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App Messages

Apple e RCS: como essa adoção poderá mudar o mundo dos mensageiros

Uma discussão com algumas observações preliminares e especulativas que podemos fazer sobre a implementação da tecnologia em iPhones

Não há muito tempo, a Apple surpreendeu meio mundo ao anunciar que os iPhones suportarão o protocolo RCS como padrão para o envio de mensagens para outros aparelhos que não rodam o iOS — isso, vale recordar, após muitos comerciais do Google pressionando-a sobre essa adoção e de até mesmo um conselho um tanto quanto peculiar de Tim Cook, CEO1Chief executive officer, ou diretor executivo. da Maçã, sobre o assunto.

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Não sabe-se ao certo o que motivou a Maçã a tomar tal decisão, embora a pressão contínua de órgãos antitruste e de organizações políticas como a União Europeia são apontadas como as principais “suspeitas” por trás do anúncio (aparentemente) “do nada” feito pela companhia. Mas o fato é: o RCS será adotado nos iPhones, com balões verdes e tudo — a menos que, por algum motivo, a Apple desista do que ela mesma já confirmou.

Desde que esse anúncio foi feito, temos observado muitos comentários e suposições (inclusive, aqui no MacMagazine) sobre o que acontecerá e o que será possível com a adoção do RCS no Brasil. Será que deveremos pagar às operadoras por cada mensagem enviada? Será possível trocar mensagens com o WhatsApp diretamente do app Mensagens dos iPhones?

Bem, só o tempo fornecerá as respostas para essas e outras perguntas, mas podemos fazer uma análise (especulativa) com base nas informações que temos hoje e no que sabemos até agora sobre a tecnologia RCS. Vamos nessa?

O que é RCS?

Nada mais justo do que começar nosso trabalho explicando o que é o RCS — uma base necessária para entendermos os próximos pontos. Sigla para Rich Communication Services (ou serviços de comunicação rica — sim, é estranha a tradução), esse é um protocolo de comunicação que tem como base o IP (internet protocol) — ou seja, funciona com base na internet.

Basicamente, como o próprio nome indica, o RCS tem como um dos seus princípios o suporte à troca de mensagens ricas — ou seja, com uma série de recursos popularizados há anos por aplicativos de troca de mensagem instantâneos (como iMessage, WhatsApp, Telegram, etc.), mas que não estão disponíveis nos (não tão bons) e velhos SMS2Short message service, ou serviço de mensagens curtas. e MMS3Multimedia messaging service, ou, serviço de mensagens multimídia..

Embora, a meu ver, o RCS não seja efetivamente um substituto do SMS e do MMS (você entenderá mais adiante o porquê), ele é considerado por muitos como tal. Ao contrário do padrão datado (mas ainda útil), as mensagens trocadas via RCS suportam recursos como troca de arquivos de alta qualidade, visualização de recibos de leitura e identificação de quando o usuário está digitando.

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Como o RCS é um conjunto de padrões desenvolvido pela GSMA (Global System for Mobile Communications Association), a sua implementação pode variar dependendo do provedor. Uma base importante para o protocolo atualmente, no entanto, é o Perfil Universal — ela é a especificação usada por praticamente todas as grandes operadoras e pelo Google, sobre o qual falaremos mais à frente.

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O Perfil Universal é um padrão que funciona como um conjunto de recursos e especificidades técnicas únicas acordadas pela indústria. Desenvolvido para simplificar a implantação global do RCS, o Perfil Universal permite a interoperabilidade do padrão com usuários de vários locais do mundo e que usam diferentes provedores.

Mais do que isso, o Perfil Universal é a única base do RCS que abriga a infinidade de recursos (juntos) capazes de tornar as mensagens “ricas” e comparáveis com as de softwares de mensagens instantâneas, como bate-papos individuais e em grupos, transferência de arquivos, compartilhamento de localização e “chamadas ricas”.

Onde o Google entra nessa história?

A implementação do Perfil Universal e do suporte ao RCS é algo que, originalmente, dependeria única e exclusivamente (ou, talvez, principalmente) das operadoras. Inclusive, algumas delas fizeram uma parceria colaborativa em 2019 para trabalharem em seus próprios padrões proprietários interoperáveis.

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Mas enquanto essas operadoras trabalhavam para implementar o backend e os servidores para RCS em suas próprias infraestruturas — o que até foi bem-sucedido para algumas delas —, o Google trabalhava incansavelmente para implementar a sua própria especificação para o padrão. E há muito tempo.

Para se ter uma ideia, a subsidiária da Alphabet adquiriu a empresa Jibe Mobile, especializada em RCS, ainda em 2015. A justificativa para a aquisição, na época, foi o compromisso firmado pela empresa naquele ano em adotar o RCS como o padrão de troca de mensagens oficial para o Android.

A ideia inicial era que a Jibe continuasse ajudando as operadoras a implementar facilmente o RCS para seus usuários, mas a Jibe Mobile acabou virando mesmo uma plataforma oficial do Google para implementar o RCS com a sua própria infraestrutura e com os seus próprios servidores em praticamente qualquer Android, através do app Google Mensagens.

Dessa forma, agora operadoras do mundo todo podem adicionar suporte ao RCS usando a infraestrutura do Google. Até mesmo operadoras que já contavam com seus backends proprietários para o RCS — como as três operadoras mais populares dos Estados Unidos — eventualmente migraram para a implementação do Google.

Esse ponto fornece alguns benefícios — principalmente no que se refere à interoperabilidade, mas também na implementação instantânea de todo e qualquer novo recurso que o Google adicionar ao Jibe Mobile (como o suporte à reação de mensagens com emoji, por exemplo).

O Google explica como a troca de mensagens acontece, mesmo caso o destinatário não use seu aplicativo oficial:

Quando você usa os chats RCS do Google, as mensagens são enviadas e recebidas pelo backend RCS do Google na internet. Elas podem ser entregues ou recebidas de usuários em outros provedores de serviços RCS. Se o chat RCS que você usa é fornecido pelo Google, mas o destinatário tem outro provedor, suas mensagens serão roteadas pelo backend RCS do Google e depois encaminhadas para o backend RCS do destinatário. 

Outra vantagem presente na implementação do Google é o RCS Business Messaging (RBM), o qual permite que empresas se comuniquem de forma interativa e rica com os usuários diretamente pelo aplicativo Mensagens. Atualmente, empresas que querem ir além do tradicional SMS devem recorrer a soluções como o WhatsApp — ou ao Apple Business Chat, no caso dos Estados Unidos.

Mas a implementação generalizada em torno de um único padrão, no entanto, acaba colocando um ponto final no aspecto descentralizado do RCS e deixa tudo (de fato) nas mãos de uma única empresa privada.

Embora a implementação do Google, à primeira vista, pareça vantajosa em relação a todas as que já se propuseram a fornecer soluções proprietárias para o RCS, ela pode acabar desestimulando a competitividade e a inovação e construindo mais um monopólio.

Quais as diferenças entre RCS, SMS e iMessage?

Já falamos superficialmente sobre funcionalidades, mas como o SMS, o RCS e o iMessage operam? Embora possa haver muita confusão em torno desses termos, nenhum dos três é um aplicativo, essencialmente — e cada um deles tem diferenças básicas.

Primeiro de tudo, vale deixar o SMS num campo separado. Ao contrário das duas outras tecnologias, a troca de mensagens simples funciona de forma perfeita usando apenas a rede celular das operadoras — tal qual as chamadas de voz com a qual estamos acostumados bem antes de a internet dominar nossos celulares.

Funcionando com GSM, CDMA e outras tecnologias, as mensagens SMS usam a infraestrutura das redes móveis e dependem dela para praticamente todo o processo de envio e recebimento de mensagens. A tecnologia não funciona via internet — o que significa que você é capaz de trocar mensagens até mesmo em locais bastante remotos.

O iMessage e o RCS, por sua vez, necessitam imprescindivelmente do internet protocol (IP) para funcionar — ou seja, precisam de uma rede de internet, seja ela via cabo, Wi-Fi ou tradicional das operadoras móveis. O que diferencia os dois sistemas é basicamente o backend.

O iMessage faz uso do Apple Push Notification service (APNs), serviço que possibilita um papel crucial também a outros aplicativos dos sistemas da Apple. Trata-se de um protocolo centralizado e que permite tanto a comunicação eficiente e rápida para envio de mensagens em tempo real quanto possibilita a identificação única para cada usuário, a sincronização dos vários dispositivos e a adoção de recursos de segurança e privacidade (como a criptografia de ponta a ponta).

No RCS, como já mencionamos, o protocolo de implementação não é (pelo menos por padrão) centralizado, dependendo de cada operadora. No entanto, a implementação em massa do padrão atualmente usa o Jibe — este, sim, um padrão centralizado.

O Jibe Cloud atua como uma plataforma de nuvem para que as operadoras e provedores de serviço implementem e ofereçam suporte ao RCS, sendo responsável por coisas como autenticação, implementação do perfil universal e estrutura de servidores que cuida do recebimento e entrega de mensagens cobertas por ele.

Com o Jibe, o Google praticamente transformou o RCS num padrão proprietário, com a proposta de fornecer uma solução mais centralizada para que as operadoras implementem e suportem o RCS em suas redes. De forma prática, se desenhou um “concorrente” à altura para o iMessage — mesmo que a intenção inicial não fosse essa.

Substituto do SMS? Nem tanto…

Embora o RCS seja alardeado como o substituto natural do SMS, há alguns poréns nessa comparação — principalmente porque ele funciona exclusivamente via internet, não havendo a possibilidade, por exemplo, de usar as redes móveis da operadora para enviar mensagens quando não há internet disponível.

Por isso, não é um exagero dizer que ele está mais para concorrente do iMessage, visto que os dois funcionam (na prática) quase da mesma forma. Quando um smartphone com suporte ao RCS envia uma mensagem e não há sinal de internet, o usuário pode aguardar a conexão ou enviá-la como SMS.

Isso significa que o padrão antigo não morrerá, nem mesmo com a adoção do RCS por parte da Apple. A decisão da Maçã certamente fará com que ele seja menos usado — apenas em situações de emergência e até mesmo de autenticação, já que, ironicamente, é necessário receber um SMS para confirmar o seu número no Google Mensagens, por exemplo.

E essa foi uma excelente sacada do Google — incluindo toda a pressão para a coisa ser adotada pela Apple —, visto que essa adoção simplesmente eliminará a necessidade de os usuários baixarem apps OTTs caso queiram trocar mensagens ricas (com arquivos grandes e todos os recursos supracitados) em dois sistemas operacionais diferentes.

Mas o que são esses tais apps OTTs?

Há muitas definições que acabam levando para o mesmo caminho sobre o que seria um app OTT. Mas, para o nosso contexto, podemos considerar aqueles apps disponíveis nas lojas de aplicativos que usam todo um gerenciamento e infraestrutura proprietária para enviar mensagens de texto ou fazer ligações de áudio/vídeo usando a internet.

Exemplos de aplicativos OTTs não faltam por aí: desde o famoso WhatsApp (que é um app praticamente obrigatório no celular de qualquer brasileiro) até outros como Telegram e Facebook Messenger.

Esse tipo de aplicativo é, até hoje, essencial em países como o nosso, onde a maioria dos usuários não usa iPhones (o que inviabiliza o uso do iMessage ao deixá-lo restrito a um grupo muito pequeno) e o SMS nunca foi uma alternativa viável frente aos diversos apps com muitos de recursos mais avançados disponíveis.

Achamos que os americanos estão presos ao iMessage, mas nós também estamos presos a algum aplicativo de terceiro — naturalmente, para nós, é muito mais vantajoso que o app ao qual estamos presos esteja disponível nos aparelhos dos dois grandes sistemas operacionais.

Mas o RCS no iPhone pode mudar isso!

Apesar de praticamente ninguém que eu conheço (aqui no Brasil) usar o RCS, a adoção do padrão pela Apple tem o potencial de mudar essa situação em alguma escala. Isso porque, finalmente, quem não é lá muito fã do WhatsApp ou dos diversos apps OTTs disponíveis no mercado poderá permanecer “comunicável” apenas com o app de mensagens padrão dos seus aparelhos.

Certo que isso já é possível com o SMS, mas, convenhamos, ninguém é maluco em usar algo tão limitado e ultrapassado quando se tem opções melhores dando sopa (a não ser, é claro, que as pessoas simplesmente se recusem a instalar essas opções melhores por ter uma opção boa usada pela maioria do seu ciclo de amizades, como nos EUA, é claro).

Isso sem falar nos vários locais do país onde a cobertura de rede celular é simplesmente inexistente — o que tornaria inviável a comunicação diária com pessoas que moram nesses locais, como era até a popularização da internet.

Com a adoção do RCS pela Apple, praticamente todos os smartphones disponíveis no mercado atualmente estarão comunicáveis entre si através de uma tecnologia moderna e com transferência de mensagens via internet — o que significa que o uso de um app OTT não será mais tão indispensável para a comunicação como é hoje em dia.

É o fim do WhatsApp?

É uma ilusão pensar, no entanto, que esse novo momento significará o fim do WhatsApp e de outros apps do gênero — pelo menos em países com tradição de usar tais apps. Com uma série de evoluções em termos de recursos desde que foi lançado, o app hoje em dia representa bem mais do que um mensageiro, podendo ser considerado até mesmo uma espécie de hub social.

É muito difícil ver o brasileiro médio abrindo mão de funções como Status, grupos e até mesmo as tradicionais chamadas de vídeo e áudio disponíveis no mensageiro da Meta; mas é inegável que a adoção do RCS abrirá caminho para que quem quer apenas um app de mensagens tenha essa opção.

O usuário receptor deverá, no mínimo, receber a mensagem enviada — embora também haja a possibilidade de ela ficar perdida no app nativo entre as centenas/milhares de mensagens de spam — que são praticamente sinônimo dos apps de mensagens SMS no Brasil.

Esse é o cenário mínimo quando mencionamos o mensageiro da Meta, visto que há também aquele em que o próprio WhatsApp adiciona a sua própria implementação do RCS — principalmente em meio à determinação da Lei dos Mercados Digitais (DMA) da União Europeia, que prevê interoperabilidade entre serviços com uma quantidade de usuários relevante (como é o caso).

Já sabemos que o WhatsApp está testando em seu aplicativo a opção para acessar mensagens de serviços de terceiros e, caso nesse rol de protocolos adicionados esteja o padrão RCS, cairá por terra até mesmo essa necessidade supracitada dos usuários de abrirem o app de mensagens padrão para visualizar as mensagens que são enviadas através dele.

Mas eu precisarei pagar mais para usar o RCS?

Embora não haja muita documentação oficial por parte das operadoras sobre esse assunto aqui no Brasil, a resposta curta e grossa para essa resposta é um simples… não. E quem diz isso é o próprio Google, numa página de perguntas e respostas sobre as mensagens RCS.

Quando você usa os chats RCS, suas mensagens são enviadas por Wi-Fi e dados móveis. Desde que você se conecte a uma rede Wi-Fi que não precisa pagar para usar, não haverá custo para enviar e receber mensagens. Quando as mensagens são enviadas por dados móveis, o custo varia de acordo com o plano de dados.

Como mencionamos, o fato de os chats RCS (pelo menos os do app Google Mensagens, construídos a partir do Jibe) usarem a internet para trocar mensagens e não as redes móveis em si (como o SMS e o MMS) faz com que eles sejam “gratuitos”.

Ou seja: você não deverá pagar nada a mais do que a sua franquia de internet doméstica tradicional (que geralmente requer apenas um pagamento único mensal) quando enviá-las via Wi-Fi (ou cabo, no caso de alguns desktops) — ou simplesmente nada caso esteja usando a internet de terceiros.

Quando as mensagens são enviadas usando dados móveis, o custo será correspondente à quantidade de dados transferida — como acontece com praticamente qualquer aplicativo que usa a internet (como o WhatsApp, cuja franquia geralmente é eliminada por completo na maioria das operadoras de telefonia móveis nacionais).

Esse é um detalhe interessante a se mencionar, pois não será uma coisa de outro mundo se isso acontecer em massa por aqui com as mensagens trocadas via RCS — caso elas se tornem populares.

Algumas limitações a considerar

Embora o RCS conte com recursos interessantes como recibos de leitura, feedback de digitação, imagens com maior qualidade, etc., ele fica aquém de plataformas como o iMessage e o WhatsApp em alguns quesitos — principalmente quando falamos no uso de mais de um dispositivo.

Enquanto o serviço de mensagens da Apple continuará perdendo feio por não ser compatível com sistemas operacionais de fora do jardim murado da Maçã, o RCS praticamente se restringe ao ambiente dos smartphones. Certo que trata-se do meio de comunicação mais popular atualmente, mas eu, particularmente, relutaria muito em usar um mensageiro não disponível no computador.

Como praticamente todos os softwares importantes do Google — com exceções óbvias, como o Drive e o Chrome —, até existe uma maneira de acessar o Mensagens via desktops, mas apenas via navegador. É uma abordagem que considero bastante limitada (e chata) por depender de outro software (e, geralmente, da internet) para funcionar e exibir as mensagens.

Outro destaque que certamente será um impeditivo para o sucesso do RCS no Brasil é a falta de um recurso de ligações, presente no WhatsApp e até mesmo no iMessage — que é integrado ao FaceTime e conta até mesmo com um atalho para chamadas no serviço da Maçã em cada chat no app Mensagens.

Embora você possa argumentar que trate-se de um serviço de mensagens e que o recurso de chamadas não deveria ter nenhuma relação direta com ele — o que até faz certo sentido —, é bem difícil desvincular atualmente uma coisa da outra, visto que já estamos bastante acostumados a usar o mesmo app de mensagens para fazer ligações.

Não é novidade para ninguém que, por aqui, o app nativo de ligações dos smartphones serve praticamente como “decoração”, se restringindo na maioria das vezes a um instrumento para chamadas de marketing ou ligações profissionais de empresas que ainda não aderiram às soluções baseadas na internet.

Isso é mais do que compreensível, visto que a maioria dos usuários brasileiros não assina um plano de operadora em específico, limitando-se a planos pré-pagos que muitas vezes descontam valores a cada nova ligação feita pelo usuário — algo que não acontece quando usamos um app baseado em web.

Como deverá funcionar o RCS com os iPhones?

Essa é uma pergunta a qual ainda não conta com respostas concretas, mas podemos fazer algumas conjecturas/previsões sobre como será essa implementação — tanto com base no que sabemos sobre o funcionamento do RCS atualmente quanto no pouco que a Apple já confirmou dessa história.

Como a implementação da tecnologia depende das próprias prestadoras, ainda precisamos entender como ela acontecerá por parte da Maçã. Embora a empresa ainda não tenha dado muitas informações oficiais sobre como tudo funcionará, algumas coisas soltas já podem servir como base para breves especulações.

Primeiro de tudo: a Apple não deverá seguir o caminho das principais operadoras e adotar a implementação do Google (o Jibe) para o RCS. Em vez disso, a empresa adotará a sua própria especificação do Perfil Universal — o que significa que provavelmente ela usará uma estrutura própria e servidores para colocar essa implementação em prática.

Adotar a implementação do Google seria praticamente adicionar um app de mensagens da empresa rival nos iPhones (dentro do app Mensagens, obviamente) e dar ainda mais protagonismo à empresa concorrente no que se refere ao RCS. Seria como colocar o “iMessage do Google” dentro do iOS — coisa que, obviamente, a Apple está longe de querer.

De qualquer forma, não devemos esperar que a implementação do RCS da Apple seja “capada” a ponto de se comparar ao SMS ou ao MMS, visto que a empresa já confirmou recursos como recibos de leitura, imagens e vídeos de alta resolução, melhores conversas em grupo e até mesmo compartilhamento de localização.

Mas ainda há dúvidas importantes, principalmente no que diz respeito à segurança — mais especificamente à criptografia de ponta a ponta. Por padrão, o GSMA não conta com uma especificação padrão para esse tipo de criptografia no Perfil Universal do RCS — o que significa que ela depende exclusivamente de quem a implementa.

O Google, por exemplo, conta com uma especificação de criptografia para o Jibe que é usada no Google Mensagens (o E2EE) — e, consequentemente, também pelas empresas que adotaram a implementação dela, como a maioria das grandes operadoras de telefonia.

Mas essa deficiência acaba deixando a troca de mensagens um tanto quanto bagunçada. Enquanto um usuário com o aplicativo Mensagens do Google conta com criptografia de ponta a ponta quando conectado a outro usuário sob a mesma especificação, isso não acontece quando ele entra em contato com alguma implementação do RCS sem criptografia.

O Google explicou bem como funciona essa limitação na mesma página de suporte supracitada. Basicamente, é necessário que os dois usuários estejam sob essa implementação:

As mensagens criptografadas de ponta a ponta só funcionam quando você se comunica com outro usuário do Google Mensagens. Se você ou seu contato mudarem os apps de mensagem ou o sistema operacional, talvez o Google Mensagens não detecte logo quando uma conversa não está mais qualificada para a criptografia de ponta a ponta. Inicialmente é possível que algumas mensagens não apareçam ou sejam entregues em um formato criptografado ilegível.

Portanto, a Apple implementará o RCS nos iPhones sem suporte a criptografia de ponta a ponta? Obviamente que não, visto que a empresa é bastante criteriosa quando o assunto é segurança — o iMessage conta com esse tipo de tecnologia há mais de uma década — e esse ponto é apontado como um dos maiores motivos para a “troca” do SMS pelo RCS nos iPhones.

Isso significa que a Apple tem algumas poucas opções: adotar a mesma tecnologia de criptografia do Google (o que, obviamente, seria mais fácil em termos de implementação) ou pensar em uma solução diferente. E a empresa parece já ter confirmado que irá pelo segundo caminho, talvez também para ter certo protagonismo nessa seara.

Mas isso também não significa que a Apple necessariamente trabalhará numa especificação proprietária de criptografia de ponta a ponta. Tudo indica que o grande objetivo da empresa é trabalhar para que o GSMA adicione uma especificação ao padrão para que ela possa ser usada nas mensagens enviadas via RCS nos iPhones e em qualquer outra implementação.

Dessa forma, a Maçã garantiria também que as mensagens enviadas via RCS serão criptografadas tanto se enviadas para dispositivos com o Mensagens do Google quanto para qualquer outra implementação proprietária do Perfil Universal — maximizando a segurança da coisa.

Inclusive, o Google afirmou que trabalhará em conjunto à Apple na implementação do RCS no iOS — trabalho que poderá se estender não somente ao objetivo de tornar as duas implementações interoperáveis como também para “forçar” o GSMA a adotar uma especificação de criptografia por padrão.

Caso isso venha mesmo a acontecer, pro lado do Google também haverá duas opções: permanecer com sua especificação E2EE atual ou até mesmo adotar a especificação que for implementada no GSMA — o que justificaria ainda mais o “trabalhar em conjunto” com a Maçã.

De qualquer forma, é interessante notar como a entrada da Apple na jogada — sim, da empresa que passou anos ignorando por completo a existência e os benefícios do RCS — poderá ajudar a melhorar o padrão ao possivelmente “forçar” a inclusão de uma especificação de segurança importante a um padrão que é carente de uma.

O RCS atrapalhará a Apple?

Difícil responder a essa pergunta quando ainda não sabemos os termos exatos da implementação do RCS pela Apple. Mas, se fosse para fazer uma aposta, seria de que a Maçã pouco perderá com a medida. Usuários, por outro lado, ganharão bastante com ela.

Embora os executivos da Maçã já tenham expressado — até por meio de emails — o temor quanto a abrir o iMessage para dispositivos de terceiros, principalmente devido ao fato de que o serviço pode acabar inibindo a compra de smartphones com Android nos EUA, a adoção do RCS vai por um meio termo.

Isso porque, obviamente, o RCS ainda não é o iMessage. Ele ainda não será capaz de oferecer toda a integração do serviço de mensagens da Maçã em seus dispositivos (incluindo desktops) e não contará com recursos valiosos como o FaceTime para permitir a realização de chamadas de vídeo e de áudio.

O fator que mais conta a favor da Maçã ainda será o iPhone, que é símbolo de status não apenas por causa do iMessage (se fosse, o aparelho não seria sonho de consumo aqui no Brasil) ou nem mesmo por causa dos recursos poderosos presentes na plataforma da Maçã, e sim por elas estarem uma plataforma da Maçã em si.

Mesmo com todos os benefícios que o RCS deverá trazer, a Apple já deixou claro que as mensagens enviadas usando o padrão serão marcados com o temido balão verde — o que deverá ser suficiente para manter a divisão acirrada entre donos de iPhones e sua contraparte.

Mas por que o iPhone suportará o RCS?

Mesmo com essa chance mínima de fracasso (apenas uma conjectura, obviamente), é difícil imaginar a Apple agindo por vontade própria e adicionando o suporte ao RCS nos iPhones espontaneamente — o que já foi mais do que provado com as declarações de desdém da empresa em relação à tecnologia no passado.

Mas as constantes pressões internacionais supracitadas certamente devem ter influenciado (ou pelo menos antecipado) essa decisão por parte da Maçã. Isso porque não tínhamos nenhum indício de que a empresa seguiria por esse caminho — tanto é que a notícia sobre a adoção caiu como uma verdadeira bomba na bolha tech.

Ao adotar o uso do RCS no app Mensagens, a Apple poderá argumentar mais consistentemente contra tentativas de tornar o iMessage interoperável, algo como: “Olha, queremos manter o nosso sistema exclusivo, mas nosso sistema não deixa de permitir a comunicação com outros através de uma tecnologia semelhante”.

Para a Apple, sabendo que as legislações tendem a apertar cada vez mais essa questão da interoperabilidade entre serviços de mensagem, é mais valioso manter o iMessage sobre sua guarda total, então a adoção do RCS pode ser uma forma de antecipar algo que já acabaria acontecendo, ao mesmo tempo em que protege sua plataforma e tenta evitar o cenário pior.


Quais as expectativas de vocês para essa implementação? Comentem! 😉

Notas de rodapé

  • 1
    Chief executive officer, ou diretor executivo.
  • 2
    Short message service, ou serviço de mensagens curtas.
  • 3
    Multimedia messaging service, ou, serviço de mensagens multimídia.

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