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Parem de bobagem: IA não é para preguiçosos

Diego Thomazini / Shutterstock.com
App do ChatGPT no iPhone

Não tem sido incomum ver pessoas associando o uso de ferramentas de inteligência artificial — e especialmente de IA generativa, como o ChatGPT — a coisas como preguiça, incompetência ou desonestidade.

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Há também quem insista em, sempre que pinta o assunto, classificar essas novas tecnologias como uma espécie de moda sem muito propósito, e com apelo apenas para os mais emocionados ou ingênuos.

Aqui vai, por exemplo, uma opinião que li dia desses em um site estrangeiro a respeito do uso do ChatGPT em escolas:

Esta invenção produzirá esquecimento nas mentes daqueles que aprenderem a usá-la, porque essas pessoas não praticarão mais a memorização. A confiança dessas pessoas na escrita, produzida por personagens externos que não são parte de si mesmos, irá desencorajar o uso das suas próprias memórias. […] E você irá oferecer aos seus alunos a aparência de sabedoria, e não sabedoria verdadeira. Eles irão ler muitas coisas sem instrução, parecerão ter conhecimento sobre muitas coisas, porém eles serão em grande parte ignorantes e será difícil de conversar com eles, já que eles não serão sábios, mas sim irão apenas aparentar ter sabedoria.

Pois bem. Se você se sentiu representado pela citação, preciso confessar uma coisa: eu menti. Ela não é sobre o ChatGPT, mas sim sobre a invenção da escrita. Ela foi cunhada por volta do ano 370 a.C. por Platão, em um dos segmentos da obra “Fédon”. A obra imagina conversas entre Sócrates e o titular Fédon, dentre elas a lenda de que o deus egípcio Amon havia condenado a invenção da escrita (por um outro deus, chamado Thoth) como algo que emburreceria a humanidade.

Estou dizendo que, se você ainda não vê utilidade em um ChatGPT qualquer, você está errado? É óbvio que não. Porém, por mais tentador que seja o instinto de se contrapor a algo que está na moda 1E acredite: entendo essa sensação. Eu nunca vi “Transformers”, “Avengers” ou “Avatar”., vale atentar-se para não cair na armadilha de concluir que “se eu não vejo valor, então não tem valor”, como tem sido triste de ler por aí.

E talvez essa seja a palavra-chave aqui: valor.

Qual é o valor dessas IAs?

Na semana passada, em reação ao meu texto repercutindo os acertos e erros da Apple Intelligence, o leitor Ricardo comentou (de uma forma absolutamente válida e construtiva, e sem o ceticismo estoico exacerbado ou o antagonismo que critiquei acima) o seguinte:

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Não sei vocês, mas eu tenho muitos pés atrás com IA, tanto que hoje hoje tô meio por fora de ChatGPT, Gemini e afins… basicamente pra mim a IA só reescreve textos que a gente poderia colocar o cérebro pra funcionar e fazer igual ou até melhor.

Nota rápida: eu me certifiquei de ter a autorização do Ricardo antes de incluir seu nome e comentário no segmento acima.

Essa linha de observação também tem sido recorrente, e eu a coloco na mesma categoria de quem costuma enviar perguntas ou comentários dizendo que até tentou adotar IA no dia a dia, mas não viu muita utilidade ou benefício.

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Em resposta a isso, aqui vão dois factoides (um pouco mais detalhados) que enviei a ele, e que eu acredito que possam ajudar a abrir os horizontes de quem eventualmente esteja interessado pelo assunto, mas ainda não tenha identificado um ponto de entrada.

Primeiro, um factoide da Gigahertz, a rede de podcasts que eu tenho junto ao Guilherme Rambo que, sem sombra de dúvida, é um dos desenvolvedores mais talentosos, competentes e prolíficos do mundo.

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Recentemente, coube a ele a tarefa de programar um sistema de enquetes para o nosso site. A enquete precisava obedecer uma série de regras específicas, além de dar saída aos dados de uma forma também específica para facilitar uma tabulação automatizada (cujo sistema também precisava ser construído do zero).

Segundo ele próprio, com a ajuda do GitHub Copilot 2Ferramenta da plataforma de desenvolvimento GitHub que usa IA generativa para sugerir e autocompletar grandes blocos de código., ele fez tudo isso na metade do tempo que teria levado para fazer do zero por conta própria. Se isso não é valor, eu não sei o que é.

Dobrar a produtividade para um projeto relativamente trivial é um exemplo extremo? Sem dúvida. Mas está longe de ser o único. Recentemente, eu entrevistei o francês Jerome Pesenti, ex-vice-presidente de IA da Meta. Ele disse que o uso de IAs generativas no fluxo de trabalho dos engenheiros de software da nova startup dele tem levado a ganhos de até 20% de desempenho. O que você faria com um dia útil a mais na sua semana?

Além disso, ele disse que o uso de IA generativa no dia a dia já faz parte do processo de entrevista da empresa dele, porque “esse é o trabalho hoje, certo? Você não vai programar sem isso. Se você quer ser um bom desenvolvedor hoje e dia, você precisa usar o GPT-4. Não há dúvidas sobre isso”.

É o que diz o professor Scott Galloway, da Universidade de Nova York: “O seu trabalho provavelmente não será substituído por uma IA, mas sim por alguém que saiba usá-la como ferramenta.” A essa altura, a frase já virou clichê, mas prova-se cada vez mais verdadeira.

Mas eu não sou programador

Pois bem. Aqui vai o segundo factoide, relacionado a estudos: a minha companheira gravou (com autorização) o áudio de uma série de aulas preparatórias para uma prova.

Eu utilizei o Whisper, da OpenAI, para transcrever as múltiplas horas de gravações, utilizei o Google Gemini 1.5 Pro e a sua janela de contexto de 1 milhão de tokens para fazer resumos, uni isso com as apostilas pedagógicas e com arquivos de provas anteriores e, em questão de minutos, nós tínhamos em mãos um plano detalhado de estudos customizado para a agenda dela, múltiplos simulados de prova, além de um GPT personalizado munido de todo o conhecimento desses materiais para que ela pudesse conversar, debater e tirar dúvidas 3Se você está se perguntando se alucinações não são um problema, a resposta é: definitivamente sim. Por outro lado, verificar as informações fornecidas pelo LLM se provou uma espécie de benefício acidental para reforçar os conceitos estudados..

Isso, é claro, não substituiu ou invalidou o método de estudo ao qual ela já estava acostumada. Ao invés disso, ele complementou o processo, guiou e otimizou o fluxo de estudos e, segundo ela própria, deixou-a mais segura para o teste. Novamente, se isso não é valor, eu não sei o que é.

Resumo da ópera

Via de regra, a compreensão da profundidade do potencial dessas ferramentas parece estar bastante ligada a quanto valor você tira delas. Por mais que seja possível pedir para o ChatGPT fazer a lição de casa, isso não passa nem perto de representar o potencial que as IAs generativas abrem para praticamente qualquer profissão, do direito à astronomia, passando pela arqueologia, medicina e culinária.

Para quem já teve a sorte de encontrar uma forma de incorporar ferramentas de IA no próprio fluxo de trabalho, ler as impressões de quem estigmatiza isso como preguiça, como incompetência ou como ingenuidade soa tão míope quanto a hipótese de que a invenção da escrita iria emburrecer as pessoas. Aliás, antes da IA, o mesmo foi dito sobre smartphones, internet, TV, computadores, calculadoras e, aposto que também, sobre o ábaco.

Por outro lado, para quem tem interesse mas ainda olha para o ChatGPT e não vê uma forma de incorporá-lo no dia a dia, não tem problema. Iniciativas com a da Apple, de incorporar pequenas manifestações de IA generativa em partes específicas do sistema, para desempenhar papeis muito bem definidos, se tornarão cada vez mais comuns.

Esse, inclusive, foi um dos acertos da empresa com a Apple Intelligence. Ao eliminar a caixinha de prompts (que nem sempre é o melhor ponto de partida para quem ainda está se aclimatando com as possibilidades dessas ferramentas) e fazer, por exemplo, uma interface simplificada para quem quiser uma ajuda para melhorar a escrita no Mail, a Apple materializou exatamente o que ela faz de melhor: eliminou as complexidades, e manteve apenas seus benefícios, apresentados de uma forma de fácil consumo e assimilação. A minha expectativa é que mais ferramentas e aplicativos façam o mesmo muito em breve.

Já para quem segue com um ranço inabalável e vem sofrendo de uma (compreensível) overdose de IA, eu sinto muito. Essas tecnologias estão na moda? Sem dúvida. Elas são algo passageiro? Eu não contaria com isso.

Notas de rodapé

  • 1
    E acredite: entendo essa sensação. Eu nunca vi “Transformers”, “Avengers” ou “Avatar”.
  • 2
    Ferramenta da plataforma de desenvolvimento GitHub que usa IA generativa para sugerir e autocompletar grandes blocos de código.
  • 3
    Se você está se perguntando se alucinações não são um problema, a resposta é: definitivamente sim. Por outro lado, verificar as informações fornecidas pelo LLM se provou uma espécie de benefício acidental para reforçar os conceitos estudados.

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