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TikTok com a bandeira dos EUA atrás

O TikTok não será banido nos EUA, mas não será por falta de tentativa

Na última quarta-feira (13/3), a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou, com uma margem bastante confortável, uma determinação que pretende obrigar a chinesa ByteDance a vender o TikTok a uma empresa americana em um prazo de seis meses, senão o app será banido do país.

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No total, foram 197 votos de representantes republicanos e 155 de democratas a favor da regulação, apenas 15 votos republicanos e 50 democratas contra, e 1 abstenção.

Nota rápida: esse imbróglio do banimento do TikTok definitivamente não é novo e, ao longo dos anos, o MacMagazine cobriu a situação aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui 1Mesmo quando não tinha nada a ver com a Apple. 😉. Recomendo que alguns acessem essas notícias com cuidado, pois elas trazem palavras assustadoras, como “política”, “liberdade de expressão” e “Google Play”.

A verdade é que, muito antes de Donald Trump assinar a ordem executiva proibindo empresas americanas de manterem relações comerciais com a ByteDance, diversos políticos americanos já levantavam frequentemente a hipótese de o TikTok ser uma potencial ferramenta de espionagem e de influência do Partido Comunista da China, com algoritmos desenhados para radicalizar as mentes frágeis dos jovens americanos, tornando-os mais vulneráveis ao conceito amorfo da ameaça perene dos ideais comunistas.

Frente a esse lobo mau que mora (ironicamente, de graça) há décadas na cabeça de muitos americanos, Trump assinou a ordem executiva que determinaria o banimento do TikTok nos EUA, caso ele não passasse a ser controlado por uma empresa americana. Isso deu início a um vai e vem de processos, recursos, adiamentos e reversões, culminando com a revogação da ordem executiva por Joe Biden, em 2021.

Nesse meio-tempo, a ByteDance chegou perto de realmente se desfazer da propriedade sobre o TikTok. Ela conversou com a Microsoft, por exemplo, sobre uma aquisição das operações, dos dados, do código-fonte e dos algoritmos do TikTok nos EUA, no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia. Ao mesmo tempo, explorou uma absorção do TikTok pela Oracle e pelo Walmart, com o estabelecimento de uma nova entidade sediada nos EUA.

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Pois bem. Mesmo depois que todo esse papo da ordem executiva foi para o vinagre, a ByteDance buscou adotar uma série medidas para tentar tranquilizar o governo e parte dos cidadãos americanos e, obviamente, seguir controlando o TikTok.

A principal delas, chamada Project Texas, consistiu na criação de uma versão separada do TikTok apenas para os EUA, com servidores da Oracle no Texas passando a abrigar 100% dos dados e do tráfego de usuários americanos. Além disso, quando dados são trafegados para fora do país, o roteamento é feito por sistemas americanos, e todo o processo fica sujeito a análise de uma empresa independente, também americana.

Eles poderiam ter feito mais do que isso nos últimos quatro anos? Sem dúvida. Isso tranquilizou o governo e a parte dos cidadãos americanos que veem o TikTok como uma ameaça? Evidentemente que não. 2E o caso de espionagem contra jornalistas da Forbes definitivamente não ajudou.

O problema do algoritmo

Até hoje, meu uso do TikTok não passou de dois minutos durante uma madrugada desocupada, então não tenho como falar sobre o algoritmo de recomendação por experiência própria. Eu instalei o app, concluí que não era para mim, desinstalei-o e foi isso. Mas, desde que foi lançado, o TikTok ficou famoso por ter um algoritmo extremamente eficiente, precisando de pouquíssimo tempo para identificar as preferências do usuário.

O problema é que, assim como aconteceu com todo o resto do mercado de redes sociais na última década, “o algoritmo” acabou virando uma espécie de palavrão. Da mesma forma que “o algoritmo” do Facebook passou a ficar famoso por criar polarização e “o algoritmo” do Instagram passou a ficar famoso por causar problemas de autoestima de jovens usuárias, “o algoritmo” do TikTok passou a ficar famoso pela possibilidade de atuar como uma espécie de Cavalo de Troia contra o governo americano 3Existe também uma conversa recente sobre a influência que o TikTok tem exercido na opinião dos jovens em relação ao conflito envolvendo Israel, Hamas e a Palestina, mas a experiência me diz que é melhor deixar esse assunto para outro dia..

E para ser claro: essa possibilidade de manipulação realmente existe, e os EUA são particularmente familiarizados com ela; além de terem sido vítimas de manobras parecidas promovidas pela Rússia a partir de 2014, a Reuters acabou de relatar que o governo Trump promoveu, em 2019, uma campanha online para tentar voltar a opinião pública dos chineses contra Xi Jinping.

Outra questão que sempre foi quente sobre o algoritmo do TikTok foi sua comparação com o algoritmo do Douyin, a versão chinesa da rede social. Há poucos anos, viralizou a informação de que, enquanto o TikTok tende a sugerir conteúdos fúteis nos EUA (e no resto do mundo), o Douyin tende a sugerir vídeos ligados a ciência e educação.

O resultado disso foi associado a um levantamento famoso feito pela Harris Insights & Analytics, em 2019, o qual concluiu que, enquanto a maior parte dos jovens chineses sonha em se tornar astronauta, os jovens americanos sonham em se tornar YouTubers.

Questionado sobre isso recentemente por senadores americanos, Shou Chew, CEO 4Chief executive officer, ou diretor executivo. do TikTok, citou leis chinesas que obrigam a recomendação de conteúdos educacionais no país, o que cria familiaridade e interesse por esses temas desde cedo. A insinuação, claro, é que os EUA não investem nisso, e a culpa não é do TikTok.

Um último agravante sobre o algoritmo do TikTok é o seguinte: o governo chinês já disse que não irá autorizar o repasse dessa tecnologia de recomendação para nenhuma empresa estrangeira que venha a comprar o aplicativo, o que obviamente serve como argumento para quem defende que a ByteDance está mais sujeita às determinações do governo chinês do que ela costuma dizer. Mais do que isso, essa recusa abre caminho para teorias da conspiração de “o que eles estão escondendo?”, que são difíceis de refutar.

Mas e esse novo banimento?

Pois bem. Perguntado há alguns dias sobre um eventual banimento do TikTok no país, Joe Biden (que criou uma conta no TikTok recentemente para tentar se aproximar dos eleitores mais xóvens) disse que aprovaria a lei caso ela chegasse à sua mesa. Isso deu uma nova força à iniciativa, levando a uma nova formulação, proposta e aprovação na Câmara em menos de duas semanas.

Curiosamente, poucos dias antes da aprovação, Trump se manifestou contra o banimento do TikTok, confundindo seus apoiadores e especialmente os políticos republicanos que o emulam com mais ímpeto e vinham tocando o bumbo do banimento desde a ordem executiva de 2020. Segundo a nova opinião de Trump, banir o TikTok significará dar ainda mais poder e espaço de mercado à Meta, o que definitivamente é verdade.

Aliás, nos últimos dias, um levantamento da Sensor Tower concluiu que o Instagram foi o app mais baixado de 2023, ultrapassando o TikTok e somando 768 milhões de downloads, aumento de 20% em relação a 2022. Talvez por isso o TikTok esteja desenvolvendo um concorrente direto do Instagram, mas esse papo fica para outro dia.

Bem, uma vez aprovada pela Câmara, a proposta será enviada ao Senado. E de lá, ela não deverá passar. O que acontece é que basta que um senador se oponha à lei, para que sua análise seja interrompida. E o senador republicando Rand Paul, do estado do Kentucky, já indicou que se opõe ao banimento da forma como ele foi escrito, ecoando as impressões da democrata Maria Cantwell, presidente do Comitê de Comércio do Senado.

E o mais interessante é o seguinte: até mesmo quem se opõe à lei tende a concordar que algo precisa ser feito contra o TikTok. O problema é que existe uma passagem da Constituição americana que essencialmente proíbe o ato de legislar contra uma empresa ou entidade específica, o que é precisamente o caso contra o TikTok da forma como o texto foi escrito e aprovado.

Além disso, existe um argumento legal o qual diz que banir o TikTok nos EUA seria uma infração contra a liberdade de expressão dos usuários americanos, o que inclusive daria à ByteDance a oportunidade de reverter a determinação na Suprema Corte do país (manobra essa que ela própria já insinuou que fará, se for necessário).

A China contra-ataca

Desde quarta-feira, o governo chinês obviamente tem sido bastante vocal contra a determinação dos EUA. De declarações dizendo que “quando veem coisas boas feita pelos outros, os americanos sempre tentam se apropriar delas” a argumentos de que “manobras como essa reduzirão a confiança da comunidade internacional nos EUA”, o país vem aproveitando qualquer oportunidade para criticar a medida.

A ironia, é claro, está no fato de plataformas como o Facebook, o X, o Instagram, o Telegram, o Google, o WhatsApp e o YouTube serem bloqueados na China, justamente sob o mesmo argumento de ameaça à segurança nacional, e o mesmo medo da coleta de dados e de sabotagem da opinião pública contra o governo.

Já a ByteDance está fazendo tudo o que pode. Do envio de mensagens e notificações pedindo (e conseguindo) milhares de ligações telefônicas ao Congresso, a vídeos publicados por Shou Chew promovendo a narrativa de que o banimento do TikTok terá efeitos devastadores na renda de pequenos negócios e criadores de conteúdo, a empresa chinesa fará o seu melhor para tentar controlar a narrativa (potencialmente com poucos efeitos práticos).

A ByteDance inclusive encomendou um levantamento feito pela Oxford Economics sobre o impacto do TikTok na economia americana e… surpresa! O relatório concluiu que o impacto é enorme e positivo, com o app tendo contribuído com US$24,2 bilhões à economia dos EUA em 2023 — com direito a impacto direto em 224.000 empregos e arrecadação de US$5,3 bilhões em impostos. Esses números, em alguns casos, mais do que dobraram em relação a 2022.

Resumo da ópera

No fim das contas, não importa o quanto o TikTok ou os governos dos EUA e da China tentem dialogar sobre o caso, dificilmente quem está a favor ou contra a empresa mudará de ideia. A questão ganhou os mesmos contornos políticos que impedem praticamente qualquer outra discussão adjacente de sair do lugar hoje em dia.

Para o TikTok, a boa notícia é que alguns dos maiores controladores da ByteDance são grupos americanos de investimento, dentre eles as famosas BlackRock e a General Atlantic. Se quando a coisa realmente apertar no futuro, eles não ficarão parados apenas assistindo a um dos seus maiores investimentos até hoje simplesmente desaparecer. O lobbying do setor de tecnologia em Washington nunca foi tão forte, e não será diferente aqui. Eles provavelmente salvarão o TikTok do banimento e facilitarão a venda para fora da China.

Pelo andar da carruagem, é improvável que a proposta da última semana dê algum fruto. Mas é igualmente improvável que essa seja a última proposta. Cada nova investida terá uma chance um pouquinho maior de ir um pouquinho mais longe, aprendendo com os erros estratégicos do passado, em um processo parecido com o que o Arquiteto explica a Neo em “Matrix Reloaded”:

Já fizemos isso várias vezes, e estamos ficando cada vez mais eficientes.

Resta esperar para ver quantas idas e vindas irá levar até que o Congresso americano encontre a solução para, ironicamente, contornar a Constituição do país a fim de eliminar uma ameaça estrangeira.

Notas de rodapé

  • 1
    Mesmo quando não tinha nada a ver com a Apple. 😉
  • 2
    E o caso de espionagem contra jornalistas da Forbes definitivamente não ajudou.
  • 3
    Existe também uma conversa recente sobre a influência que o TikTok tem exercido na opinião dos jovens em relação ao conflito envolvendo Israel, Hamas e a Palestina, mas a experiência me diz que é melhor deixar esse assunto para outro dia.
  • 4
    Chief executive officer, ou diretor executivo.

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