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OK, o Threads provavelmente não é a solução

Foto de Mariia Shalabaieva na Unsplash
Threads

Há pouco mais de três meses, eu defendi que o Threads não precisava matar o que havia sobrado do Twitter para dar certo.

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Quem leu antes de comentar se lembrará que eu detalhei a seguinte opinião: o Threads tinha tudo para ser uma alternativa viável a quem optasse por sair do Twitter. Portanto, quem ainda estivesse à vontade no Twitter iria continuar o utilizando e, para quem estivesse em busca de uma alternativa, agora havia o Threads.

Eu estava errado.

Sim, sabemos que o Twitter mudou de nome para X. Mas pelo bem deste artigo (que mistura passado, presente e futuro), vamos continuar momentaneamente o chamando de Twitter.

Lançou, parou

Uma coisa que eu vou reafirmar em relação ao texto original é que, do ponto de vista de comunicação, o lançamento do Threads foi perfeito. Com a ajuda de celebridades de larga escala para dar o tom e criar um hype inicial para além da nossa bolha de tecnologia e, com o favorecimento da base gigantesca de usuários do Instagram, o Threads passou com folga o recorde do ChatGPT e se tornou a primeira plataforma a conquistar 100 milhões de usuários em menos de uma semana.

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O problema é que a coisa parou por aí.

Se, à primeira vista, o Threads era extremamente cru, agora sabemos que a ausência de algumas funcionalidades básicas é proposital — mais sobre isso abaixo.

Quem se acostumou a consumir notícias no Twitter sabe que coisas como hashtags, listas, favoritos privados, trending topics, e uma ferramenta robusta de pesquisa são essenciais. Muito mais úteis do que qualquer algoritmo de recomendação, elas facilitam a descoberta imediata de conteúdos recém-publicados, desde repercussões em tempo real a uma corrida de F1 ou a uma keynote da WWDC ainda em andamento, até situações bem mais sérias, graves e importantes, como o que temos visto em Israel.

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Esse sempre foi o forte do Twitter e era o que muitos esperavam encontrar no Threads. Exceto, aparentemente, por Adam Mosseri, líder da plataforma.

Adam Mosseri

O Threads não é para isso

Por ser derivado do Instagram, o Threads é liderado por Mosseri, que também comanda o app de fotos/vídeos desde 2018. Após o lançamento do Threads em julho, Mosseri fez um tour de imprensa para promover a rede. Em entrevista ao The Verge, ele disse:

O Twitter foi pioneiro nesse espaço. […] Já existem diversos bons produtos por aí que oferecem um canal para conversas públicas. Mas dado tudo o que tem acontecido, nós vimos uma oportunidade para construir algo aberto e que fosse bom para a comunidade que já vinha usando o Instagram.

Não é um mistério imaginar por que os ex-usuários do Twitter viram no Threads o potencial de uma alternativa equivalente. O próprio líder do aplicativo tinha dito que esse seria o caso!

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O problema é que, conforme os dias foram passando, o discurso de Mosseri mudou. Alguns dias após o lançamento, ele declarou que o Threads não seria voltado para o consumo de notícias. Isso pegou muitos usuários de surpresa e deu origem a um cabo de guerra cíclico que tem sido mais ou menos assim:

  1. Mosseri pergunta o que está faltando na plataforma.
  2. Os usuários respondem, pedindo por múltiplas funcionalidades que facilitem o acompanhamento de notícias e de eventos em tempo real.
  3. Acontece algo importante no mundo e os usuários dizem “Viu? O Threads seria perfeito para acompanhar este assunto!”
  4. Adam Mosseri diz que o Threads não é para isso.
  5. Passados alguns dias, Mosseri pergunta o que está faltando na plataforma.

Na última terça-feira, em reação à frustrante inutilidade do Threads como uma fonte ativa de informações atualizadas a respeito da impensável situação em Israel, Mosseri disse:

Nós não somos antinotícias. Notícias obviamente já estão no Threads. As pessoas podem compartilhar notícias; as pessoas podem seguir contas que compartilham notícias. Mas, nós não vamos amplificar notícias na plataforma. Fazer isso seria arriscado dada a maturidade da plataforma, os pontos negativos de prometer demais e os riscos.

A frase “não vamos amplificar notícias na plataforma” vem sendo alvo de muita discussão. Alguns acham que Mosseri se referiu a algoritmos de recomendação. Outros acham que Mosseri se referiu a funcionalidades mais básicas que favoreceriam o uso da plataforma para quem quisesse consumir e acompanhar de notícias em tempo real.

A verdade é que qualquer app social pode ser usado para compartilhar notícias. Isso é óbvio. Um app de troca de receitas de bolo pode ser usado dessa forma, se seus usuários decidirem fazer isso. O problema é que se a estrutura do app não promover esse tipo de uso com ferramentas que facilitem a circulação e a descoberta dessas informações, não vai adiantar. Nesse quesito, o Threads atual está mais próximo de um app de receita de bolos do que de uma alternativa ao Twitter.

Recentemente, o desenvolvedor Willian Max notou um vazamento de interface de trending topics do Threads por parte de um funcionário da Meta.

Para ser justo, a plataforma tem apenas três meses e não faltam promessas sobre futuras funcionalidades. Além do vazamento recente acima, o Theads liberou em alguns países uma ferramenta de pesquisa que vai além da limitada busca por nomes de usuários e liberou para todos na última semana a opção de editar um post depois de publicado, além da gravação e envio de mensagens por voz.

Por outro lado, a promessa também era de que o Threads seria compatível com o ActivityPub1Protocolo que o tornaria interoperável com o Mastodon. e o próprio Mosseri disse, há algumas semanas, que esse plano foi adiado indefinidamente. Portanto, tratando-se dessas funcionalidades que os desenvolvedores do Threads repetem há meses que estão investigando ou testando, adotarei o lema de São Tomé: só acredito vendo.

Quadro “A Incredulidade de São Tomé”, de Caravaggio (1601–1602)

O vespeiro das notícias

Quem conhece a história do Facebook sabe que a alergia da empresa a notícias não é algo exatamente novo. O que é algo irônico, já que uma das únicas ideias originais que o Facebook teve em seus 20 anos de história foi o Feed de Notícias. Porém, alguns problemas nos últimos anos fizeram o Facebook decidir mudar o foco.

Problemas como o genocídio em Myanmar (em 2017) pelo qual o próprio Facebook já admitiu responsabilidade, as eleições presidenciais americanas (em 2020) e a invasão ao Capitólio (em 2021), as discussões envolvendo moderação e a Seção 2302Lei americana desatualizada que isenta veículos da responsabilidade legal sobre o que seus usuários publicam em suas propriedades. nos Estados Unidos e leis como no Canadá, que levaram o Facebook a bloquear o compartilhamento de notícias no país.

Nesse meio-tempo, o TikTok tornou-se a rede social da vez, sendo utilizado majoritariamente para a publicação e o consumo de conteúdos menos sérios ou polarizadores — mais divertidos e leves. Há notícias, porém elas não são o foco, justamente como o Threads almeja. A diferença é que o TikTok nunca se apresentou como uma alternativa ao Twitter.

O Twitter foi construído pelos usuários

Antes mesmo da situação atual, a história do Twitter já era possivelmente uma das mais interessantes e confusas do Vale do Silício. Repleta de golpes de liderança, traições de confiança, mudanças completas de direção, hesitação em tomar decisões, e um crescimento totalmente acidental e estabanado, ela foi detalhada no interessantíssimo livro “A Eclosão do Twitter”, do jornalista Nick Bilton.

Se você, assim como eu, sempre foi fascinado pela história do Twitter, provavelmente sabe que tudo o que definiu o uso da plataforma desde 2006 não foi inventado pela empresa.

O termo tweet, por exemplo, surgiu no app Twitterrific. Aliás, o uso de um pássaro azul para simbolizar a rede também surgiu primeiro no ícone do Twitterrific. E falando em apps, o app oficial do Twitter costumava se chamar Tweetie. Aí, o Twitter o comprou. E que tal as hashtags? Seu uso para indexar assuntos foi ideia do usuário Chris Messina. Já o usuário Robert Andersen foi o primeiro a usar @ para mencionar pessoas na plataforma.

O sucesso do Twitter sempre foi um milagre. Aliás, a existência do Twitter é um milagre, já que originalmente a empresa se chamava Odeo e tinha o objetivo de desenvolver uma plataforma de podcasts, não uma rede social. Regida por uma liderança que poucas vezes soube o que estava fazendo, o Twitter cresceu porque soube ouvir sua comunidade. Não foi por causa da liderança do Twitter que a plataforma deu certo. Foi apesar dela.

Essa, na verdade, é uma história bastante frequente no Vale do Silício. O Flickr nasceu como uma empresa desenvolvedora de jogos. O Apple Watch original não tinha quase nenhum foco em saúde em comparação a hoje em dia. O Twitter achou que seria um player de podcasts. O Groupon era crowdfunding. O Instagram era um app de check-ins chamado Burbn. O Facebook era o Facemash, uma plataforma para dizer quem era bonito ou não na faculdade de Mark Zuckerberg. Eu ia ser um astronauta quando crescesse. Conceitos mudam, evoluem, e é necessário adaptar-se para seguir em frente.

E é nessa situação em que o Threads se encontra. Ainda é cedo, é claro, mas ao se recusar a dar ouvidos aos seus usuários mais engajados em prol de uma visão engessada do próprio propósito, Mosseri faz um app direcionado a ninguém e deixa passar a maior oportunidade da sua vida profissional. Ao invés de ter a coragem de enfrentar as responsabilidades e os desafios gigantescos que vêm com a construção de uma plataforma influente, relevante, essencial e duradoura, ele olha para o sucesso do TikTok e pensa: “Poxa, bem mais fácil, né? Quero esse.”

E isso é uma grande pena…


Ícone do app Threads, an Instagram app
Threads, an Instagram app de Instagram, Inc.
Compatível com iPhones
Versão 323.0 (127 MB)
Requer o iOS 15.0 ou superior
GrátisBadge - Baixar na App Store Código QR Código QR

Notas de rodapé

  • 1
    Protocolo que o tornaria interoperável com o Mastodon.
  • 2
    Lei americana desatualizada que isenta veículos da responsabilidade legal sobre o que seus usuários publicam em suas propriedades.

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