O melhor pedaço da Maçã.

O último ato da era Tim Cook

Quem tem boa memória deve se lembrar que a última aparição pública de Steve Jobs não foi na keynote da WWDC11, mas sim no dia seguinte, para exibir a proposta do Apple Park ao Conselho da Cidade de Cupertino.

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Se você nunca viu esse vídeo, vale separar 20 minutos para assistir a ele. Eu gosto particularmente da resposta do Jobs à pergunta sobre a possibilidade de o Apple Park poder oferecer Wi-Fi grátis para toda a cidade. 🤣

YouTube video

O semblante de Jobs no final do vídeo é inconfundível: seu legado estava completo. Ele sabia que nunca veria o Apple Park com seus próprios olhos e estava em paz com isso. Sua missão, cumprida, terminava ali.

O início da era Tim Cook

Nem todo mundo sabe, mas Tim Cook se juntou à Apple em 1998 como vice-presidente sênior global de operações, vindo da IBM. Na próxima quinta-feira, 24 de agosto, ele completará 12 anos no cargo de CEO1Chief executive officer, ou diretor executivo..

Em 1998, enquanto o mundo redescobria a Apple com o recém-lançado iMac G3, Cook atuou nos bastidores para reformular completamente a maneira como a empresa lidava com a cadeia de suprimentos e, especialmente, com os estoques.

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Antes, produtos passavam meses acumulando poeira em estoques pelo mundo. Isso impedia a Apple de ter um controle mais preciso sobre a demanda em cada região. Cook reduziu o tempo de estoque para apenas cinco dias, o que foi essencial para equilibrar a saúde financeira da companhia e abrir caminho para o que viria a seguir.

Tim Cook e Steve Jobs
Tim Cook e Steve Jobs no evento emergencial sobre as antenas do iPhone 4.

Ao longo dos últimos 12 anos, a Apple de Cook se tornou a marca mais valiosa do mundo, a empresa de tecnologia mais valiosa do mundo, a empresa mais lucrativa do mundo, entrou com os dois pés em mercados importantes — como o da saúde — e, mais recentemente, passou a atuar em segmentos antes inimagináveis, como o de agenciamento de jogadores de futebol.

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Já no âmbito pessoal, Cook estabeleceu-se como um líder respeitoso e civilizado (imagine só!), porém exigente. Quem nunca ouviu a anedota do executivo que precisou sair no meio de uma reunião em Cupertino para ir direto à China e resolver um problema com um fornecedor?

Também sob Cook, a Apple estabeleceu um protagonismo exemplar em programas ambientais e sociais, áreas essas em que Jobs nunca se preocupou muito em atuar. Tudo isso sem perder o norte da expansão e da consolidação da companhia em todos os seus negócios, incluindo os novos.

A questão da inovação

Mesmo com todo esse histórico, existe um adjetivo que dificilmente ficará associado a Tim Cook: criativo. O preço do sucesso da Apple foi abrir mão do espírito aventureiro do passado.

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E olhando do ponto de vista de negócio, faz sentido. Seria impossível, em 2023, querer que a Apple operasse de acordo com a matriz 2×2 que Jobs instaurou em 1997.

Os quatro quadrantes de produtos da Apple
Os quatro quadrantes de produtos da Apple: dois notebooks, dois desktops. Cada um com uma opção profissional e uma opção para consumidores domésticos.

A Apple só tem este tamanho hoje porque ela expandiu todas as suas linhas de produtos lateralmente (iPhone, iPhone mini, iPhone Plus, iPhone Pro, iPhone Pro Max, iPhone SE, iPad, iPad mini, iPad Air, iPad Pro, etc.). Todo esse malabarismo só deu certo nessas proporções porque havia alguém de operações na liderança e não alguém prioritariamente criativo.

Além disso, Cook quebrou a tradição da Apple de retirar de linha um modelo após o anúncio de seu sucessor. Hoje, às vésperas do lançamento do “iPhone 15”, ainda é possível comprar oficialmente com a Apple um iPhone 12 e um iPhone 13, além do iPhone SE (apenas em configurações que maximizam o lucro médio por aparelho vendido). Essa decisão, obviamente, foi bastante bem-aceita em mercados como o nosso, o indiano e o chinês, onde os preços de lançamentos são proibitivos para a maior parte da população.

Pois bem. Mas e as novas linha de produtos? O Apple Watch marcou a estreia da Maçã de Cook nessa seara. Na época do seu lançamento, já circulavam rumores de que a empresa também vinha trabalhando em um carro, iniciativa cujo codinome seria “Projeto Titan”. Logo em seguida, surgiram os primeiros sussurros envolvendo realidade virtual.

Para todos os efeitos, o Apple Watch é um sucesso. É comum dizerem que, “se fosse uma empresa separada, seria grande o suficiente para figurar na Fortune 500”. Mesma coisa com os AirPods, diga-se de passagem. Ainda assim, nenhum produto concebido na era Cook mostrou-se grande o suficiente (até agora) para causar um impacto na mesma proporção causada por praticamente todas as linhas de produtos lançadas pela Apple entre 1998 e 2010.

Já com o Apple Vision Pro, a coisa é diferente. Essa sim, é uma daquelas categorias de produtos que, se emplacar da forma como a Apple pretende (apesar do grande ceticismo do mercado), tem o potencial de mudar a nossa relação com o mundo digital da mesma forma que o iPhone mudou a nossa relação com computadores em 2007.

O começo do fim

Há dois anos, durante uma entrevista para a jornalista Kara Swisher ao New York Times, Cook disse que provavelmente não passará outros dez anos no comando da Apple.

No ano que vem, o Vision Pro chegará ao mercado, fazendo desse um momento perfeito para Cook anunciar a sua aposentadoria. Por outro lado, obstinado como o executivo é, é bastante possível que ele aguarde o lançamento (ou cancelamento) do “Projeto Titan” para pedir as contas.

Vale lembrar que carros não são a sua paixão. Eles são a paixão de Eddy Cue, de Jony Ive e de Phil Schiller — os dois últimos já distantes ou alheios à operação da empresa. E a instabilidade do projeto torna seu cancelamento tão ou mais provável do que seu lançamento, atualmente previsto para 2026 (na melhor das hipóteses).

Phil Schiller, no evento Audi Sport e-tron na Espanha, em 2019.

Além do mais, mesmo que o carro da Apple seja bem-sucedido, ele será apenas mais um carro nas ruas, acrescentando ao já insolúvel problema do transporte urbano. Um projeto verdadeiramente transformador e positivo para a humanidade envolveria algo coletivo e não um mais um carro de luxo parado no trânsito. Mas isso é assunto para um outro dia…

Tim Cook se juntou à Apple à beira da falência, assumiu seu comando quando ela valia US$300 bilhões e, salvo alguma catástrofe, partirá com um valor de mercado de no mínimo US$3 trilhões. Nenhum outro CEO chegou perto de fazer algo assim, muito menos em um intervalo de apenas 12 anos.

Por mais que criatividade não tenha sido o forte da Apple durante esse período, Cook parece ter tomado uma sequência recorde de decisões certas (tirando a do U2) para firmar de vez a presença da empresa no mercado de tecnologia, e expandi-la para o da música. E da TV. E o automotivo. E do cinema. E de cartões de crédito. E chinês. E imersivo. E de assinaturas. E de acessórios. E indiano. E esportivo.

De um modo ou de outro, com ou sem um rol produtos revolucionários, estamos testemunhando a última etapa de uma das carreiras mais brilhantes da história para o CEO de uma empresa de qualquer segmento. E se este não é um baita de um legado, eu não sei o que é.

Notas de rodapé

  • 1
    Chief executive officer, ou diretor executivo.

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