um óbvio prazo de validade, já que ambos são sociopatas irrecuperavelmente carentes por atenção, e cujo verdadeiro amor e lealdade são voltados apenas para o que eles enxergam frente ao espelho.

Conforme Trump inevitavelmente passar a sentir que Musk está ocupando muito do seu holofote e, conforme Musk inevitavelmente passar a sentir que Trump não está retribuindo os US$118 milhões que ele gastou para elegê-lo, esse romance irá implodir.

E quando isso acontecer, uma coisa é certa: Zuckerberg estará lá para, de alguma forma, seguir recolhendo mais migalhas.

Notas de rodapé

  • 1
    Rick Wilson, autor do artigo do link, era um dos principais conselheiros e estrategistas do Partido Republicano em 2016.
  • 2
    Alô, Connor Roy!
  • 3
    O caso veio à tona depois que Christopher Wylie, ex-funcionário da Cambridge Analytica, vazou documentos internos detalhando a aquisição irregular dos dados.
  • 4
    Chief executive officers, ou diretores executivos.
  • 5
    Que recentemente ultrapassou a marca de 275 milhões de usuários mensais.

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