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Logo da Apple sobre bandeira da China

Apple TV+ na China seria jogada de mestre, mas com inúmeros desafios

No início da semana, uma reportagem do The Information trouxe detalhes sobre uma possível negociação para levar o Apple TV+ à China. Todos os detalhes estão na matéria do meu xará Bruno Cardoso, mas as informações básicas indicam que a Maçã teria mantido negociações com a operadora China Mobile, empresa estatal que é a maior operadora de telefonia celular do país, para levar a empreitada adiante.

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Caso o negócio dê certo, o Apple TV+ será o primeiro serviço de streaming estrangeiro a cruzar a Cortina de Ferro chinesa, o que representaria uma vitória e tanto para a gigante de Cupertino — afinal de contas, quem não quer disponibilizar suas produções para uma audiência potencial de 1,412 bilhão de pessoas (ainda mais quando nenhum dos seus concorrentes tem acesso a esses 1,412 bilhão de pessoas), não é verdade?

Por outro lado, a Apple tem uma montanha formidável para escalar caso esteja realmente interessada em levar o seu serviço de streaming para o segundo país mais populoso do mundo — e os desafios não têm a ver apenas com as regulamentações formais aplicadas pela China na produção e na distribuição audiovisual, mas até mesmo com uma gigantesca barreira cultural que a Maçã precisará superar para tornar o projeto bem-sucedido.

A primeira adversidade é prática. Como já notado na nossa matéria anterior sobre o tema, a lei chinesa não permite que serviços de streaming estrangeiros sejam distribuídos diretamente aos consumidores na forma de aplicativos, então qualquer chegada do Apple TV+ à China teria de ser feita por meio de set-top boxes locais — daí as negociações com a China Mobile, que possibilitariam a inclusão do serviço nos aparelhos da operadora — possivelmente mediante o pagamento de uma taxa extra mensal.

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Isso, claro, não é o cenário ideal para a Apple no que diz respeito à expansão do seu ecossistema de hardware, software e serviços. Como falamos aqui basicamente toda semana nesta digníssima coluna, o Apple TV+ é apenas um membro de um projeto muito maior — o projeto de fazer cada cliente mergulhar no universo da Maçã, seja ao assistir a um filme ou uma série, ao escutar uma música, ao entrar numa realidade alternativa, ao fazer uma videochamada, ao abrir o computador para trabalhar ou, quem sabe num futuro próximo, ao requerer os serviços de uma inteligência artificial. Tudo isso fica um pouco mais complicado se, em um dos maiores mercados consumidores do mundo, as pessoas não conseguem usar o Apple TV+ em seus iPhones, iPads e Macs.

O segundo desafio tem a ver com palavrinhas um tanto quanto mais espinhosas: censura e liberdade de expressão. Como bem se sabe, a China tem um histórico nem um pouco agradável de banir obras de arte com assuntos considerados subversivos ou indesejáveis por Pequim, especialmente no que se diz respeito a temáticas políticas ou sociais. Tanto é que, desde que o país passou a permitir a chegada de filmes hollywoodianos por lá, tornou-se prática comum entre os estúdios dos EUA editar suas produções para remover cenas (ou, em alguns casos, até mesmo tramas inteiras) que pudessem desagradar os órgãos reguladores.

É bem verdade que, no geral, o Apple TV+ tem a tendência a lançar obras mais chapa-branca do que a maioria dos seus concorrentes — tudo como parte daquele plano, traçado lá no início, de focar em produções mais amigáveis e menos controversas. Ainda assim, fica a pergunta sobre o que aconteceria com séries mais, digamos, politicamente carregadas — como “Masters of the Air”, “Silo” ou “Pachinko” — numa eventual aterrissagem em território chinês.

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O terceiro problema está diretamente ligado ao segundo, mas vai mais além: refiro-me, aqui, à própria forma que a sociedade chinesa lida com obras audiovisuais e produções midiáticas em geral. Desde a metade do século XX, é obvio e ululante que a China tem tentado criar uma indústria do entretenimento própria, pensada basicamente para consumo interno — e, para exemplificar essa questão, basta ver a lista de maiores bilheterias globais de qualquer ano: você sempre verá na lista, em meio a fenômenos culturais e filmes que estiveram na boca do povo em um determinado período, alguns títulos totalmente desconhecidos. São justamente os blockbusters chineses, com sucessos bilionários em sua terra natal e praticamente anônimos para o resto do mundo.

O exemplo ilustra bem o modus operandi chinês em relação a produções audiovisuais: no geral, e por uma série de questões que vão muito além de uma simples escolha individual, os chineses costumam dar preferência às produções locais — e, neste sentido, também podemos citar as bilheterias inexpressivas de alguns sucessos de Hollywood na China. Ou seja, a Maçã precisa se perguntar se os chineses de fato têm interesse nos filmes e nas séries do Apple TV+.

Por outro lado, a Apple poderia apostar em uma parceria com um estúdio chinês para produzir obras locais — o que envolveria uma série de outras limitações, regulamentações e problemas para a empresa superar.

Considerando todos os desafios que a Apple enfrentaria ao levar o Apple TV+ à China, desde questões práticas de distribuição até desafios culturais e políticos, é evidente que essa empreitada não será — ou não seria — simples. Para superar as barreiras regulatórias e culturais, a companhia precisará encontrar um equilíbrio delicado entre adaptar-se às exigências locais e manter sua identidade e valores. Ou seja: o sucesso desse possível projeto dependerá da capacidade da Apple de ter algum jogo de cintura no panorama cultural e político chinês… ao mesmo tempo em que continua escalando as demais montanhas do seu serviço de streaming. Será possível?

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