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"Napoleão", filme do Apple TV+

“Napoleão” deveria abraçar sua veia cômica em vez de tentar ser uma página da Wikipédia

Se condensar uma vida nos limites da arte cinematográfica já é uma tarefa dificílima por si só, condensar uma das figuras mais formidáveis da história da humanidade, como Napoleão Bonaparte, é um feito para pouquíssimas pessoas.

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Em 1927, Abel Gance o fez com um projeto igualmente épico, de 5h30 e dotado de uma série de técnicas que viriam a revolucionar o cinema nas décadas seguintes. Já Stanley Kubrick, um dos maiores cineastas de todos os tempos, passou boa parte da vida tentando estruturar o seu filme sobre Napoleão, sem sucesso: ele morreu antes que conseguisse colocar na tela uma estrutura narrativa que fizesse sentido (dentro da linha dramática da sua produção artística) e respeitasse a figura do imperador francês.

Resumindo: fazer um filme sobre Napoleão não é tarefa fácil. Ridley Scott, entretanto, resolveu aceitar o desafio — e o seu “Napoleão”, coprodução da Apple que chegou aos cinemas do mundo inteiro na última sexta-feira (24/11) e estreará em data ainda não definida no Apple TV+, é um pouco diferente do que imaginávamos. Mas ele podia ser melhor se fosse ainda mais diferente.

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Explico-me: “Napoleão” é, acima de tudo, uma comédia. Não, não é uma comédia que faz a sala de cinema ir abaixo com risadas, mas uma obra com uma clara veia cômica que opera por meio do absurdo e da ironia. Não deixa de ser engraçado, afinal de contas, ver um sinônimo absoluto de poder e genialidade (como Napoleão inegavelmente é) imitar um cavalo para pedir sexo à esposa, subir em uma caixa para compensar sua (falta de) estatura ante a múmia de um imperador egípcio ou jogar uvas em duas garotinhas porque elas deram uma resposta que não lhe agradou.

Até por isso, os melhores momentos do filme são os mais íntimos, quando Scott abandona a megalomania dos grandes sets de batalhas e se deixa demorar um pouco mais na relação doentia entre Napoleão (Joaquin Phoenix) e sua primeira esposa, Josefina de Beauharnais (Vanessa Kirby).

Fica claro, desde a primeira cena até a palavra final surgida em tela, que o vínculo dos dois protagonistas é o centro dramático do longa, e um filme focado exclusivamente neles teria uma multitude de oportunidades para analisar psicologicamente ambas as figuras (e sem necessariamente abandonar a veia cômica que tenho elogiado).

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O problema de “Napoleão” é que, bom, em meio a esses poucos minutos de brilho entre Phoenix e Kirby, temos muitos minutos de alguns dos acontecimentos históricos mais importantes do segundo milênio.

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Não me entendam mal: é óbvio que, ao se tratar de Napoleão Bonaparte, é inevitável evocar momentos como a Batalha de Waterloo ou a de Austerlitz. O problema do filme de Scott é que ele parece querer abraçar demais sem nunca analisar os efeitos destes momentos; em certos pontos, a narrativa chega a soar como uma página da Wikipédia, pulando entre vários eventos importantes da vida do protagonista (com direito às indefectíveis legendas na tela, para ninguém se perder) em ordem cronológica, sem respiro, sem drama, sem grandes consequências.

Isso coloca “Napoleão” em uma espécie de limbo cinematográfico: ao mesmo tempo em que pretende se apresentar como um épico histórico de proporções fenomenais, é também um filme estranhamente pequeno em escala, jamais se permitindo colocar em tela um grande desfile de personagens (as figuras com quem Napoleão e Josefina interagem são sempre as mesmas caras, do início ao fim da narrativa — que abrange mais de 30 anos, diga-se) ou uma análise mais ampla do cenário geopolítico da Europa.

Por outro lado, essa indecisão também prejudica o centro dramático da narrativa. Ainda que a relação entre os dois protagonistas seja o ponto focal do longa e responsável por alguns dos seus melhores momentos, o roteiro de David Scarpa nunca é capaz de sugerir quaisquer razões para a codependência de Napoleão e Josefina, ou sequer de explorar com mais alguma profundidade as intenções ocultas no casamento (e posterior divórcio) dos dois.

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Da mesma forma, o filme também falha em — com uma exceção, na fantástica cena da Batalha de Austerlitz — pintar Napoleão como o mestre estrategista que foi. É certo que qualquer pessoa com um mínimo de noção histórica já entrará na sala de cinema (ou apertará o botão de play) sabendo que está prestes a assistir a uma obra sobre um dos maiores especialistas na arte da guerra que já viveu, mas “Napoleão” precisa nos dar mais do que simplesmente alguns comandos aqui e ali para nos convencer disso.

Ao menos, podemos nos contentar com o fato de que Scott, no auge dos seus 85 anos, ainda sabe dirigir uma cena de batalha como ninguém. A armadilha em Austerlitz, como citei acima, é o destaque inegável do longa, mas os 158 minutos de projeção ainda guardam espaço para outros cinco grandes momentos, todos filmados com a escala, a gravidade e a sanguinolência necessárias para transmitir o horror e a violência da guerra. Nesse sentido (especialmente no design de som impecável e aterrorizante), vale a pena o ingresso para assistir a “Napoleão” numa sala de cinema.

Também há de se citar o trabalho irretocável da dupla de protagonistas. Phoenix dispensa apresentações, mas aqui ele pega um tipo de papel no qual já é especialista (homens tristes, estranhos, problemáticos e extremamente complexados) e o coloca em um nível completamente novo, como se estivéssemos vendo uma mistura de Freddie Quell (de “O Mestre”) e Beau Wassermann (de “Beau tem Medo”) no comando de uma nação e de um dos maiores complexos militares do mundo. Phoenix notoriamente nunca fez uma comédia propriamente dita, mas sua excelente veia cômica está mais presente do que nunca aqui, imbuindo seu Napoleão de um senso de grandiloquência que soa patético e, ao mesmo tempo, humaniza a figura sem nunca permitir uma simpatia por ela.

Kirby, por sua vez, quase ameaça roubar a cena do seu parceiro em alguns momentos — e só não o faz porque, como eu disse, o filme está mais preocupado em fazer uma checklist de momentos importantes da vida de Napoleão, o que significa que Josefina acaba tendo menos destaque do que deveria na narrativa. Quando o roteiro permite, entretanto, a atriz deita e rola, exibindo uma espécie de paixão (amorosa? Odiosa? Nunca saberemos) contida que transita suavemente entre o tórrido e o maníaco.

Por fim, é inevitável citar que sim, há um corte muito mais longo de “Napoleão” — de cerca de quatro horas, aparentemente — que chegará ao Apple TV+ como uma espécie de versão estendida do filme. Embora este que vos escreve seja, no geral, avesso a esse tipo de estratégia (ora, um filme precisa falar por si só da forma como é lançado, sem depender de cenas adicionais ou versões estendidas para ser apreciado), não deixo de ficar curioso em como será este corte mais longo da narrativa.

Se Scott dobrar a aposta no que realmente deu certo aqui, poderemos ter um “Napoleão” muito mais divertido e interessante. Por outro lado, se as quatro horas forem apenas uma desculpa para expandirmos o artigo filmado da Wikipédia, podemos passar direto para o próximo evento histórico.

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