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O Apple Vision Pro é apenas o Apple Watch Edition da sua era, e isso não é um problema

Divulgação/Apple

A essa altura, já é bem provável que alguns leitores do MacMagazine tenham passado a acompanhar o mundo da Apple depois dos idos de 2014-15 e, por isso, não saibam (ou se lembrem) que o primeiro Apple Watch foi anunciado com uma opção de carcaça de ouro maciço 18 quilates que custava a partir de US$10.000 (ou R$80.000 no Brasil).

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Definida por Tim Cook como “algo inacreditavelmente único e muito especial” e “a mais bela expressão do Apple Watch”, essa versão batizada de Edition ajudou a Apple na intenção de estabelecer o novo produto como um acessório de luxo no patamar de marcas como a tradicional Rolex, e não apenas um computador de pulso com cara de brinde de McLanche Feliz que concorreria com o Pebble.

No livro “After Steve: How Apple Became a Trillion-Dollar Company and Lost Its Soul” 1Que em português ganhou um título mais amigável: “A Apple após Steve Jobs: como a busca por excelência e rentabilidade redefiniu a maior empresa de inovação de todos os tempos”., o jornalista Tripp Mickle explicou que Jony Ive foi irredutível na ideia de ter um Apple Watch de ouro dentre as opções da primeira geração e que, apesar de uma grande resistência interna, Cook deu o aval na tentativa de aplacar o crescente descontentamento de Ive com a companhia.

Quatro anos depois, quando o designer decidiu deixar a empresa, o Wall Street Journal publicou uma matéria com algumas informações inéditas a respeito dessa primeira geração. Primeiro, segundo eles, “milhares de unidades” do Apple Watch Edition haviam ficado encalhadas nos estoques. Já a segunda informação foi de que a empresa havia vendido “10 milhões de unidades [somando todas as variações do Apple Watch] no primeiro ano”, apenas 25% da previsão inicial.

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Do ponto de vista de funcionalidade, não havia diferença absolutamente nenhuma entre o Apple Watch Edition mais caro, de US$17.000, e o Apple Watch Sport mais barato, de US$350. Por dentro, eles eram rigorosamente idênticos, com acesso a exatamente às mesmas funções do sistema. Essa primeira geração, batizada retroativamente de Series 0, recebeu suporte do watchOS até 2018, e foi classificada pela Apple como obsoleta no ano passado.

Para todos os efeitos, vender só 25% do previsto não é exatamente a definição de sucesso. Ainda assim, não imagino que haja quem olhe para o Apple Watch hoje em dia e pense nele como um fracasso 2Mesmo no caso de quem não veja nele um uso para si.. A Apple, infelizmente, não divulga mais informações de faturamento ou de vendas por categoria de produtos, mas qualquer estimativa que você encontre por aí virá acompanhada de um gráfico que aponta para cima e à direita há quase dez anos.

Mas esse crescimento não veio de forma espontânea, é claro. Aliás, demorou para começar. A empresa levou 17 longos meses para lançar a segunda geração do Apple Watch, porém acertou na mosca quando o fez.

Composta pelos Series 1 3O mesmo relógio da primeira geração, basicamente, mas disponível apenas em alumínio e custando a partir de US$270. e Series 2 4Com um processador mais potente, GPS, e cuja versão Edition, de cerâmica, partia de “apenas” US$1.250, e não US$10.000., a segunda geração precisou de poucos meses para tornar o Apple Watch o relógio mais vendido do mundo. Além disso, ela marcou o início de um calendário anual e regular de atualizações de hardware que dura até hoje.

Agora imagine: e se a Apple tivesse lançado apenas a versão Edition em 2015? Será que o Apple Watch teria tido a oportunidade de se tornar o sucesso que ele é hoje? Já deu para entender o paralelo, né?

Apple Watch Edition vs. Apple Vision Pro

É claro que há diferenças gigantescas entre o primeiro Apple Watch Edition e o primeiro Apple Vision Pro.

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Primeiro, o preço absurdo elevado do relógio não era resultado do uso de tecnologias caras demais para a época, mas sim unicamente por conta da carcaça de ouro (que obviamente tinha uma margem de lucro bem rechonchuda).

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Já a segunda diferença, maior ainda, está na utilidade. Correndo o risco de soar exagerado para comprovar meu ponto, as utilidades práticas que só o Apple Watch (Edition ou não) proporcionava ficaram aparentes de imediato. Já as utilidades práticas do Apple Vision Pro, bem… ainda estão por se revelar.

Divulgação/Apple

Ainda assim, sigamos com o exercício: e se o Apple Watch tivesse sido lançado apenas na versão Edition?

Bem, seguindo a linha do tempo do que de fato aconteceu, teríamos esperado 17 meses até a chegada da segunda geração com modelos mais baratos (e com mais opções de preços), com processadores mais potentes, que abrissem mão de características e funcionalidades supérfluas, e que resolvessem carências importantes como a falta de GPS ou de uma bateria mais generosa.

Da mesma forma, teríamos passado todo esse tempo lidando com rumores diários e contraditórios a respeito dos próximos passos da linha, divididos entre notícias sobre a iminência de um “Apple Watch Edition 2” e notícias do seu adiamento/pausa no desenvolvimento em favor de versões mais baratas. Junto disso, não faltariam proponentes do cancelamento do projeto, algo perfeitamente justificável dadas as unidades encalhadas e as vendas 75% abaixo do esperado.

Apple Vision Pro vs. Apple Vision

Lendo os rumores mais recentes a respeito do futuro da linha Apple Vision, penso que a surpresa seria se a empresa não estivesse priorizando o desenvolvimento de versões mais atraentes para o grande público. Outra surpresa seria se ela não aproveitasse qualquer chance que surgisse para acelerar essa produção, frente a um cronograma anterior definido sabe-se lá quando, no início do projeto.

Com quase seis meses de disponibilidade no mercado consumidor americano e mais de um ano de contato com o mercado desenvolvedor mundial, a Apple já tem em mãos dados de sobra para identificar quais aspectos de um dispositivo Vision são essenciais, quais são importantes, quais são apenas bem-vindos e quais são dispensáveis sob um aspecto de custo-benefício.

A tela lenticular da parte de fora do Apple Vision Pro exibe uma reprodução tridimensional dos olhos do usuário quando ele não está interagindo com um ambiente totalmente imersivo

Junto a isso, tudo a respeito da fabricação do Vision Pro fica mais barato a cada dia — seguirá barateando até o lançamento da(s) versão(ões) não Pro. Na prática, uma mesma peça fabricada para o Vision Pro em novembro de 2025 custará muito menos do que quando ela foi fabricada em novembro de 2023, permitindo que o(s) modelo(s) não Pro receba(m) algumas dessas tecnologias sem encarecer tanto o produto.

E tem mais: até o final do ano que vem, será natural que os engenheiros da Apple tenham encontrado múltiplas formas de otimizar os algoritmos de visão computacional internos e externos do aparelho, a ponto de entregar uma experiência imersiva igual ou superior, mas com uma quantidade menor de câmeras e sensores.

Há também, é claro, escolhas óbvias que a Apple pode fazer para baratear o produto e que já foram repetidas à exaustão em múltiplos lugares: utilizar outros materiais na carcaça, eliminar a tela lenticular externa, simplificar as cintas que prendem o dispositivo à cabeça, abrir mão de funcionalidades não essenciais que exijam sensores específicos, etc.

Resumo da ópera

No texto “O Apple Vision Pro é o melhor fracasso que a empresa já lançou”, eu defendi o seguinte: dada a quantidade de tecnologias que o dispositivo empacota e a quantidade de possibilidades que elas inauguram, classificar a investida da Apple no segmento de computação imersiva como uma derrota com base apenas nas vendas do Vision Pro soa tão míope quanto os que, em algum momento da história, classificaram os aviões, carros, o telégrafo, filmes falados, a internet e os PCs como invenções inúteis ou como modas passageiras.

Quase seis meses depois, estou mais convencido que nunca de que o sucesso ou fracasso do Apple Vision Pro não tem nenhuma relevância quando o assunto é o longo prazo do segmento de computação imersiva, algo tão incipiente que sequer ofereceu tempo para que os desenvolvedores (e a Apple) identifiquem as melhores formas de tirar proveito das possibilidades. Ou você acha que o futuro da computação imersiva realmente é um bando de janelas 2D flutuando ao redor da mesa de trabalho?

É possível que esse mercado seja menor do que a Apple esperava? Sem dúvida. Aliás, isso parece cada vez mais provável. Mas também foi assim com o iPad, e a Apple segue investindo nele até hoje.

No fim das contas, mesmo que a margem de lucro de toda a divisão Vision seja menor do que os cerca de 45% com os quais a Apple já está acostumada, ele seguirá desempenhando um papel importantíssimo (desde que não dê prejuízo): o de mostrar ao mercado que a Apple é uma empresa que domina e disponibiliza tecnologias tão avançadas que a concorrência sequer consegue chegar perto. E essa é uma posição de mercado para a qual não há preço.

Já se alguém realmente quer essas tecnologias, é outro papo.


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Armazenamento: 256GB, 512GB ou 1TB

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Notas de rodapé

  • 1
    Que em português ganhou um título mais amigável: “A Apple após Steve Jobs: como a busca por excelência e rentabilidade redefiniu a maior empresa de inovação de todos os tempos”.
  • 2
    Mesmo no caso de quem não veja nele um uso para si.
  • 3
    O mesmo relógio da primeira geração, basicamente, mas disponível apenas em alumínio e custando a partir de US$270.
  • 4
    Com um processador mais potente, GPS, e cuja versão Edition, de cerâmica, partia de “apenas” US$1.250, e não US$10.000.

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