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A greve dos apps contra o Vision Pro

Apple Vision Pro

Em 28 de abril de 2003, a Apple anunciou a iTunes Music Store. Fruto de um acordo que Steve Jobs emplacou com as então cinco maiores gravadoras do mercado, a loja abriu suas portas digitais naquele mesmo dia, com um catálogo de 200 mil faixas, cada uma custando US$0,99.

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Na época, a indústria fonográfica estava em sérios apuros. Programas de compartilhamento de MP3, como o Napster e o Kazaa, ofereciam duas grandes vantagens frente à compra tradicional de CDs: acesso instantâneo e, é claro, era tudo… digamos… “grátis”.

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Evento de anúncio da iTunes Music Store.

O lançamento da iTunes Music Store resolveu totalmente o problema do acesso instantâneo e, parcialmente, o problema do custo. Houve quem seguisse baixando as músicas ilegalmente, é claro, mas uma parte significativa do público topou pagar US$0,99 em troca da facilidade de acessar as faixas legalmente.

Em outra escala, anos mais tarde, seria o que a Netflix apresentaria para combater a pirataria de filmes, ainda que sob o modelo da assinatura rejeitado por Jobs para o mercado musical 1Mal sabia ele o que viria pela frente….

O problema é que, conforme o tempo foi passando, esse acordo entre a Apple e as gravadoras se provou cada vez menos benéfico para a indústria fonográfica.

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É bem verdade que, em um primeiro momento, ganhar US$0,99 por cada música de um álbum soou melhor do que ganhar US$0,00 por um álbum inteiro. Mas logo, os artistas passaram a sentir-se desvalorizados, especialmente graças ao fato de que poucas pessoas estavam comprando álbuns inteiros. Precificar o fruto do seu trabalho a menos de um dólar por canção passou a ser uma pílula cada vez mais difícil de engolir.

Para piorar, as gravadoras passaram a depender quase que exclusivamente da iTunes Music Store para sobreviver, conferindo à Apple todo o poder nessa relação. O desconforto foi tamanho que, em 2011 (quando já havia um modelo semelhante de negócio voltado para a indústria do cinema e da TV), um executivo dos estúdios Miramax disse que a iTunes Store havia sido mais prejudicial à indústria do entretenimento do que a própria pirataria.

A era da App Store

Não parece, mas o intervalo entre o lançamento da iTunes Music Store e o da App Store foi de apenas cinco anos. Se você se assustou com esse dado, bem-vindo ao clube.

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Em fevereiro de 2008, quando já não era segredo para ninguém que a indústria do entretenimento estava cada vez mais incomodada com a sua dependência da Apple, coube a Steve Jobs explicar como seriam as regras do jogo na App Store.

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No evento, a primeira coisa que Jobs disse sobre a loja de aplicativos do iPhone foi que cada desenvolvedor seria livre para escolher o preço que quisesse para o seu aplicativo. Era o primeiro passo para telegrafar ao mercado que a App Store daria autonomia aos desenvolvedores, ao contrário das críticas à iTunes Store. Poucos minutos depois, Jobs explicou ao som de aplausos que o download de apps gratuitos não geraria custo nenhum ao desenvolvedor.

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Vale lembrar que, naquela época, ter uma forma nativa do sistema para centralizar, comercializar, disponibilizar, distribuir e atualizar apps com facilidade, sem custo de hospedagem e sem taxa de transação de cartão de crédito, era algo realmente poderoso e praticamente inédito.

Pois bem. Assim como foi com a iTunes Store, a dinâmica da App Store que, em um primeiro momento, parecia agradável aos desenvolvedores, provou-se cada vez mais restritiva com o tempo. Em 2024, ela beira a insustentabilidade.

Hoje, além dos desenvolvedores, as regras da App Store incomodam também os órgãos regulatórios de múltiplos países ao redor do planeta. E, sempre que é questionada a respeito disso nos tribunais, a Apple joga fora a oportunidade de demonstrar boa-fé e redobra sua atitude antagonista de não ceder a nenhuma solicitação, a menos que seja legalmente obrigada.

Para piorar, mesmo quando é obrigada, a Apple o faz de uma forma que beira a mesquinhez. Um exemplo perfeito disso são as recém-anunciadas mudanças na App Store dos Estados Unidos. Outro, em menor grau, são os detalhes das restrições e regras para o cumprimento da Lei dos Mercados Digitais (Digital Markets Act, ou DMA) na Europa. Ambos, por sinal, certamente seguirão reverberando pelos próximos meses e anos.

Nota rápida: eu explorei mais a fundo a delicada relação de antagonismo e interdependência entre a Apple e os desenvolvedores nesse outro texto. Esse não é um problema fácil de resumir, e não existe um certo ou um errado absoluto.

A era do Vision Pro

Pois bem. Chegamos ao presente e ao aparente problema da falta de grandes apps para o Vision Pro.

Nas últimas semanas, gigantes do mercado como Netflix, YouTube e Spotify confirmaram que não têm planos para desenvolver apps para a nova plataforma da Apple. Mais do que isso, muitos desenvolvedores vêm ativamente desligando a integração nativa que o visionOS terá com apps de iPad, reduzindo ainda mais a oferta inicial de aplicativos.

É bem verdade que um desenvolvedor responsável pode estar esperando a oportunidade de testar pessoalmente seu app no Vision Pro antes de disponibilizá-lo para os milhões dezenas de milhares de usuários do produto, mas também é verdade que todos sabemos que, no caso dos apps de empresas verdadeiramente gigantes e importantes, acesso ao kit de desenvolvimento nunca foi o problema.

Com o Vision Pro, a Apple está, pela primeira vez em muito tempo, em desvantagem na relação com os desenvolvedores. Essa é uma rara situação em que ela precisa mais deles do que o contrário, e muitos estão aproveitando o momento para refletir se querem ajudar a companhia a emplacar mais uma plataforma que a tornará ainda mais forte nessa relação.

Se você fosse a Epic Games, o Spotify ou a Netflix, você ajudaria a Apple a transformar o Vision Pro em um sucesso? Poucas grandes empresas parecem estar dispostas a assistir a Apple na tarefa de construir mais uma plataforma de aplicativos com as mesmas regras e restrições que vêm azedando a relação entre as partes ao longo da última década e meia.

É bem verdade que, se o visionOS realmente emplacar e conquistar milhões de usuários ao longo dos próximos anos, pode ser custoso à Netflix, por exemplo, não marcar presença no sistema. Mas hoje em dia, é inocência pensar que mais do que três ou quatro usuários do Vision Pro irão realmente cancelar as suas assinaturas só porque não podem ver “Meu Demônio Favorito” no headset. A Netflix conquistaria novos assinantes ao marcar presença no Vision Pro desde o primeiro dia? Talvez. Perderá muitos? Improvável.

A situação atual parece um pouco surreal. Num intervalo de duas semanas, a Apple anunciou a polêmica comissão de 27% para assinaturas feitas por fora da App Store americana, a forma como controlará a abertura do acesso ao iOS e App Store na União Europeia e, ao mesmo tempo, que lançará uma nova plataforma cuja utilidade dependerá 100% dos mesmos desenvolvedores que há tempos pedem por uma relação mais igualitária.

Isso, é claro, não significa que a gama de bons apps na inevitável linha de produtos Vision será um fracasso no longo prazo. Mas a ladeira para o sucesso provavelmente será bem mais íngreme do que ela precisava ser, e isso é culpa exclusivamente da própria Apple.


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Armazenamento: 256GB, 512GB ou 1TB

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Notas de rodapé

  • 1
    Mal sabia ele o que viria pela frente…

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