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USB-C, baterias e um continente fora de controle

Primakov / Shutterstock.com
Logo da Apple com cabo USB-C

Há anos, a Europa vem dando uma aula para o resto do mundo quando o assunto é a atualização de leis e de regulamentações para a era digital. No campo da privacidade, os esforços do continente para preservar e, em muitos casos, aumentar o padrão mínimo frente aos abusos de empresas como a Meta são louváveis.

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Por outro lado, as novas regulamentações envolvendo USB-C e baterias em dispositivos móveis são possivelmente as mais cretinas da história recente da tecnologia. E olha que eu não aguento mais clicar em aletas de cookies, outro presente de grego da Europa para o mundo.

Um conector para todos governar

No caso do USB-C, segundo o Parlamento do Velho Continente, a padronização buscará incentivar a interoperabilidade e, além de proteger os cidadãos contra a dependência de um único fabricante, protegerá também o meio ambiente. Bonito, né?

Pois bem. Mas e se essa lei tivesse sido proposta e aprovada antes da criação do USB-C? Melhor (ou pior) ainda, antes da formação do USB-IF (USB Implementers Forum, ou Fórum de Implementadores do USB, grupo responsável pela evolução do padrão USB)?

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Dependendo de como misturarmos as variáveis, podemos visualizar um mundo com iPhones munidos de entradas PS/2 com 1cm de bitola e gloriosos 12 kbit/s para transferência de dados a fim de favorecer a interoperabilidade entre fabricantes e reduzir o descarte de lixo eletrônico, ou então iPads obrigados a virem de fábrica com porta Ethernet e sem conectividade Wi-Fi para livrar os consumidores da fragmentação dos padrões IEEE 802.

Adaptador USB-A para dois conectores PS/2.
Bateu aquela saudade?

Com a padronização do USB-C, qual incentivo as empresas terão para investir em pesquisa e desenvolvimento de novas soluções de recarga ou transmissão de dados via cabo? E vou além: quais outras vantagens competitivas estão sob risco de se tornarem ilegais?

É claro que, no mundo da recarga, tudo indica que o futuro esteja no carregamento sem fio (algo que, nessa mesma lei, a Europa já adiantou que pretende engessar padronizar no futuro). E insisto: se uma empresa criar uma avanço tecnológico nessa área, sua recompensa deveria ser o retorno por ter investido na pesquisa e desenvolvimento para oferecer um diferencial competitivo para seus clientes, e não a proibição de oferecê-lo para começo de conversa.

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Outra alternativa seria, é claro, a empresa compartilhar esses avanços com o USB-IF para adoção de todo o mercado. Mas, sejamos realistas. Qual a chance de isso realmente acontecer? Se nem o nome do padrão USB o consórcio consegue evoluir com consistência, que dirá as suas tecnologias?

Nome do padrãoMas também pode se chamarTipo de conector
USB 1.1Full Speed USBUSB-A, USB-B
USB 2.0Hi-Speed USBUSB-A, USB-B, USB Micro A, USB Micro B, USB Mini A, USB Mini B e USB-C
USB 3.2 Gen 1USB 3.0, ou USB 3.1 Gen 1 ou SuperSpeedUSB-A, USB-B, USB Micro B e USB-C
USB 3.2 Gen 2USB 3.1, ou USB 3.1 Gen 2, ou SuperSpeed+ ou SuperSpeed 10GbpsUSB-A, USB-B, USB Micro B e USB-C
USB 3.2 Gen 2×2USB 3.2 ou SuperSpeed 20GbpsUSB-C
USB4USB4 Gen 2×2 ou USB4 20GbpsUSB-C
USB4USB4 Gen 3×2 ou USB4 40GbpsUSB-C
Entendeu?

Um conto de duas legislações

No caso da bateria dos iPhones, a coisa é um pouco mais confusa. Isso porque, na verdade, há duas leis sendo discutidas na Europa: a que foi aprovada recentemente pelo Parlamento Europeu, prevendo a obrigatoriedade de baterias facilmente substituíveis presentes em telefones a partir de 2027, e a Ecodesign for Smartphones and Tablets, que estabelece regras parecidas. Esta última poderá entrar em vigor já em 2025.

Recentemente, o The Verge fez um excelente artigo esmiuçando ambas a propostas, mas o resumo (não tão resumido) é o seguinte: no caso da Ecodesign for Smartphones and Tablets, telefones precisarão ter baterias facilmente substituíveis por pessoas leigas no assunto, sem a necessidade de ferramentas especiais, ou então com ferramentas comuns (ou fornecidas pelo fabricante), exceto se as baterias mantiverem 83% de capacidade após 500 ciclos, e 80% após 1.000 ciclos.

Kit da iFixit de substituição da bateria do iPhone 13 Pro Max.

Já no caso da legislação aprovada pelo Parlamento Europeu, não há essas exceções. Ela proíbe o uso de colas ou adesivos térmicos nas baterias e obriga a troca fácil do componente sem ferramentas especializadas, exceto quando fornecidas pelo fabricante. Ela também obriga a recuperação de porcentagens mínimas (e gradualmente maiores) de lítio, cobalto, cobre, chumbo e níquel de baterias devolvidas, bem como um uso mínimo (e gradualmente maior) de cobalto, chumbo, lítio e níquel reciclados na fabricação de novas baterias.

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Assim como no caso dos infernais alertas de cookies, essas legislações são bem-intencionadas. As regulamentações que promovem a reciclagem e o aumento da vida útil das baterias são extremamente positivas. O problema está na obrigatoriedade do fácil acesso, reparo e troca dessas baterias por qualquer pessoa.

Se hoje em dia, mesmo com o criticado acesso dificultado, não faltam casos de explosões de aparelhos com baterias falsificadas, paralelas ou mal-substituídas, o que a Europa espera que acontecerá se qualquer pessoa sem conhecimento puder comprar a bateria mais barata que encontrar web afora e resolver trocar sozinha em casa esse que é o elemento mais perigoso e explosivo do dispositivo?

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Sim, este asno MORDEU a bateria!

E quanto ao descarte? Se as pessoas já não dão o destino certo a pilhas AA de controles remotos, que dirá de baterias desse tipo? Já imaginou o estrago que uma bateria de celular pode causar se for esmagada pelo compactador do caminhão de lixo?

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iPhone pega fogo durante carregamento em Cincinnati, Ohio.

Impacto profundo

É inegável que pagar entre R$544 e R$7391Cotações feitas na data da publicação deste artigo. para substituir uma bateria seja um absurdo e que o processo de agendamento, deslocamento e espera pela substituição seja inconveniente, para dizer o mínimo. Mas fato é que o mercado de celulares (especialmente os de topo de linha) abandonou a dinâmica da tampinha nas costas do aparelho com uma bateria facilmente removível por um motivo. Ou melhor, por vários, incluindo resistências cada vez maiores a água e poeira.

Atualmente, fazer a engenharia interna de um telefone significa montar um quebra-cabeças tridimensional e nenhum milímetro é desperdiçado. Os telefones são milimetricamente planejados e organizados para tirar o máximo proveito do seu espaço interno. Quem nunca ouviu a anedota que diz que Steve Jobs afogou um iPod dentro de um aquário e disse para seus engenheiros que as bolhas saindo do iPod significavam espaço interno inutilizado? 🤪

Comparativo das partes internas de um iPhone de primeira geração e um iPhone 14 Pro Max.

Não raro, a Apple fala sobre como ela trabalhou para eliminar milímetros (ou micrômetros!) de um elemento interno já existente, para dar espaço a novas tecnologias como o MagSafe, o Taptic Engine, o finado 3D Touch, a Dynamic Island e, possivelmente em breve, uma câmera periscópio. Isso significa que cada equipe de cada elemento interno do iPhone tem uma espécie de orçamento do espaço que pode ocupar, e todos vivem há 16 anos sob a constante pressão de fazer o possível para miniaturizar sua área ocupada e dar lugar a novos elementos.

No caso da bateria (que, a título de curiosidade, era soldada no primeiro iPhone), isso significou uma reformulação praticamente anual da sua localização no aparelho, grossura, posição dos conectores, métodos de fixação, e até mesmo experimentos com diferentes formatos, como é o caso da bateria em L.

Baterias de diferentes modelos de iPhones.

Ao obrigar os telefones a terem baterias facilmente reparáveis e substituíveis, as fabricantes terão que necessariamente modificar completamente a engenharia e a estrutura interna dos dispositivos. Isso inclui a possibilidade de precisar reduzir o tamanho da bateria (ou, pior, ter de eliminar outros componentes) para dar espaço a mecanismos de encaixe e desencaixe, que provavelmente serão usados apenas uma ou duas vezes ao longo de toda a vida útil do dispositivo.

É claro que, para todos os efeitos, as equipes de engenharia da Apple (e da maioria das outras fabricantes) são bem pagas e perfeitamente capacitadas para resolver este tipo de problema no longo prazo. Mas o fato é que aqui, novamente, a Europa interfere em questões internas do desenvolvimento de produtos de empresas privadas e irá tornar esses produtos objetivamente piores para as pessoas que ela diz querer proteger.

“Ah, mas a obsolescência programada…”

Não. Próximo!


Regulamentações são importantes, é claro. No caso dos nossos telefones, elas garantem que as empresas sigam padrões estritos para impedir que eles explodam nos nossos bolsos ou que a radiação frite os nossos cérebros — e mesmo assim, nem sempre dá certo.

Mas existe um universo de diferença entre regulamentações envolvendo saúde e segurança, e o poder de decidir quais funcionalidades técnicas perfeitamente legais (incluindo diferenciar o USB-C entre os modelos do “iPhone 15”) têm ou não a permissão de estarem presentes em produtos de empresas privadas. Até recentemente, esse era o tipo de comportamento que observávamos vindos da China ou da Venezuela.

No fim das contas, obrigar a Apple a trocar o Lightning por USB-C em favor da interoperabilidade e do meio ambiente é equivalente a obrigá-la a lançar iPhones com os mesmos tamanhos e designs dos aparelhos Galaxy, para que ninguém tenha mais que trocar de capinha protetora.

Da mesma forma, obrigar os telefones a retrocederem os avanços internos para possibilitar uma troca doméstica da bateria é tão desatinado quanto, digamos, obrigar todos os telefones a usarem a mesma bateria, independente do fabricante.

Ou melhor, esqueçam que eu disse isso. Melhor não dar ideia.

Notas de rodapé

  • 1
    Cotações feitas na data da publicação deste artigo.

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