Existe um fenômeno, que eu chamarei de “efeito Ted Lasso”, que acomete as séries de comédia do Apple TV+ até hoje. Basicamente, a fórmula da série estrelada por Jason Sudeikis deu tanto certo que passou a ser replicada a torto e a direito na plataforma de streaming da Maçã (e fora dela, também) — basta ver a atmosfera “positiva-engraçadinha-reconfortante” de produções como “Falando a Real”, “A Máquina do Destino”, “Schmigadoon!” e “Dick Turpin” (aplicada, claro, em maior ou menor grau de sucesso, dependendo da série).
De fato, o “efeito Ted Lasso” tornou-se um monstro tão grande que estimulou a internet a cunhar um termo próprio para a atitude da série, a temida “positividade tóxica”, e transformou a terceira (e última) temporada da produção num desfile de sentimentalismo, episódios absurdamente longos e situações forçadas para elevar essa atmosfera (que tanto deu certo anteriormente) a um nível francamente insuportável.
Mas se você olhar um pouco além das séries de comédia mais badaladas (se é que podemos usar esse termo…) do Apple TV+, existe um título que incorpora com perfeição a atmosfera de positividade contida dos melhores dias de “Ted Lasso”, também se passa na Inglaterra e, em vários sentidos, até mesmo supera a famosa série futebolística em qualidade. E querem a melhor notícia? Essa mesma série chegou recentemente à sua quarta temporada. Refiro-me, naturalmente, a “Trying”.
Se você nunca ouviu falar da produção (e eu lhe perdoo totalmente nessa, considerando a falta de divulgação da Apple), “Trying” segue um jovem casal britânico, Nikki e Jason (Esther Smith e Rafe Spall), que tem o sonho de ter filhos mas não consegue gerar uma criança. Com isso, as três primeiras temporadas da série acompanham o casal por todos os desafios de um processo de adoção, precisando encarar as burocracias e exigências envolvidas, as reações das famílias e dos amigos, e outros aspectos das suas vidas pessoais e profissionais.
A partir daqui, o texto contém alguns spoilers sobre as três primeiras temporadas de “Trying”. Não há spoilers relacionados à quarta temporada.
Na nova temporada, que estreou no Apple TV+ no dia 22/5 e já tem três dos seus oito episódios disponíveis, a série dá um salto temporal de seis anos e passa a lidar com novas dinâmicas: agora, já com seus filhos Princess e Tyler (Scarlett Rayner e Cooper Turner) relativamente crescidos, Nikki e Jason precisam lidar com a tristeza de uma perda importante e com o crescimento das crianças — especialmente Princess, que, chegando à adolescência, começa a expressar um desejo cada vez maior de se conectar com a sua mãe biológica. Com isso, as relações familiares são postas à prova e o casal de protagonistas precisa, mais uma vez, aprender a navegar pela realidade de ter filhos.
De certa forma, o salto de seis anos que abre a quarta temporada de “Trying” é a melhor escolha que Andy Wolton, criador e principal roteirista da série, poderia fazer. Depois de três temporadas girando em torno de uma história coesa e sem gordura, a série tinha grandes riscos de cair na repetição caso optasse por continuar girando nas mesmas situações; em vez disso, Wolton e sua competentíssima equipe de roteiristas dão uma nova dinâmica à narrativa com a introdução das figuras de Princess e Tyler. E, mesmo assim, “Trying” continua sendo “Trying” — isto é, mesmo ao se afastar da premissa original da série (casal querendo adotar crianças), ela segue com o coração, o humor e a temática no mesmíssimo lugar, e essa é a melhor notícia possível!
Parte do mérito, aqui, está na escalação impecável de Cooper Turner e Scarlett Rayner. Trabalhar com atores mirins/adolescentes sempre é um desafio — especialmente se eles estão entrando em uma narrativa já consolidada para encarar papéis de coprotagonistas numa série que, desde o seu início, constituiu-se numa dinâmica centrada em um casal especialmente carismático.
Mesmo com essa montanha a escalar, os dois jovens atores entram em seus papéis de maneira extremamente natural, esbanjando simpatia e sem nunca soarem forçados ou artificialmente crescidos. Rayner, especialmente, encara alguns dos momentos de maior emoção da temporada com a mesma maturidade dos seus parceiros de cena com o dobro da sua idade — mérito do talento da jovem atriz e, também, de uma combinação rara de roteiro cuidadoso e direção de elenco afiada.
Se na narrativa “Trying” faz uma curva na sua quarta temporada, por trás das câmeras também temos uma mudança importante: sai Jim O’Hanlon, que dirigiu quase todos os episódios das três temporadas anteriores, e entra uma equipe liderada por Ellie Heydon, que comanda os três primeiros episódios da nova leva. Felizmente, a troca no comando não salta aos olhos — a série, afinal de contas, nunca foi muito afeita a grandes experimentos ou inovações estéticas, preferindo concentrar sua linguagem visual nas expressões dos atores, nos diálogos e no calor humano dos seus personagens. Heydon, nesse sentido, segue com louvor a “cara” estabelecida por O’Hanlon nos anos anteriores da série, numa transição basicamente invisível.
Essa, portanto, é a sua deixa para dar uma chance a “Trying” caso você ainda não o tenha feito. Com uma atmosfera de positividade que está muito longe de ser tóxica, é bem provável que você se encante por essa galeria pitoresca de personagens da mesma forma que este que vos escreve.
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