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Conceito de "Apple Car" (carro/veículo) numa rua molhada e com árvores em volta

O fim do “Projeto Titan” é o maior lançamento do ano

Na última terça-feira, Mark Gurman (da Bloomberg) noticiou que, “para a surpresa dos 2.000 funcionários envolvidos no ‘Projeto Titan'”, a Apple havia decidido encerrar a iniciativa. Fiquei me perguntando quantos desses 2.000 funcionários foram verdadeiramente pegos de surpresa com a decisão.

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Desde o início do projeto, em 2014, ele sempre pareceu ocupar uma área periférica demais das operações da Apple para realmente fazer sentido 1É bem verdade que o mesmo poderia ser dito — e foi dito — sobre o iPhone antes de 2007, mas um telefone sempre esteve mais próximo de um computador do que um carro, certo?. Ainda assim, a promissora sensação de que a tecnologia de direção automotiva totalmente autônoma estava prestes a ser dominada pela humanidade era interessante, e daria para argumentar que a Apple teria sido negligente se não a tivesse investigado de alguma forma.

Nota rápida: a Apple nunca confirmou publicamente a existência ou o recente cancelamento do “Projeto Titan”. Para facilitar a vida, vamos tomar esses fatos como verdade ao longo do texto, com base em tudo o que vimos ser relatado ao longo da última década. Mais eficiente do que escrever “suposto”, “dito” ou equivalentes a cada afirmação, combinado?

Naquele mesmo 2014, por exemplo, Elon Musk disse em uma entrevista à CNN que já em 2015, os carros da Tesla iriam ser capazes de rodar 90% do caminho por conta própria. No mesmo ano, Travis Kalanick, então CEO 2Chief executive officer, ou diretor executivo. da Uber, causou polêmica ao dizer que planejava substituir seus motoristas por carros autônomos.

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Em 2018, a jornalista Kara Swisher questionou o atual CEO da Uber, Dara Khosrowshahi, sobre a declaração de Kalanick e carros autônomos. Khosrowshahi, é claro, refutou a declaração original.

Se você já acompanhava de perto o mundo da tecnologia naqueles anos, provavelmente irá se lembrar que o otimismo sobre o nosso iminente domínio da direção automotiva verdadeiramente autônoma estava por todos os lugares. O problema é que, hoje em dia, a impressão é praticamente a mesma: parece que falta pouco, mas parece que falta o mesmo pouco há pelo menos dez anos.

É claro que vimos avanços nesse intervalo. Mas é inegável que programar um carro para guiar-se sozinho em um raio de 15 quarteirões em San Francisco, ou na I-5 de Los Angeles, é bem diferente da expectativa geral de ter um carro verdadeiramente autônomo sob uma variedade maior de condições e de terrenos 3E especialmente em uma variedade maior de padrões rodoviários ao redor do mundo.. Mas esse assunto fica para outro dia.

O aprendizado de US$10 bilhões

Do estoicismo ao budismo e o método científico, uma rara verdade (quase) universal é a seguinte: todo fracasso é útil.

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No caso do “Projeto Titan”, é óbvio que nem tudo dos estimados US$10 bilhões investidos ao longo da última década irá pelo ralo. Os experimentos com materiais como vidro, plástico, metal e carbono, além de tecnologias de visão computacional ou mapeamento de ambientes e, até mesmo, as investigações de novas tecnologias para baterias podem certamente terão aplicações práticas em futuros produtos da Apple, incluindo novas versões de produtos já existentes.

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O método de difusão em estado sólido, que combina o titânio e o alumínio dos iPhones 15 Pro e 15 Pro Max, é um forte candidato a reflexo direto das investigações do “Projeto Titan”.

De um ponto de vista ainda mais prático, considerando que a Apple investiu mais de US$160 bilhões na área de pesquisa e desenvolvimento desde 2014 e, considerando que ela chegou a acumular US$107 bilhões em caixa em 2019, esses US$10 bilhões do “Projeto Titan” até que parecem pouco comparativamente.

Sob esse espectro, teria sido mais irresponsável não gastar alguns bilhões nas investigações do “Projeto Titan” do que gastá-los para ver no que poderia dar. Ele passou da validade e deveria ter sido cancelado muito antes? Sem dúvida. Mas isso não invalida a sua origem ou os frutos que ele dará lá na frente (ainda que sem qualquer relação com o mercado automotivo).

E o CarPlay?

Pois bem. Esse é um assunto que pouco se discutiu ao longo dos últimos dias, o que por si só talvez seja um bom indicativo da relevância (ou da falta dela) na operação da Apple como um todo.

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Junto das patinadas do “Projeto Titan”, a Apple também veio evoluindo o CarPlay. Nos Estados Unidos, a própria empresa diz que uma porcentagem significativa do público já considera o CarPlay como um item importante no processo de decisão da compra de um veículo.

Já nos bastidores, a Apple fez parcerias com múltiplas montadoras para basicamente permitir ao CarPlay assumir o controle da interface dos displays dos veículos, incluindo as informações fornecidas pelo RTOS 4Real-Time OS, ou sistema operacional de tempo real, responsável pelo controle das tarefas críticas dos veículos.. Outras montadoras, porém, decidiram não adotar o CarPlay, tendo visto-o apenas como uma espécie de cavalo de Troia, concebido para coletar dados e informar a evolução do “Projeto Titan”.

Ao invés disso, essas montadoras decidiram fazer seus próprios concorrentes do CarPlay, e estão se enganando com o argumento de que bastará desenvolver uma interface, associá-la a uma assinatura para serviços de entretenimento e de navegação, e isso será suficiente. A GM, por exemplo, disse que espera faturar US$25 bilhões anuais com a assinatura do seu concorrente do CarPlay até o ano 2030. Ainda estou para conhecer alguém que tenha acreditado nisso.

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Pois bem, agora que o “Projeto Titan” não existe mais, é possível que a Apple passe a dar mais atenção à evolução do CarPlay, incluindo entregar o que ela prometeu na WWDC22 e que passou longe do que vimos “chegar ao mercado” aos 45 minutos do segundo tempo no final do ano passado.

Do ponto de vista prático, pelo volume de usuários atuais e potenciais do CarPlay, ele oferece uma oportunidade de faturamento contínuo enorme por meio dos serviços que a Apple já rentabiliza diretamente (Apple Music, Apple Maps, Apple Podcasts, Apple Books), ou indiretamente (por meio dos 15% ou 30 de comissão dos apps concorrentes).

O que é interessante sobre o novo cenário é que, de uma forma inédita desde seu lançamento, a evolução do CarPlay não estará mais atrelada parcialmente ao “Projeto Titan”. O que isso significará para a plataforma, apenas o tempo dirá. Mas as expectativas são positivas.

Tá. Mas e agora?

Uma pergunta que muita gente se fez ao longo dos últimos dias foi algo nos moldes de: com o lançamento do Apple Vision Pro e o cancelamento do “Projeto Titan”, qual será o próximo capítulo da Apple? O que ela fará a seguir? Qual será o próximo grande produto? Será o tal do anel? 5Spoiler: não.

Na verdade, não acho que essas sejam as perguntas certas. Talvez a próxima grande coisa não seja necessariamente um produto, no sentido de uma nova categoria de dispositivo físico inteligente ou conectado. Talvez a próxima grande coisa seja IA generativa. Talvez seja computação espacial. Talvez seja uma mistura entre essas e mais coisas, ou talvez não seja nenhuma delas.

Meu ponto é: talvez esse seja o momento perfeito para repensar se o significado de evolução tecnológica em 2024 precisa necessariamente estar atrelado à invenção e expansão ininterrupta de novas categorias de produtos e serviços, obrigando todas as empresas de tecnologia a também serem produtoras de cinema, desenvolvedoras de jogos, montadoras de carros, gravadoras de música, monitoras de saúde, moderadoras de redes sociais, salvadoras do meio ambiente, curadoras de notícias, fornecedoras de mecanismo de buscas, fabricantes de fones de ouvido, teclados, computadores, telefones, laptops, relógios, caixas de som inteligentes, assistentes virtuais, óculos imersivos e capinhas FineWoven.

Certamente, a Apple vem investigando uma infinidade de produtos que provavelmente nunca verão a luz do dia. O site Patently Apple que o diga. Todas essas iniciativas corresponderam e seguirão correspondendo aos outros 95% dos gastos com P&D, que não foram destinados ao “Projeto Titan” nos últimos dez anos. Talvez nós vejamos alguns resultados disso, e talvez um deles de fato seja essa próxima grande coisa que o mundo não se cansa de esperar. Ou, nas palavras de Caetano Veloso, talvez não.

Para mim, a boa notícia representada pelo fim do “Projeto Titan” é que, pela primeira vez em muito tempo, a Apple parece estar em uma situação privilegiadíssima de poder investir grande parte dos seus esforços (e talentos, afinal, uma boa parte dos 2.000 funcionários do projeto seguirá na empresa) na evolução dos produtos que já existem, e é impossível que todos nós não saiamos ganhando como resultado disso. O que vier além disso, é lucro. Lucro para a Apple, é claro.

Notas de rodapé

  • 1
    É bem verdade que o mesmo poderia ser dito — e foi dito — sobre o iPhone antes de 2007, mas um telefone sempre esteve mais próximo de um computador do que um carro, certo?
  • 2
    Chief executive officer, ou diretor executivo.
  • 3
    E especialmente em uma variedade maior de padrões rodoviários ao redor do mundo.
  • 4
    Real-Time OS, ou sistema operacional de tempo real, responsável pelo controle das tarefas críticas dos veículos.
  • 5
    Spoiler: não.

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