Em julho, eu escrevi sobre como dificilmente haverá outra rede social que consiga centralizar a mesma quantidade de usuários ou, pelo menos, de ter o mesmo impacto cultural que o Twitter teve no seu auge.
Dentre os vários motivos, o principal deles é o fato de o Twitter — e o Facebook, na verdade — terem surgido mais ou menos junto do advento dos smartphones e, ao contrário de um Myspace, de um Friendster ou de um Tumblr da vida, elas souberam se adaptar e tirar o máximo proveito da nova mídia para se promover, se estabelecer e comprar ou neutralizar a concorrência 1Alô, antitruste!.
Nem todos se lembram, porém, nos primórdios do iPhone, havia uma espécie de integração nativa entre o dispositivo e as duas redes sociais. Na WWDC11, por exemplo, a habilidade de fazer login no Twitter diretamente pelos ajustes do sistema foi anunciada pelo próprio Scott Forstall, ex-chefão do iOS.
Essa integração permitia publicar tweets a partir do app Fotos (Photos) e do Safari, ou então sincronizar a agenda de contatos do iPhone com a lista de contatos do Twitter, para complementar algumas informações. Tudo isso sem a necessidade de ter o app oficial do Twitter instalado no iPhone 2Alô, antitruste!.
Em retrospecto, permitir que Mark Zuckerberg ou que Dick Costolo (à época, CEO 3Chief executive officer, ou diretor financeiro. do Twitter) chupassem a lista completa de contatos de todos os usuários de iPhones ao redor do mundo não foi a decisão mais sábia do ponto de vista da proteção à nossa privacidade. Todavia, quando o iOS removeu essas integrações depois que as redes inevitavelmente começaram a praticar abusos para benefício próprio, o estrago já estava feito.
Com acesso praticamente exclusivo ao que era conhecido como o social graph 4O mapa de conexões entre um usuário e todos os seus contatos., as duas redes tiveram anos para valer-se dessas informações para blindar ainda mais seu total domínio sobre o mercado social ao longo da década que se sucedeu.
Pois bem. Corta para 2024, e o segmento de redes sociais nunca esteve tão fragmentado. Especialmente depois que Twitter se tornou X, usuários sem interesse por essa nova direção saíram em busca de alternativas para o mercado que costumava ser chamado de microblogging. E o mercado respondeu.
No artigo de julho, eu escrevi sobre como, além do Threads — que conta com o apoio de toda a estrutura da Meta 5Alô, antitruste! —, havia duas redes independentes tentando suprir a demanda de quem estava em busca de algo como o que o Twitter costumava ser, antes da transmutação para um veículo que promove e que recompensa agressividade e intolerância: eram o Mastodon e o Bluesky, sobreviventes ao afogamento do Koo e de outras redes cuja breve existência todo mundo já esqueceu.
No artigo, em referência ao Mastodon e ao Bluesky, eu escrevi que “ambos ajudaram a trazer atenção ao conceito de descentralização e federação de redes sociais. Mas a essa altura, já está claro que nenhum deverá engatar muito além dos atuais 15 milhões de usuários no caso do Mastodon e dos 6 milhões no caso do Bluesky”.
O que eu não explorei no artigo, mas que eu sigo acreditando, é que em linhas gerais a grande massa da internet — e, principalmente, as marcas — não têm mais paciência para começar em mais uma rede do zero, conquistar novamente dezenas, centenas, milhares ou milhões de seguidores, fazer de novo a curadoria das contas a serem seguidas para, na melhor das hipóteses, chegar ao mesmo resultado que tinha na rede anterior. Esse atrito ainda beneficia tanto o Facebook (e o Instagram) quanto o X, e isso provavelmente nunca mudará.
De lá para cá, pouco mudou para o Mastodon. Mas a coisa melhorou um bocado para o Bluesky. Primeiro, porque essa foi a rede de escolha da maioria das pessoas que buscaram alternativas durante o mês em que o X esteve bloqueado no Brasil. Apenas na primeira semana, foram 3 milhões de novos usuários. Muitos deles obviamente voltaram ao X assim que o bloqueio terminou, mas não todos.
Já nos últimos dias, o estreitamento da inevitável bomba-relógio dos laços entre Elon Musk e o recrudescente governo Trump deixou alguns outros milhões de usuários do X desconfortáveis com a ideia de seguir ajudando a gerar valor para a plataforma do bilionário, e serviu como o empurrão que faltava para a busca de uma alternativa. E mais uma vez, o Bluesky parece estar se beneficiando.
Na última semana, a rede anunciou ter atingido a marca de 15 milhões de usuários, o que significa que ela quase triplicou sua base desde julho. É óbvio que, mesmo assim, o Bluesky ainda está a anos-luz de poder ser considerado um integrante da primeira divisão do mercado de redes sociais, mas é difícil negar que a última semana tenha sido a melhor da história da rede desde que ele nasceu como um experimento interno do Twitter em 2019. A escala é outra, mas a direção está certa.
A primeira impressão
Quando o app Bluesky surgiu, em fevereiro de 2023, eu lhe dei uma chance. Era terrível. Faltavam funções absolutamente básicas para qualquer plataforma social moderna, como suporte à publicação de vídeos. Eu usei a rede por algumas semanas, mas não colou. Deletei o app em seguida.
Na última semana, eu o baixei novamente para entender o contexto que esses milhões de novos usuários estão encontrando. O contraste foi enorme com o webapp feito com fita crepe e com cuspe do início de 2023.
De funções básicas, até novos recursos interessantes como os “starter packs”, em que é possível fazer uma lista de contatos ou feeds que você recomenda que outras pessoas sigam, as decisões e novidades de produto do Bluesky mostram que eles aproveitaram esse último ano para correr atrás do prejuízo e entenderam que não poderiam desperdiçar nenhuma das inevitáveis oportunidades de crescimento que se apresentariam frente aos tropeços da concorrência nesse período de tanta indefinição no mercado.
Enquanto isso, no Threads… 🥱
Ao longo do último ano, o contraste com o Bluesky para quem busca por alternativas ao X tem sido, naturalmente, o Threads. O problema é que a Meta já demonstrou incontáveis vezes que ela não está interessada na ideia de o Threads ser um substituto do X, mas sim… alguma outra coisa que nem ela sabe articular exatamente o que é.
Recentemente, Adam Mosseri, líder do Threads e do Instagram, disse que o primeiro havia acabado de ultrapassar a marca e 275 milhões de usuários ativos mensais. Já na última quinta-feira (14/11), ele disse que o Threads vem conquistando mais de 1 milhão de novos usuários diariamente há pelo menos 3 meses. A resposta geral dos usuários foi: “É? Não parece.”
Quem tenta usar a plataforma para qualquer coisa além de manter conversas com amigos que também estejam por lá sabe que, de modo geral, o Threads parece desértico e totalmente desprovido da atividade orgânica e genuína que é essencial para que qualquer rede social se sustente.
Para todos os efeitos, o insuportável feed algorítmico que a plataforma insiste em obrigar que seja o padrão do app ainda recompensa apenas publicações cretinas que mendigam engajamento e ocultam quaisquer posts que tragam links externos. Isso é totalmente antagônico não só com qualquer intenção de quem queria usar o Threads para fins de informação, mas também com um dos comportamentos mais básicos de uma rede social, que é dizer: “Vi isso na web e achei interessante. Vejam só!”
Um exemplo anedótico: um post meu perguntando sobre a utilidade de um acessório de uma poltrona de avião chegou a 500.000 visualizações, enquanto qualquer post contendo um link que mande o usuário para fora do Threads não atinge uma fração disso.
Para piorar, a possibilidade de acessar o feed cronológico apenas de quem o usuário segue é algo tão escondida que milhões de usuários sequer sabem que isso existe, o que nas palavras do próprio Mosseri é proposital porque ele acha que seus usuários são burros demais para entenderem a diferença.
Resumo da ópera
No fim das contas, o Threads só tem esses 275 milhões de usuários ativos pela força bruta que a Meta consegue aplicar sobre qualquer nova plataforma. O Threads como um produto independente e isolado no mercado de redes sociais não teria a menor chance de dar mais certo do que um Koo ou um Hive Social da vida.
O Bluesky, por outro lado, tem na conquista de 15 milhões de usuários algo muito mais significativo e sustentável do que quaisquer centenas de milhões de usuários que o Instagram consiga seguir despejando no Threads, porque essa conquista foi 100% orgânica. Quem chegou lá quis estar lá, ao invés de ter sido levado até ali por algum growth hack, algo que o próprio Zuck já disse que eles têm prática de sobra para fazer.
Neste momento, o fato de o Bluesky não ser da Meta parece ter um apelo tão grande e igualmente positivo quanto ele não ser o X, e é por isso que a rede está diante de uma oportunidade de ouro e segue crescendo dessa forma orgânica. Atualmente, o Bluesky está em 1º lugar na App Store americana, enquanto o Threads está em 2º e o X, em 28º.
Se o Bluesky seguir investindo no rápido desenvolvimento da parte estrutural da plataforma, junto à implementação de ferramentas que ajudem a oferecer uma experiência customizável, amigável aos desenvolvedores, agradável, segura e privada aos seus usuários, seu futuro pode ser bastante promissor 6Ainda mais em contraste a algumas decisões imbecis do X, que é de onde a maioria dos novos usuários estão vindo.. E digo isso tendo a certeza de que esse não é o app certo para mim, mas sabendo reconhecer o potencial que ele tem para outras pessoas.
É óbvio que, assim como foi com os brasileiros, uma parcela desses milhões de novos usuários vindos do X irão retornar à antiga plataforma nos próximos dias, semanas ou meses. Mas, novamente, não todos. Resta esperar para ver se o Bluesky saberá aproveitar esse presente que o X e a Meta insistem em seguir lhe entregando.
Notas de rodapé
- 1Alô, antitruste!
- 2Alô, antitruste!
- 3Chief executive officer, ou diretor financeiro.
- 4O mapa de conexões entre um usuário e todos os seus contatos.
- 5Alô, antitruste!
- 6