O melhor pedaço da Maçã.

O inútil Humane Ai Pin é o melhor produto de 2023

Humane Ai Pin

Eu tenho uma queda por produtos de tecnologia que tentam sair do comum.

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Do LG Wing ao Google Glass, do Essential Gem ao Amazon Fire Phone, eu vejo algo de admirável em exercitar a criatividade a ponto de embarcar em um projeto potencialmente furado, mas segui-lo até o fim mesmo assim1Alô, AirPower!.

Talvez por isso, eu tenha ficado tão decepcionado com a rejeição de praticamente toda a web em relação ao Ai Pin, da Humane. Aliás, ironicamente, muitos dos que achincalharam o Ai Pin são os mesmos que reclamam que não se vê mais inovação no mercado.

É errado tentar, mas é errado não tentar também. Difícil.

E que não fique nenhuma dúvida: o Ai Pin é terrível em todos os aspectos. A Humane criou uma expectativa insustentável, fez um anúncio estabanado, deu informações erradas na demonstração e, para piorar, ele custa caro demais.

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Dito isso, uma coisa também é certa: o Ai Pin é rascunho de um futuro muito promissor e empolgante do mundo da tecnologia. Muito mais, inclusive, do que a enésima versão de um iPhone, por exemplo. Mas falemos sobre isso mais à frente.

Expectativa

A Humane foi fundada em 2017, pelo casal Bethany Bongiorno e Imran Chaudhri, ambos ex-funcionários da Apple. A primeira vez que eles chamaram a atenção foi em 2020, quando a Humane foi avaliada em US$150 milhões após uma rodada de investimento de US$30 milhões. Entre lá e março de 2023, ela somou mais de US$240 milhões em investimentos e encostou em US$1 bilhão de avaliação.

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E se tem uma outra coisa que ela fez ao longo desse tempo, foi barulho. Em 2020, por exemplo, ela publicou o seguinte tweet, com a cansada crítica vazia de que o uso de smartphones transforma as pessoas em zumbis:

“Como você sabe que é hora de uma mudança?” hu.ma.ne

Já em 2021, veio a publicação da sua missão, repleta de clichês do Vale do Silício:

Nós acreditamos na construção de uma tecnologia inovadora que seja familiar, natural e humana.

Tecnologia que melhore a experiência humana e que seja fruto de boas intenções.

Produtos que nos coloquem novamente em contato com nós mesmos, com uns aos outros e com o mundo ao nosso redor.

Experiências construídas com base em confiança, com interações que pareçam mágicas e tragam alegria.

A Humane foi fundada sob o princípio de que todos nós merecemos mais da tecnologia.

Qualquer semelhança com o conceito de libertação de uma distopia tecnológica que a Apple veiculou com seu comercial “1984”, definitivamente não é mera coincidência.

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A seguir, ainda sem dar detalhes do que, exatamente, vinha desenvolvendo, a Humane abriu um servidor no Discord para agregar a crescente comunidade de fãs de… bem, nem os fãs sabiam dizer ao certo do que eles eram fãs. Mas eles estavam lá. Aliás, um dos canais era dedicado justamente a especulações sobre o futuro produto da empresa.

Na mesma época, a companhia também aproveitou as altas expectativas para montar uma loja que vendeu adesivos e moletons, reforçando a conexão entre a marca e os interessados pelo que ela pretendia apresentar.

Acabei de comprar um swag oficial da @Humane!!! Eu nunca fiquei tão empolgado com um moletom!!! 🌙🔥👀

E em abril de 2023, ela apresentou.

Realidade

Entre 17 e 21 de abril, Vancouver foi palco de uma série de TED Talks com o tema “Possibilidades”. Dentre os participantes, estava Chaudhri.

Em sua palestra, ele mostrou pela primeira vez o fruto do trabalho da Humane. Sem divulgar o nome ou o design completo do intrigante dispositivo, Chaudhri exibiu suas principais funcionalidades: atendeu a uma chamada telefônica por meio de uma interface projetada na palma da sua mão, interagiu com uma assistente virtual para resumir emails e compromissos, usou um clone de sua voz para falar em francês, explorou funções de visão computacional e mais.

YouTube video

A rejeição foi instantânea. Do quanto seria aceitável (ou não) sair em público conversando em voz alta com o dispositivo, à praticidade (ou não) de usá-lo acoplado à roupa na altura do peito, não faltaram críticas sobre o produto anônimo e amorfo. A principal delas, no entanto, era de que a Humane tinha passado os últimos anos prometendo libertar a humanidade da dependência da tela do telefone, apenas para anunciar… um telefone sem tela.

Pois bem. Passados alguns meses, a Humane divulgou que seu produto se chamaria Ai Pin. Pouco tempo depois, apresentou seu design completo durante a Paris Fashion Week.

A modelo Naomi Campbell usa um Ai Pin durante a Paris Fashion Week 2023
A modelo Naomi Campbell usa um Ai Pin durante a Paris Fashion Week 2023.

Por fim, em 9 de novembro, veio o anúncio completo: o Ai Pin custará US$700, terá um plano telefônico obrigatório de US$24 mensais, se integrará com as inteligências artificiais generativas da OpenAI e da Microsoft, e se fixará magneticamente na roupa do usuário com a ajuda de uma bateria modular.

YouTube video

O desprezo pelo Ai Pin, agora totalmente detalhado, foi tão imediato quanto foi previsível. E isso é uma pena.

Simbiose

Alguns dos produtos mais inovadores e influentes das últimas décadas só fizeram sucesso porque eles tiveram a sorte de serem lançados no momento certo, junto a alguma outra tecnologia complementar e essencial.

O iPod, por exemplo, só deu certo por causa da Toshiba. Quando a Apple decidiu desenvolver o dispositivo, o desafio era equilibrar capacidade de armazenamento e portabilidade. Ao mesmo tempo, a Toshiba vinha desenvolvendo um HDD2Hard disk drive, ou disco rígido. pequeno, mas não sabia o que fazer com ele. Um executivo da Toshiba comentou isso por acaso (e sem saber do projeto do iPod) em uma reunião com um executivo da Apple, e o resto é história. Se a Toshiba tivesse inventado esse HDD muito antes ou muito depois, o iPod poderia nunca ter existido.

Já o Twitter só deu certo por causa do iPhone. Originalmente o foco era o site, mas as pessoas podiam enviar tweets via SMS3Short message service, ou serviço de mensagens curtas. (pagos) caso elas quisessem. Por isso, inclusive, o limite original de 140 caracteres. No ano seguinte ao lançamento do Twitter, veio o iPhone. Se o iPhone tivesse sido inventado muito antes ou muito depois, o Twitter poderia ter fracassado. Após o iPhone, negócios inteiros como Uber e iFood também foram viabilizados.

Do outro lado do espectro, temos o Google Glass e o Apple Newton como grandes exemplos de tecnologias interessantes, mas que foram lançadas antes de estarem verdadeiramente prontas.

Google Glass
Google Glass.

No caso do Google Glass, a tecnologia que eles propuseram há dez anos ainda não existe. Mas o conceito da experiência digital imersiva não intrusiva estava no caminho certo. Já no caso do Newton, seu fracasso deu início ao projeto de um tablet que, por sua vez, foi ajustado para dar origem ao iPhone. Anos depois, os aprendizados com iPhone deram origem ao… iPad!

Visão

Com o Ai Pin, a situação é uma mistura disso tudo. Apesar de a Humane ter apresentado a IA como uma parte essencial da experiência do produto, muito dessa tecnologia ficou disponível apenas no último ano, com a emocionante explosão cambriana de IAs generativas.

Isso quer dizer que a Humane passou entre 2017 e 2022 trabalhando em algo diferente, mas improvisou aos 45 do segundo tempo quando a IA caiu do céu, oferecendo ao Ai Pin um verdadeiro diferencial para justificar a sua existência.

Olhando para o Ai Pin, é óbvio que ele não é a resposta certa para o desafio de incorporar a IA no nosso dia a dia para reduzir a necessidade de interagirmos com os nossos telefones para tudo.

Mas quer saber? Ele é uma tentativa. E isso é muito mais empolgante e admirável do que se a Humane tivesse jogado no mercado mais um telefone rodando uma versão personalizada do Android, munido de meia dúzia de funções exclusivas que ninguém nunca vai usar.

Agora, sabe quem também vem investigando a resposta certa para esse desafio? Sam Altman (CEO4Chief executive officer, ou, diretor executivo da OpenAI) e seu amigo Jony Ive.

Jony Ive (esquerda) e Sam Altman (direita) | Foto: Business Today.

Quem conhece a história de Ive provavelmente não se surpreendeu com essa notícia, já que a carreira do designer foi marcada pela investigação da convergência entre a tecnologia e a humanidade.

É bem verdade que seu preciosismo estético piorou objetivamente a experiência de uso de múltiplos produtos da Apple em seus últimos anos na empresa, mas isso é bem diferente da tarefa de conceber o design de um novo produto do zero, coisa que Ive sempre fez com maestria e com uma sensibilidade conceitual inigualável.

No fim das contas, o Ai Pin provavelmente será um fracasso de vendas. Mas olhando para a forma como o mercado da tecnologia parece estar tomando, ele provavelmente será muito mais lembrado e influente do que qualquer outro produto que tenhamos visto chegar ao mercado ao longo dos últimos anos e, francamente, cujos rumores indicam que possamos ver tão cedo novamente.

Notas de rodapé

  • 1
    Alô, AirPower!
  • 2
    Hard disk drive, ou disco rígido.
  • 3
    Short message service, ou serviço de mensagens curtas.
  • 4
    Chief executive officer, ou, diretor executivo

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